O presente artigo tem por objetivo analisar os impactos da adoção do chamado voto-plural para fomentar abertura de capitais (Initial Public Offering – IPO) e listagem de startups na bolsa brasileira.
O tema foi incorporado ao PLV 15/21, recentemente aprovado pelo Senado, que prevê uma série de medidas para simplificar a abertura de empresas e seu funcionamento. A possível introdução do chamado “voto plural” é uma das medidas com potencial para estimular a abertura de capital das startups no Brasil.
O voto plural é o privilégio atribuído a determinadas ações, representado por um maior número de votos em relação às demais ações emitidas pela companhia, o que é atualmente vedado pelo art. 110, §2º, da lei 6.404/76 (lei das Sociedades Anônimas).
Nos Estados Unidos, as estruturas Dual Class Share (DCS) – que correspondem ao voto-plural – são permitidas antes mesmo da criação da SEC, cabendo a cada bolsa definir limites e restrições em suas regras de listagem. Desde 1986, a NYSE permite o voto-plural como via de regra, tendo havido uma tentativa de proibição pela SEC em 1988, mas que não chegou a entrar em vigor.
Atualmente, na NASDAQ e NYSE, de modo geral, não há limites ou restrições quanto às DCS, mas, uma vez listada, a companhia não pode reduzir ou restringir direitos de voto dos acionistas detentores de ações em circulação.
Este tema impacta, especificamente, às startups, pois o argumento é que, com a adoção do voto-plural, pode haver concessão de maiores poderes de voto às ações dos fundadores do negócio. Isso, em teoria, garantiria maior controle aos fundadores pós abertura de capital da startup, permitindo, assim, que exista maior governabilidade para implementar seu plano de negócio de longo prazo, reduzindo a influência de investidores com visão excessivamente voltada para o curto prazo.
A adoção do mecanismo nos Estados Unidos foi considerada como fator relevante para que startups cuja base não estava, originalmente, nos EUA, tenham optado por realizar seus IPOs em bolsas americanas, como é o caso do IPO da Alibaba (2014). Outros IPOs de empresas de tecnologia – como Google e Snap (2017) – adotaram o modelo de voto-plural.
A partir disso, identifica-se um movimento de vários países, com mercados de capitais altamente desenvolvidos, que vem introduzindo a possibilidade de ações com poderes especiais de voto. Na sequência do IPO da Alibaba, as bolsas de Singapura (SGX) e Hong Kong (HKEX) iniciaram estudos dos sobre o tema, tendo passado a permitir o voto plural, respectivamente, em 2016 e 2018.
No Brasil, a B3 e a Ace Governance realizaram uma pesquisa com participantes do mercado para analisar os possíveis impactos de adoção do voto-plural no Brasil. Entre outras informações, tal pesquisa investigou as motivações que levam as companhias brasileiras a listarem fora do Brasil, (2) as visões contrárias, favoráveis e discussões sobre o modelo a ser adotado no Brasil 1.
Os entrevistados nesta pesquisa reconheceram que o fator mais relevante para a decisão de listar fora do Brasil se baseou em fatores diversos. Entretanto, todos os entrevistados também apontaram a questão do voto-plural como vantagem adicional relevante a justificar a preferência por realizar IPOs em bolsas estrangeiras.
Ao discutir-se o voto-plural, tem-se um típico trade-off, um dilema entre, de um lado, assegurar igualdade de direitos e melhorar a governança corporativa e, de outro, assegurar uma maior concentração de controle com vistas a preservar o planejamento de longo prazo em face dos interesses mais imediatos dos demais acionistas.
Um exemplo prático disso é Mark Zuckerberg, que detém apenas 28,2% do patrimônio, mas 53,3% dos direitos de voto do Facebook. Quando a decisão de adquirir o Instagram por um bilhão de dólares foi tomada belo Facebook, o Instagram possuía treze empregados e receita zero, ao passo que está atualmente avaliado em mais de US$ 100 bilhões – ou seja, cem vezes o seu custo de aquisição.
Contudo, se Mark Zuckerberg se visse obrigado a consultar o board, a proposta de aquisição do Instagram poderia ter sido rejeitada.
Os estudos econômicos se dividem sobre os impactos da adoção de DCS (“voto-plural”) e a performance das companhias. Alguns estudos sugerem que, nos primeiros anos seguintes a um IPO (de sete a nove anos), as empresas com estrutura DCS ("voto-plural") tendem a ter melhor performance que aquelas que mantém estruturas de voto-singular. Há, porém, evidência de que as firmas com estrutura DCS (“voto plural”) declinam em valuation na medida em que elas amadurecem.
Um dos riscos associados às estruturas DCS (“voto-plural’) é o chamado “risco de agência”, em que o board de uma companhia passa a explorá-la para seus próprios interesses.
Conforme se observa, há uma certa divergência nos estudos econômicos quanto ao impacto das estruturas DCS (“voto-plural”) sobre a performance das companhias.
Há, por outro lado, um consenso entre os estudos econômicos e as opiniões dos investidores brasileiros colhidas pela B3/ACE de que impor limites de duração ao voto-plural (isto é, a chamada sunset clause) é uma medida recomendável, que visa alcançar um balanço entre governança corporativa e o planejamento de longo prazo de uma companhia.
O PLV 15/21, aprovado no Senado, caminha nesta linha, ao prever que o prazo de vigência do voto plural pode estar condicionado a um evento ou termo futuro, ou viger por até 7 (sete anos) podendo ser prorrogável por qualquer prazo. Porém, tal prorrogação deve ser aprovada em assembleia especial, da qual deverão ser excluídos das votações os votos da classe voto plural, pela evidente motivação de se evitar um conflito de interesse. Além disso, foi assegurado o direito de retirada dos dissidentes.
Verifica-se, assim, que o PLV 15/21 atendeu à demanda dos investidores ouvidos pela B3/ACE, de que deveria ter sido regulado o instituto do tag-along – proteção conferida aos acionistas minoritários, para que estes possam deixar a sociedade caso passe a ser adotado o voto plural.
Além disso, as ações de classe com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural, na hipótese de transferência a terceiros. No entanto, o projeto ressalva, entre outras situações, aquela em que o alienante permanece indiretamente como único titular de tais ações e no controle dos direitos políticos por elas conferidos.
Considerando que outros mercados no exterior oferecem tal possibilidade, a não adoção do mecanismo (voto plural) poderia ser percebida pelas empresas brasileiras e estrangeiras, no mínimo, como uma desvantagem competitiva, que confere um incentivo negativo para a listagem de novas empresas no Brasil.
Há razões para acreditar que a adoção do mecanismo poderia conferir um incentivo ainda que reduzido à listagem de novas empresas no Brasil, sobretudo para empresas de tecnologia e startups.
Entendemos que o Projeto aprovado pelo Senado visou atingir um adequado balanço entre a adoção do voto-plural e um nível aceitável de governança corporativa das sociedades.
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1 Disponível aqui.