A lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96, artigo 129) prevê que o titular de uma determinada marca possui determinados direitos de exclusividade sobre ela (como o direito de uso exclusivo). A lei dispõe, em seu artigo 132, inciso III, que o titular não poderá impedir a livre circulação de um produto colocado no mercado interno por si ou por outrem com seu consentimento. Tal limitação decorre do direito de exclusividade que o titular possui de utilizar o sinal em todo o território nacional (art. 129 da mesma lei).
Em razão das práticas de mercado e da legislação vigente, o direito de exclusividade não é absoluto, principalmente considerando o chamado “princípio da exaustão de direitos” ou a “teoria da primeira venda”. A exaustão de direitos ocorre quando um produto é vendido ou distribuído pelo titular do registro de marca ou por um terceiro com seu consentimento (por exemplo, um distribuidor), de modo que, após tal venda, o titular da marca não pode impedir a circulação ou revenda do produto no mercado.
Considerando que o direito de o titular se opor à circulação de bens que ostentam sua marca no território nacional não é absoluto, é possível discutir se a importação de um produto idêntico e original, da mesma marca, por terceiro sem autorização do titular local (a chamada “importação paralela”) pode ser considerada lícita.
A doutrina e a jurisprudência brasileira têm firmado entendimento no sentido de que a importação paralela, quando não autorizada pelo titular da marca registrada no INPI, é, em regra, proibida. Isso porque o artigo 132, inciso III, da lei da Propriedade Industrial prevê que o titular não pode “impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento”, o que significa que, se o produto for colocado no “mercado externo” (em outro país), o titular do registro de marca local poderia opor-se à sua importação para o Brasil para revenda.
A depender do caso concreto, contudo, a importação paralela pode ser permitida, desde que seja reconhecida a existência de consentimento do titular da marca para a importação. Neste caso é debatido se tal consentimento precisa ser explícito ou se pode ser tácito.
Em que pese a discussão sobre a licitude ou ilicitude da importação paralela e sobre o que pode ser considerado como consentimento do titular para a importação, verifica-se a existência de numerosas ações judiciais com o objetivo de impedir importações paralelas consideradas irregulares, ou seja, importações de produtos autênticos comercializados originalmente em outro país, ou de impedir a revenda de tais produtos no Brasil.
A primeira questão relevante neste tipo de demanda é a verificação da legitimidade processual para ajuizamento de tais ações com o fim de defender determinada marca no território nacional.
Embora, em regra, seja o próprio titular da marca quem detenha legitimidade para ajuizar medidas com o fim de defender sua marca, inclusive de impedir importações paralelas, não é difícil constatar a existência de ações ajuizadas por distribuidores de produtos, isto é, pessoas físicas ou jurídicas que possuem contrato de distribuição de produtos de determinada marca no território nacional.
Os contratos de distribuição de mercadorias (ainda que tenham cláusula de exclusividade) não implicam necessariamente o direito de defender determinada marca em território nacional.
O artigo 139 da lei da Propriedade Industrial determina que o titular de marca pode celebrar contrato de licença para que um terceiro possa usá-la, e seu parágrafo único prevê que o “licenciado poderá ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da marca”. Isso significa que a autorização para defesa da marca não decorre automaticamente quando da celebração do contrato de licença para uso da marca, muito menos do contrato de distribuição exclusiva, e que deve ser prevista expressamente para que o distribuidor ou licenciado possa tomar medidas em defesa da marca em questão.
Assim, ainda que um terceiro seja distribuidor de certa marca no Brasil e tenha licença para vender, mesmo que de forma exclusiva, produtos de tal marca, o distribuidor não necessariamente terá poderes específicos para agir em sua defesa.
A respeito da defesa da marca, destaca-se que a sua propriedade é adquirida pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional. Ainda, de acordo com o artigo 130, é assegurado ao titular o direito de (I) ceder seu registro ou pedido de registro; (II) licenciar seu uso e (III) zelar pela sua integridade material ou reputação.
Para que o distribuidor exclusivo de mercadorias de uma determinada marca possa defendê-la e tenha legitimidade ativa para ajuizar ação contra terceiros que estejam praticando importação paralela irregular, é necessário que o distribuidor tenha firmado com o titular da marca um contrato em que conste expressamente a autorização para que o distribuidor aja em defesa dessa marca.
Isso significa que um mero contrato de distribuição exclusiva não confere automaticamente poderes para o distribuidor agir em defesa da marca, como também não produz efeitos em relação a terceiros, na medida em que o direito de distribuição exclusiva é um direito pessoal, decorrente de contrato, e não um direito real oponível erga omnes. Em outras palavras, o efeito da exclusividade de um contrato de distribuição é apenas entre as partes do contrato, não podendo o distribuidor requerer o exercício de tal exclusividade contra terceiros.
Para poder ajuizar ações em defesa da marca, portanto, o primeiro requisito é que o distribuidor tenha sido investido expressamente de tal prerrogativa pelo titular do registro de marca. Em muitas situações, o contrato de distribuição nada diz sobre tal possibilidade, razão pela qual o distribuidor, ainda que exclusivo, não pode ajuizar ação, sendo o próprio titular da marca a parte legítima para tanto. Em determinados contratos, tem-se justamente o contrário: previsão expressa de que o distribuidor não poderá ajuizar ação em defesa da marca, ou de que deverá meramente auxiliar o titular da marca prestando-lhe informações para que o próprio titular tome as medidas que entenda cabíveis.
Outro requisito para que o distribuidor exclusivo tenha legitimidade para acionar terceiros judicialmente com o intuito de combater a importação paralela é demonstrar que o contrato firmado com o titular da marca foi averbado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), conforme determina o artigo 140 da lei da Propriedade Industrial. Caso contrário, o contrato não produz efeito em relação a terceiros.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) já firmou entendimento de que a mera existência de contrato de exclusividade para distribuição de produtos não implica a legitimidade ativa da empresa licenciada para proceder em defesa da marca, sendo necessária a averbação do contrato no INPI a fim de garantir a eficácia da licença do uso da marca e da cláusula pela qual o distribuidor/licenciado recebe poderes para atuar judicialmente perante terceiros.
A título exemplificativo, em dois acórdãos recentes (na Apelação Cível 1043295-03.2019.8.26.0100 e na Apelação Cível 1013428-96.2017.8.26.0564), o TJ/SP extinguiu os processos sem exame de mérito ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa das partes autoras, uma vez que não estavam presentes os requisitos de (I) existência de previsão expressa, em contrato de licença de uso de marca, para atuação em defesa da marca e (II) averbação do contrato de licença perante o INPI.
Nesse contexto, considerando que é facultado ao titular da marca conceder ou não a terceiro (por exemplo, a um distribuidor ou licenciado) poderes para agir em defesa da marca, não há dúvida quanto à necessidade de existência de contrato com autorização específica para tanto, além da averbação do instrumento perante o INPI, para que o distribuidor exclusivo de mercadorias possa acionar terceiros que estejam praticando atos de violação da marca ou importação paralela de produtos.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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