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Cláusula compromissória patológica e repercussão na competência do Tribunal Arbitral

A maior utilização da arbitragem, no Brasil, decorrente da mais frequente inserção de cláusula compromissória em contratos, trouxe para discussão perante o Poder Judiciário e Tribunais Arbitrais a existência, validade e eficácia dessas mesmas cláusulas.

12/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

O presente texto tem por objetivo a análise do tema relacionado com a competência do Tribunal Arbitral (denominação utilizada tanto para árbitro único como para órgão colegiado de arbitragem) para deliberar sobre existência, validade e eficácia de cláusula compromissória, tema esse que tem provocado uma certa celeuma no universo das arbitragens.

No Brasil, a arbitragem foi estruturada por meio da lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, com posteriores alterações da lei 13.129, de 26 de maio de 2015. Antes de 1996, a arbitragem era contratada com pouca frequência, na medida em que o Código Civil de 1916, então em vigor, estabelecia uma sistemática em que a resolução de um conflito por meio de arbitragem somente seria possível se os contendores concordassem com tal meio de resolução de conflitos após o início da contenda, quando qualquer acordo entre as partes se mostra de difícil concretude.

A maior utilização da arbitragem, no Brasil, decorrente da mais frequente inserção de cláusula compromissória em contratos, trouxe para discussão perante o Poder Judiciário e Tribunais Arbitrais a existência, validade e eficácia dessas mesmas cláusulas, notadamente quando a redação do texto respectivo não apresentasse clareza e ou requisitos formais para tanto.

Os defeitos redacionais da cláusula compromissória não são novidade para a doutrina, notadamente para a doutrina estrangeira, que, já nos idos nos anos 70, apresentava diagnóstico dessa patologia jurídica.

Passados quase vinte e cinco anos da vigência de nossa lei da Arbitragem, podemos constatar certa tendência do Superior Tribunal de Justiça, na análise de recursos que versam sobre a questão dos defeitos da cláusula compromissória.

Concluída essa avaliação, poderemos identificar a tendência a respeito do tema em análise, notadamente no âmbito judicial.

Breves considerações sobre a estrutura do Poder Judiciário brasileiro

Para entendermos o cenário das discussões judiciais sobre a patologia de cláusula compromissória, mostra-se necessária e adequada uma breve síntese do sistema judiciário brasileiro.

O Poder Judiciário, como um dos poderes da República, está estruturado e com seus alicerces definidos em nossa Constituição Federal (artigos 92 a 126). No que interessa ao presente texto, os artigos 104 e 105 da Constituição Federal estabelecem as guias mestras de atuação do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), o qual, na qualidade de tribunal superior no sistema de justiça brasileiro, é responsável por resolver, em sede de instância especial, as violações ou negativas de vigência a textos de Lei Federal, como a Lei da Arbitragem.

Salvo situações excepcionais, o STJ (composto por trinta e três Ministros) é o responsável pela deliberação judicial final quanto à definição dos limites e alcances da Lei de Arbitragem1.

Dessa forma, com fundamento nos artigos 105, inciso I, alínea d, e 105, inciso III, alíneas a ou c, da Constituição Federal, a discussão sobre a competência para análise da existência, validade e eficácia da cláusula compromissória é implementada por meio de Conflito de Competência (originário no STJ) ou de Recurso Especial, em processos originários da instância ordinária da Justiça comum.

Os órgãos fracionários do STJ são divididos em colegiados que atuam em três grandes áreas do direito, quais sejam Direito Público, Direito Privado e Direito Criminal. Cada Seção é composta por duas Turmas, que são formadas, cada uma, por cinco Ministros.

Assim, os temas da arbitragem e cláusula patológica podem ser examinados e julgados por duas Seções do STJ (Direito Público ou Privado). Se houver divergência entre duas Seções, ou mesmo nos casos de julgamento de homologação de sentença estrangeira (no caso, sentença arbitral estrangeira), o recurso ou processo será julgado pela Corte Especial, composta por vinte e um Ministros (seis Ministros mais antigos de cada Seção, o Presidente, o Vice-Presidente e o Coordenador-Geral da Justiça Federal).

Em resumo, no máximo vinte e um Ministros do STJ são responsáveis pela deliberação final a respeito da interpretação da Lei de Arbitragem.

Há outras duas questões a serem esclarecidas a respeito da atuação do Superior Tribunal de Justiça.

No início dos anos 90, o STJ, deparando-se com um significativo aumento de recursos e processos a ele submetidos, deu início à edição de Súmulas de entendimento, para criar barreiras ao julgamento de processos. Nesse sentido, foram editadas duas Súmulas de grande relevância nos posteriores anos, até o momento atual, que são as Súmulas 5 e 72.

Com base nessas Súmulas, a necessidade do reexame de provas e ou da interpretação de cláusulas contratuais impedem o recurso ou processo de ser analisado e julgado pelo STJ.

Não obstante a ostensiva e ampla aplicação das Súmulas em referência, há alguns anos o Superior Tribunal de Justiça vem flexibilizando as respectivas incidências, sob o argumento de que, quando há discussão sobre os critérios jurídicos utilizados na apreciação de fatos incontroversos e de cláusulas contratuais, é possível superar o obstáculo sumular. Nesse sentido, vale fazer expressa referência aos acórdãos proferidos no Recurso Especial (REsp) 1.659.893, Rio de Janeiro, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 16/3/2021; Agravo Interno (AgInt) no REsp 1.356.372, Alagoas, Relator Ministro Marco Buzzi, j. 23/8/2016.

Essa flexibilização tem impacto significativo na discussão sobre a patologia de determinada cláusula contratual, na estreita sede dos recursos submetidos à instância especial.

Outro tema que merece ser abordado nessa breve avaliação da estrutura do Poder Judiciário diz respeito ao precedente judicial.

Durante a última reforma de nossa lei processual civil, que resultou na promulgação do Código de Processo Civil em 2.015, positivou-se a estrutura do precedente judicial, buscando a estabilidade da jurisprudência e a observância do princípio da segurança jurídica3; o instituto do precedente judicial contou com inspiração no sistema da “common law”, mas não sendo a ele comparável em razão das distinções do mencionado sistema com o da “civil law”, adotado pelo sistema jurídico brasileiro. O artigo 927, do Código de Processo Civil enumera quais os tipos de decisão judicial são, por força de lei, considerados precedentes judiciais, vinculantes para os Juízes e Tribunais: (a) decisões do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade; (b) os enunciados de súmula vinculante; (c) os acórdãos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recurso extraordinário e especial repetitivo; (d) os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e (e) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

As demais decisões judiciais são tratadas como integrantes da jurisprudência, com força de persuasão e não vinculante. Essa distinção é de relevância para o presente texto, na medida em que poderemos constatar a mudança da jurisprudência do STJ, no curso dos últimos anos, sem que isso, todavia, tenha produzido precedentes judiciais4.

Arystóbulo de Oliveira Freitas
Sócio do escritório Arystóbulo Freitas Advogados.

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