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Cultivares: o que proteger e como proteger?

A LPC visa estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novas cultivares a fim de otimizar a produtividade e utilizar os recursos naturais de uma forma mais sustentável e, também, garantir o direito do obtentor sobre as novas variedades vegetais e seus materiais de propagação.

23/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Um dos maiores desafios da agricultura hoje é obter uma produtividade compatível com o crescimento populacional de uma forma mais sustentável. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Saúde – FAO, a população mundial provavelmente aumentará cerca de 35% até 2050 e, para atender essa demanda populacional por alimentos, a produção agrícola teria que duplicar.

Nos últimos anos, estudos calcularam que o Brasil possui cerca 7,8% das terras cultivadas e que até 2028/29, o total de áreas plantadas com lavouras e áreas cultivadas com grãos terá um crescimento de aproximadamente 10,3 e 9,5 milhões de hectares, respectivamente.

Ainda de acordo com os estudos realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária do Abastecimento – MAPA, o Brasil produzirá cerca de 300 milhões de toneladas de grãos na próxima década, o que significa um aumento de 62,8 milhões de toneladas, cujo crescimento provavelmente estará intimamente vinculado ao aumento da produtividade das culturas. Assim, inúmeros programas de melhoramento genético vegetal vêm sendo desenvolvidos visando aumentar a produtividade agrícola, promover a resistência a pragas agrícolas e doenças, adaptar as culturas às diferentes regiões geográficas e agroecossistemas, melhorar os parâmetros nutricionais dos alimentos, conservar os recursos naturais, reduzir os impactos ambientais, reduzir os custos de produção, dentre outros.

O surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995 estabeleceu no Anexo 1 C, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio Trade Related Intelectual Property Rights (TRIPS) –, como instrumento de estímulo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. A seção do acordo TRIPS que dispõe sobre patentes estabelece, no artigo 27.3(b), que os países-membros da OMC podem optar, para proteção intelectual das variedades vegetais, por um sistema patentário, um modelo sui generis ou uma combinação de ambos. Alguns países, como Estados Unidos, Japão, Austrália e Coreia, optaram por um sistema de proteção misto, no qual se combinam os modelos patentário e o de proteção sui generis. Outros, como o Brasil, Alemanha e França adotaram um sistema exclusivamente sui generis.  Assim, uma variedade vegetal obtida a partir de melhoramento genético pode ser passível de proteção no Brasil a partir da lei de Proteção de Cultivares – LPC, regulamentada pelo Decreto 2.366 de 5 de novembro de 1997, a qual institui o direito da livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar.

De acordo com a LPC, uma cultivar é denominada como:

“variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos”

Para serem passíveis de proteção pela LPC, as cultivares devem cumprir os requisitos de distinguibilidade, homogeneidade, estabilidade (sendo estes requisitos comprovados através de experimentos específicos, denominados Testes de DHE) e novidade. Além disso, segundo o Artigo 15 da LPC, toda a cultivar deverá possuir uma denominação própria que permita sua identificação e que seja distinta de outras cultivares.

O requisito que se relaciona diretamente à inovação, no sentindo de ser literalmente novo, é o de distinguibilidade. A cultivar precisa ser claramente distinta de qualquer outra cuja existência seja conhecida na data do pedido de proteção. A distinguibilidade é atestada comparando-se as cultivares por meio de um conjunto de características levando em conta as características morfológicas, fisiológicas ou moleculares mais marcantes e possíveis de serem transmitidas a cada geração que a cultivar for multiplicada. Alguns exemplos dessas características utilizadas são: formato, coloração e tamanho dos frutos, tamanho das pétalas etc. Já a homogeneidade é definida como a uniformidade entre plantas dentro da mesma geração, ou seja, as várias plantas que, em conjunto, compõem a cultivar não podem apresentar características discrepantes entre si. Por fim, a estabilidade é a manutenção das características através das sucessivas gerações.

Para atender ao requisito de novidade, a cultivar não pode ter sido comercializada no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção; e no exterior tal cultivar não pode ter sido comercializada, com o consentimento do obtentor, há mais de 6 anos, no caso de árvores ou videiras, ou há mais de 4 anos, para as demais espécies vegetais.

No Brasil, o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC) é responsável pela análise, concessão ou denegação dos pedidos de proteção de cultivares no país. Através da Plataforma CultivarWeb é possível obter informações sobre as cultivares protegidas no país, tal como, o nome científico e comum, bem como, a denominação da cultivar de interesse, titular/requerente e número do protocolo do pedido de proteção. Atualmente, essa plataforma conta com um total de 2.665 cadastros de proteção definitiva ou provisória, incluindo cultivares geneticamente modificadas.

É importante ressaltar que de acordo com o Artigo 11 da LPC, a proteção de uma cultivar terá um prazo de vigência de 15 anos a partir da concessão do certificado Provisório de Proteção, exceto para videiras e árvores frutíferas, árvores florestais e ornamentais, cuja proteção vigorará por 18 anos.

De uma maneira geral, a LPC visa estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novas cultivares a fim de otimizar a produtividade e utilizar os recursos naturais de uma forma mais sustentável e, também, garantir o direito do obtentor sobre as novas variedades vegetais e seus materiais de propagação.

Caroline da Silva Moraes
Especialista de patentes no escritório Di Blasi Parente

Antônio Alexandre Moura dos Santos
Especialista de Patentes no escritório Di Blasi, Parente & Associados.

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