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Incidente de resolução de demandas repetitivas e suspensão de processos: algumas controvérsias e o posicionamento do STJ

Durante a tramitação legislativa do projeto do CPC/15, havia sido inserida importante previsão que determinava a suspensão da prescrição da pretensão fundada na questão de direito afetada para julgamento pelo IRDR, o que ocorreria por ocasião de sua admissão.

26/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (“IRDR”), previsto nos arts. 976 a 987 do CPC/15, tem como objetivo uniformizar a interpretação e a aplicação do direito (material ou processual), quando constatada efetiva repetição de processos sobre a mesma controvérsia. O intuito é assegurar tratamento isonômico aos jurisdicionados, prestigiando a segurança jurídica, a confiança, e permitindo o gerenciamento do significativo acervo do Judiciário. 1

Para atender tais objetivos, o IRDR opera pela lógica de seleção de casos que representem a controvérsia, seguida de julgamento qualificado, com ampla discussão e debate, e, ao final, fixação de um entendimento único, também chamado de “tese”, que será obrigatoriamente aplicada a todos os casos repetitivos.

Enquanto se discute, no âmbito do IRDR, sobre a questão e o entendimento a ser firmado, o art. 982, I, do CPC prevê que devem ficar suspensos todos os processos repetitivos, porque a eles será aplicado, futuramente, o entendimento vinculante.

Há, no entanto, uma série de discussões e polêmicas que surgem em torno da suspensão dos processos, e o Superior Tribunal de Justiça já possui alguns julgados que podem nortear o debate sobre o tema, como se passa a abordar.

1) A suspensão de processos após a admissão do IRDR é obrigatória?

Apesar do texto do CPC, o dia a dia forense comprovou que há casos em que a paralisação de todos os processos poderia causar mais prejuízos do que a possível divergência entre os julgamentos, de modo que se passou a entender que a suspensão não é obrigatória, “competindo ao relator ou ao colegiado decidir acerca da sua conveniência” (Enunciado 140 das Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF).

O exemplo mais claro talvez seja a discussão travada no Tema Repetitivo 988 do STJ, acerca da interpretação do art. 1.015 do CPC e da taxatividade (ou não) das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento. Além deste caso, o STJ já decidiu pela não suspensão automática dos processos em diversos outros recursos repetitivos, inclusive oriundos de IRDR (p. ex. Temas 996, 1.022 e 1.027).

2) Se não houver suspensão dos processos, há alguma alternativa que possa assegurar a uniformização de entendimentos?

Não havendo a suspensão dos processos, a doutrina passou a aventar a possibilidade de os tribunais conferirem, quando da admissão do incidente, uma interpretação provisória vinculante acerca da questão. 2 Desse modo, os processos teriam tratamento uniforme enquanto discutida a tese no IRDR e, ao final, sendo confirmada a interpretação provisória, não haveria nenhum prejuízo aos atos já práticos, e, sendo modificada, o tribunal poderia modular os efeitos para preservar os atos praticados.

A título de exemplo, a fixação de interpretação provisória como alternativa à suspensão total dos processos já ocorreu no TJMG, no IRDR 1.0000.16.058664-0/006, que versava sobre cabimento de AI em recuperação judicial. A decisão de admissão acolheu o pedido de tutela de urgência para “obstar, no âmbito deste Tribunal, o não conhecimento de agravo de instrumento interposto em face de decisões proferidas no processo de recuperação judicial ou falimentar, caso presentes os demais requisitos de admissibilidade”. Ou seja, fixou, provisoriamente, o entendimento pelo cabimento de agravo de instrumento em tais hipóteses, enquanto perdurasse o julgamento do IRDR e fixação da tese final quanto ao cabimento do recurso.

3) Qual é o âmbito territorial da suspensão?

A princípio, a suspensão será limitada ao âmbito de jurisdição do tribunal em que se instaurar o IRDR, porque a futura tese terá sua aplicação limitada aos processos que tramitem no respectivo Estado ou Região. Mas a suspensão pode tornar-se nacional, caso requerida aos tribunais superiores (art. 982, §3º, do CPC), o que decorre da possibilidade de interposição de recurso especial ou extraordinário contra a decisão de mérito do IRDR (art. 987 do CPC), hipótese em que, confirmada ou reformada a tese, esta passa a ter abrangência nacional.

O STJ, no julgamento de Suspensão em IRDR 7, destacou que a tutela da segurança jurídica referente ao pedido de suspensão nacional se verifica quando: “a) demandar a interpretação da legislação infraconstitucional federal; b) abranger matéria que se repete em processos em tramitação em outros estados ou regiões; e c) ensejar divergência de entendimentos entre pelo menos dois tribunais”. 3 Tal decisão, importante para balizar o entendimento sobre a suspensão de processos e o IRDR, também sinaliza que a suspensão não obsta: o ajuizamento de novas ações; medidas de urgência; acordos; julgamento parcial de mérito. 4

4) Qual o prazo de suspensão dos processos repetitivos?

O art. 980 do CPC prevê que o IRDR será julgado em 1 (um) ano e que, superado o prazo, cessa a suspensão, salvo decisão do relator. No entanto, os tribunais vêm entendendo que se não houver julgamento do incidente no referido prazo, a suspensão deve ser prorrogada pelo mesmo período necessário à fixação da tese, sob pena de desconsiderar seu objetivo último, que é a uniformização. 5

Além disso, o STJ já decidiu que, interpostos recursos especial ou extraordinário, a suspensão só cessa com o julgamento dos recursos. 6

Outro ponto importante: o STJ já decidiu que é possível, em recurso especial interposto contra decisão de mérito do IRDR, redefinir a questão controvertida afetada para limitá-la, caso o recurso da decisão do IRDR não abarque todos os pontos, considerando o efeito devolutivo dos recursos e a impossibilidade de revisão, de ofício, das teses firmadas em IRDR. Em tais casos, é importante que também a suspensão também sofra nova delimitação, com imediata aplicação da tese que não foi objeto do recurso.

5) Determinada a suspensão, o que deve ocorrer nos processos repetitivos?

Deve haver a prolação de decisão nos processos sobrestados, ainda que em bloco, para que haja a intimação das partes sobre a suspensão. A intimação tem duas importantes funções: a) dá efetivo conhecimento à parte acerca da discussão do IRDR e faculta a sua participação no âmbito do incidente; e, b) possibilita a atuação da parte para comprovar a eventual distinção de seu caso.

Caso demonstrada a distinção e negado o pedido de prosseguimento, há alguma saída? Cabe recurso? O Código não traz expressamente tal disciplina para o IRDR, mas as regras dispostas para os recursos repetitivos são facilmente aplicáveis nesta sede, considerando a existência do microssistema de resolução de questões repetitivas, como já decidiu o STJ. 8 Assim, será cabível agravo de instrumento ou agravo interno, conforme a decisão seja de primeiro grau ou do relator, no tribunal (art. 1.037, §§8º a 13, do CPC), como já enunciado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC (Enunciado 481) e pelas Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal (Enunciado 142).

6) É possível a suspensão parcial dos processos?

A suspensão pode abranger apenas alguns dos pedidos, em caso de processos com cumulação simples, como já sinalizado no julgamento da Suspensão em IRDR 7, conforme o voto do Exmo. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, bem como nos Enunciados 205 do FPPC e 126 das Jornadas do Conselho da Justiça Federal.

A suspensão pode também não ocorrer em relação à prática de atos preparatórios ao julgamento, como instrução, deixando-o pronto para aplicação da tese. 9

7) E o curso do prazo prescricional em relação às pretensões não judicializadas, também fica suspenso pela suspensão do IRDR?

Durante a tramitação legislativa do projeto do CPC/2015, havia sido inserida importante previsão que determinava a suspensão da prescrição da pretensão fundada na questão de direito afetada para julgamento pelo IRDR, o que ocorreria por ocasião de sua admissão (art. 990, §5º, do substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS 166/2010).

A previsão era positiva, porque: a) enquanto estivesse tramitando o incidente, não haveria propositura de novas ações fundada na mesma questão de direito; b) após o julgamento, apenas seriam propostas ações que se alinhassem com a tese jurídica uniformizada, evitando o assoberbamento do judiciário com demandas que seriam protocoladas e imediatamente suspensas.

Atualmente, no entanto, não há essa previsão, que dependeria de reforma legislativa, de modo que se entende que não há suspensão do prazo prescricional para as demandas não ajuizadas. 10 Por outro lado, entende-se que não corre o prazo de prescrição intercorrente em relação aos processos já ajuizados, como consta do Enunciado 452 do FPPC.

__________

1 As reflexões do presente texto foram apresentadas no evento “Webinário: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”, organizado Superior Tribunal de Justiça, em 20.8.2021, disponível aqui. Agradeço ao Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e ao Prof. Renato Castro pelo convite.

2 Para aprofundamento sobre o IRDR, ver: TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

DIDIER JR., Fredie; TEMER, Sofia. A decisão de organização do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: Importância, conteúdo, e o papel do regimento interno do Tribunal. Revista de Processo, v. 258, p. 257-278, 2016; PANTOJA, Fernanda; TEMER, Sofia. A excepcionalidade (e a necessidade) da tutela de urgência no incidente de resolução de demandas repetitivas. Disponível aqui.

3 STJ, SIRDR nº 7, Comissão Gestora de Precedentes, Pres. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julg. 21.6.2017.

4 Reiteramos, todavia, a necessidade de reflexão acerca do requisito mencionado pelo RISTJ (art. 271-A), que exige que “a parte de processo em curso em localidade de competência territorial diversa daquela em que tramita o incidente de resolução de demandas repetitivas deverá comprovar a inadmissão do incidente no Tribunal com jurisdição sobre o estado ou região em que tramite a sua demanda”. Sobre o tema, disponível aqui.

5  TJBA, IRDR  0007725-69.2016.8.05.0000, Decisão monocrática, Rel. Des. Telma Laura Silva Britto, julg. 28.7.2017.

6 Não é necessário, no entanto, aguardar o trânsito em julgado, porque caberia apenas ED, que não impede a aplicação da tese: STJ, REsp 1.869.867, 2ª T., Rel. Min. Og Fernandes, julg. 20.4.2021.

7 STJ, ProAfR no REsp 1.846.649, Segunda Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julg. 23.6.2021.

8  STJ, REsp  1.846.109, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 10.12.2019.

9  TRF4, IRDR  5013036-79.2017.4.04.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, julg. 6.7.2017.

10 De qualquer forma, a corroborar a preocupação com o lapso prescricional das pretensões durante o período de suspensão para julgamento de questões repetitivas e de repercussão geral (cuja sistemática, no ponto, se assemelha à do IRDR), o STF decidiu, especificamente em relação aos processos criminais, que (i) a suspensão dos processos (art. 1.035, §5º, do CPC) é facultativa; (ii) caso sobrestados os processos, há também a suspensão do curso da prescrição da pretensão punitiva, até que julgado definitivamente o recurso paradigma pelo STF; (iii) a suspensão dos processos não abrange inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios pelo MP e ações penais em que haja réu preso provisoriamente; (iv) caso suspenso o processo, poderá ocorrer a produção de provas e atos urgentes: Questão de Ordem na Repercussão Geral no RE 966.177, Plenário, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 7.6.2017.

Sofia Temer
Doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Membro do IBDP, do ICPC e da Processualistas. Sócia do escritório Gustavo Tepedino Advogados.

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