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Implementação da inteligência artificial no contexto do Poder Judiciário brasileiro

No presente estudo pretende-se abordar a temática atinente à introdução da inteligência artificial no atual contexto do Poder Judiciário brasileiro.

20/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Com o recente e atual advento tecnológico todos foram impactados por inúmeras novidades que surgem a partir desta nova perspectiva. A utilização destas novas ferramentas já é prática diuturna no nosso cotidiano, portanto, o uso do sistema de inteligência artificial (I.A.) é crescente nos mais diversos ramos da sociedade. Esta utilização propicia uma maior eficiência e precisão nos serviços que são pretendidos.

No âmbito do direito, vislumbra-se também este fenômeno, sua utilização vem trazendo benefícios na otimização de serviços e na solução de litigâncias.

Inicialmente, a inteligência artificial foi implementada no âmbito jurídico com a criação de um robô denominado Ross, sendo incorporado a uma empresa de advocacia dos Estados Unidos, em novembro de 2017.

A plataforma denominada Ross é por muitos considerada o primeiro advogado artificialmente inteligente do mundo, estando a serviço da empresa de advocacia Baker e Hostetler, de Nova Iorque/EUA.

A máquina é projetada para entender a linguagem humana, fornecer respostas a perguntas, formular hipóteses e monitorar desenvolvimentos no sistema legal.

Outra expoente nesta área de I.A. é o IBM Watson, uma empresa estadunidense da área de informática e tecnologia. Uma das diversas tecnologias que a IBM desenvolveu foi o Watson, uma plataforma que fica encarregada da resolução de problemas cognitivos.

A cognição é o processo que o cérebro humano utiliza para aprender novos conhecimentos a partir das informações recebidas, portanto, baseada neste procedimento de cognição a plataforma Watson simula esse processo de aprendizagem de forma bastante eficiente. Essa plataforma é utilizada nos mais diversos ramos de conhecimento como na medicina, nas finanças e logo foi implementada no âmbito judicial.

A plataforma Watson foi implantada em um escritório advocatício de Recife para a automatização de serviços repetitivos, aumentando a média de acertos, em relação ao preenchimento de dados, de 75% para 95%.1

Tais artífices tecnológicos não auxiliam somente a advocacia particular, mas também possibilitam uma maior eficiência no setor público.

A Advocacia Geral da União (AGU), também cedeu espaço para a inteligência artificial incorporando o sistema de inteligência Jurídica denominado Sapiens. Tal ferramenta busca auxiliar na elaboração da defesa judicial sugerindo modelos e teses a fim de propiciar uma padronização da identidade visual das peças processuais.

Ademais, viabiliza ainda, a indicação de teses cabíveis ao caso concreto.

Nos tribunais estaduais também já existem iniciativas de incorporação de inteligência artificial no âmbito de sua jurisdição, a saber o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG), desenvolve um sistema de indexação automática de processos a fim de facilitar a identificação de processos com demandas repetitivas.2

Neste ínterim, a corte maior do país também se detém nesta empreitada, o Supremo Tribunal Federal (STF), anunciou o desenvolvimento de um programa de inteligência artificial denominado como Victor, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), a fim de possibilitar uma maior eficiência na apreciação de recursos extraordinários interpostos, identificando vinculações aos temas de repercussão geral.3

Uma das maiores críticas relacionadas ao Poder Judiciário é o morosidade no trâmite das ações judiciais, independentemente de questões outras como a falta de estruturação, qualidade na prestação de serviços dos agentes públicos, busca de pretensões jurídicas descabidas e afins, fato é: a implementação da inteligência artificial auxiliaria na práticas das atividade cartoriais ordinárias, garantindo uma maior efetivação do acesso à justiça, salvaguarda constitucional, aos cidadãos, bem como uma maior produtividade dos atos ordinários de mero expediente.

Neste escopo, com o advento da lei 13.105 de 20154, práticas de atos de mero expediente são preferencialmente efetivadas de forma eletrônica, conforme depreende-se do exposto no Livro IV (dos Atos Processuais), Título I (da forma, do tempo e do lugar dos atos processuais), Capítulo I (da forma dos atos processuais), Seção II do Código de Processo Civil.

Deste modo, sem querer esgotar o tema, torna-se claro a intenção maior do legislador de tentar amenizar a atual morosidade da justiça.

Portanto, a incorporação de I.A. na prática forense auxiliaria na concretização deste desiderato

Com o atual estado da arte da tecnologia, autores alemães conceituaram a Revolução Industrial 4.0, com projetos voltados à tecnologia, tal expressão foi utilizada a priori na Feira de Hannover em 2011 para referenciar as principais inovações tecnológicas dos campos de automação, controle e tecnologia da informação.

Conforme Magrani (2018, p.79)5, a chamada quarta revolução industrial "teria começado na virada deste século e tem se construído a partir da revolução digital", a qual "se caracteriza essencialmente por uma internet ubíqua e móvel, por sensores e dispositivos cada vez mais baratos e menores e pelo desenvolvimento da inteligência artificial".

Na busca de melhor um entendimento sobre a inteligência artificial se faz necessário inicialmente compreender como se dá o processo de Machine Learning6, pressuposto basilar da I.A., podendo-se conceituar: o aprendizado automático é um subcampo da ciência da computação, que adveio do estudo da teoria do aprendizado computacional em inteligência artificial. O aprendizado automático explora o estudo para que algoritmos possam aprender os seus erros na realização de tarefas e consigam fazer previsões sobre os dados de suas tarefas.

Os algoritmos realizam tarefas construindo um modelo a partir de inputs amostrais a fim de possibilitar previsões ou tomada de decisões embasadas nos dados introduzidos, diferentemente do que se dá com uma simples realização de uma instrução programada.

O algoritmo funciona sob a perspectiva de entrada e saída de dados e informações, os inputs e outputs.

Os inputs são os responsáveis pela recepção dos dados para serem processados pelos algoritmos, ao passo que, os outputs são responsáveis pelo retorno dos dados já processados, relacionando-se diretamente com os inputs, sendo, portanto, o resultado vinculado com os dados inseridos.

Outra ressalva a se fazer se trata de um ponto de veemente discussão doutrinária acerca da inteligência artificial forte e fraca, conforme melhor definição:

Diz-se que uma máquina possuiria uma inteligência artificial fraca, quando se identificasse que ela estaria agindo de uma forma inteligente, ao passo que, se está máquina, ao agir de um modo inteligente, estaria, realmente, pensando (e não tão somente simulando um pensamento), estar-se-ia diante de uma inteligência artificial forte.7

Essa distinção é baseada essencialmente no chamado Teste de Touring, que, em síntese, testaria a capacidade de uma determinada máquina de exibir um comportamento semelhante ao de um ser humano, a partir de uma espécie de jogo, ao qual Turing denominou de "Jogo da Imitação".8

Depreende-se que a utilização das ferramentas de I.A. traz diversos benefícios à prática do Direito, em face à automatização de atividades repetitivas, propiciando uma maior agilidade e precisão na resolução de problemas.

Ademais saliente-se, que tais mecanismos interferem concretamente no quadro de em massa e na morosidade do trâmite de processos no Poder Judiciário brasileiro.

A introdução tecnológica no ambiente profissional incita uma nova dinâmica aliada a rotina de trabalho, provando uma mudança comportamental, bem como na forma de lidar e gerir pessoas, essa mudança implicará em mudança até nos escritórios advocatícios, neste aspecto esclarece Martins (2017):9

A globalização e popularização de novas tecnologias motivaram uma competitividade maior no mundo empresarial. Nesse contexto, o mercado se tornou um local inapropriado para as instituições que insistirem em conservar práticas ultrapassadas em sua rotina. A realidade das bancas jurídicas também foi impactada de forma definitiva. Mais do que nunca, os advogados devem ampliar a visão estratégica do negócio com relação a sua própria atuação ao viabilizar uma gestão de escritório de advocacia moderna e profissionalizada.

A profissionalização dos escritórios de advocacia, independentemente do seu porte, é uma necessidade iminente aos profissionais da área. É por isso que o advogado deve acompanhar as inovações do setor para modernizar sua rotina profissional. Aqueles que já se convenceram de que é preciso encarar a gestão de escritório de advocacia com a mesma organização de uma empresa, conquistam um diferencial competitivo frente à concorrência.

Tendo em vista, todas as repercussões já expostas, ficou demonstrado que a figura do advogado deverá permear todas as mudanças tecnológicas que já estão incorporadas no cotidiano. Diante desta novidade, o posicionamento do profissional jurídico deverá ser revisitado, remodelado, a fim de agregar todas estas novidades.

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1 Brasileiro. Inteligência artificial da IBM está ajudando escritório de advocacia brasileiro: Canaltech; 2018 [cited 2019 08 de fevereiro]. Available from: clique aqui.

2 ASCOM, A. D. C. I.-.; TJMG, T. D. J. D. M. G.-. Gestão de precedentes e tema de encontro no TJ/MG. p. Ministros da Comissão Gestora de Precedentes do STJ compartilharam experiência com o Tribunal mineiro, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 8 de março de 2019.

3 Inteligência artificial vai agilizar a tramitação de processos no STF 2018 [cited 2019 8 de março de 2019]. Available from: clique aqui.

4 Código de Processo Civil.

5 Magrani E. A internet das coisas. Rio de Janeiro: FGV; 2018.

6 Aprendizagem da máquina.

7 RUSSELL, P. N. E. S. J., Ed. Inteligência Artificial. Rio de Janeiro: Elseviered. 2013.

8 Turing, 1950, p. 433). Computing machinery and intelligence. Mind, 59, 433-460, Alan M. Turing (1950).

9 MARTINS, Luciano. Gestão de escritório de advocacia: o guia definitivo. Publicado em: 25 ago. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 8 março 2019.

Paulo Cosmo Jr.
Possui graduação em bacharelado em Direito - LAEL VARELLA EDUCACAO E CULTURA LTDA (2020).

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