A MP 1.045/21, originalmente destinada a reavivar o Programa de Preservação do Emprego e da Renda – trazido inicialmente pela MP 936/20 – transformou-se em uma minirreforma trabalhista ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional.
Dentre diversas alterações trabalhistas que foram inseridas no Projeto de lei de Conversão da Medida Provisória 1045/21 destacam-se as restrições à concessão da justiça gratuita, tradicionalmente um importante elemento de garantia do acesso à justiça para muitas brasileiras e brasileiros.
A gratuidade de justiça atualmente se encontra prevista no art. 98, do CPC:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Com a pretensão de definir o que é a insuficiência de recursos para pagar as custas, o processo legislativo de conversão em lei da MP 1045 introduz mudanças na CLT, na lei dos Juizados Especiais Federais, na lei 5.106/1966 (organização da Justiça Federal) e também no próprio Código de Processo Civil.
Nesse sentido, terá direito à justiça gratuita somente a pessoa de baixa renda que tenha renda mensal per capita de até ½ salário mínimo ou renda familiar de até 3 salários mínimos, que tenha cadastro em órgão oficial do Governo Federal instituído para programas sociais (provavelmente o CadÚnico).
Doravante, para a obtenção da justiça gratuita não bastará a declaração de próprio punho, sendo necessário o preenchimento dos requisitos mencionados acima.
O arranjo normativo atual sobre a justiça gratuita é bastante adequado e razoável, e não deve ser alterado nos termos que são propostos agora.
A jurisprudência avançou para uma perspectiva de que a necessidade e possibilidade de concessão da justiça gratuita deve ser analisada no caso concreto e pode ser impugnada pela parte contrária, que deve argumentar e comprovar os motivos pelos quais a benesse processual não deve ter lugar.
Essa sistemática é muito mais adequada à ideia de acesso à justiça do que um mero e simples tabelamento monetária de quem tem direito ou não à prerrogativa de justiça gratuita.
Nesse sentido, por aproximação e analogia, não se pode perder de vista a jurisprudência consolidada do STJ e do STF em relação ao critério matemático de renda para concessão do BPC (1/4 de salário mínimo), o qual pode ser relativizado no caso concreto, permitindo a demonstração da vulnerabilidade sócio-econômica por outros meios de prova.
Por fim, é importante salientar que na ADIn 5.127/DF o STF pronunciou-se de modo a censurar a utilização dos famigerados “jabutis” legislativos, isto é, a inserção, no processo legislativo de conversão de uma determinada Medida Provisória, de matéria alheia à sua redação original.
É evidente que esse novo arranjo normativo viola, substancialmente, o art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Trata-se de limitação econômica ao acesso à justiça, ilegítima e possivelmente antidemocrática, promovendo o retorno a um paradigma de judicialização bastante restritivo e denunciado há muitas décadas na obra clássica de Mauro Cappelletti e Bryanth Garth.
Em síntese, destacamos a inconstitucionalidade material desse Projeto de lei, bem como sua evidente antinomia com o disposto no art. 98 do CPC.