Migalhas de Peso

Carta a jovens profissionais do Direito

Eventuais tropeços não são empecilhos para alcançar o sucesso que todos buscamos. Afinal, se não tivermos coragem para seguir adiante, ficaremos sempre à margem de nós mesmos.

13/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Sempre aconselhei aos jovens em dúvida sobre qual faculdade cursar que fizessem Direito, diante da amplitude de possibilidades que se abrem ao se formarem. Advocacia privada, advocacia pública, magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, inúmeras outras carreiras no serviço público, magistério etc.

Assim, é natural que, durante e ao término do curso, estejam em dúvida sobre o caminho a seguir. E é por isso mesmo que – aproveitando minha experiência na advocacia pública, na magistratura federal e agora na advocacia privada – decidi escrever este artigo, como instrumento facilitador das escolhas de cada um.

Em nossa sociedade, nem sempre se dá a devida importância aos mais experientes, o que é no mínimo lastimável, pois a convivência que pode haver entre o velho e o novo, em uma via de mão dupla, é sempre profundamente enriquecedora, funcionando como uma troca, em que o mais velho passa seus conhecimentos para o mais jovem, enquanto este oxigena e anima o espírito do sênior.

Pense nisso e nunca deixe de prestar atenção naqueles que vieram antes de você e que podem lhe transmitir um bocado do que aprenderam. Nunca deixe, tampouco, de passar para eles as novas teorias que você aprendeu ou está aprendendo na faculdade. É isso que torna o convívio mais prazeroso e instigante.

Não se esqueça também de que o profissional com mais experiência provavelmente já passou pelas mesmas dúvidas e dificuldades que você pode estar enfrentando. Não tenha receio de perguntar; muitas vezes, a resposta para o seu dilema pode ser mais simples do que você imagina, ou pode existir um atalho que você desconheça. Leve para a vida que o trabalho em equipe é fundamental para o sucesso e que um simples comentário de um colega pode lhe abrir todo um campo de visão que antes estava encoberto.

Na área do Direito, em razão da enorme concorrência, é muito importante ter uma boa formação. Muitas vezes, esse é o diferencial entre os currículos, especialmente em início de carreira.

Saiba também que jamais poderá deixar de estudar. Ler e se manter atualizado são condutas que devem se tornar um mote em sua vida. Nada mais lamentável do que um profissional da área jurídica que se encontra ultrapassado e nem mesmo se apercebe disso. Jamais permita que isso aconteça com você. Atualmente há abundante oferta doutrinária, com produção de excelência e sempre atualizada com o entendimento mais recente dos Tribunais.

E aqui vai mais uma dica valiosa: nunca deixe de estudar a jurisprudência, pois ela é o Direito em movimento, é a interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, é como os Tribunais têm aplicado a lei. Posso afirmar com certeza que todo operador do Direito que atua com excelência nas lides jurídicas acompanha a evolução da jurisprudência dos Tribunais sobre a(s) matéria(s) em que milita.

Passando para a vida profissional, caso esteja em dúvida sobre concurso público ou advocacia privada, experimente ambos.

Antes de escolher seu rumo, é preciso conhecer como funcionam cada uma daquelas carreiras que mencionei no início deste texto. Como tive a honra de integrar três delas, vou procurar listar os prós e contras de cada uma, para ajudar na escolha.

Comecemos pelas advocacias pública e privada. A principal diferença é de foco: a advocacia pública, via de regra, é centrada no Direito Público; já a advocacia privada pode ter foco tanto no Direito Público quanto no Direito Privado, ou mesmo em ambos, a depender da área de atuação do escritório.

É claro que algumas carreiras jurídicas públicas também passeiam pelo Direito Privado, como é exemplo a Defensoria Pública estadual. Ainda assim, isso não elimina a sua primeira escolha, que deverá ser fundamentada na sua preferência, se Direito Público ou Privado. Isso vai orientar sua trajetória profissional.

Prosseguindo, na advocacia pública o salário inicial costuma ser maior do que na iniciativa privada, mas tem limites e, em dado momento, deixa de crescer, o que pode fazer com que a remuneração, lá pelo meio e final da carreira, seja maior na iniciativa privada.

Por outro lado, há a questão da estabilidade no serviço público, sempre uma atrativa vantagem, além do aspecto da aposentadoria que, ao menos até este momento, ainda é melhor do que a aposentadoria provida pela Previdência Social. A estabilidade, entretanto, pode deixar a pessoa acomodada, o que, dependendo de sua personalidade, pode não ser o que você pretende para a sua vida.

Na iniciativa privada, nada é estável e tudo depende basicamente da sua dedicação e competência, o que faz com que sua rotina seja mais dinâmica e com que seu trabalho, caso tenha qualidade, seja mais reconhecido do que no serviço público.

Como costumo dizer, no serviço público, infelizmente, não há meritocracia. Todos ganham a mesma remuneração, variando às vezes por critérios baseados no tempo e, por isso mesmo, os vencimentos crescem na mesma base para todos, independentemente de um trabalhar mais ou dedicar-se mais do que o outro. Tal não ocorre na iniciativa privada, onde quase sempre os rendimentos tomam por base os valores individualmente avaliados e implementados.

Há também a questão do tempo que se pode dedicar a uma profissão. Em um grande escritório, com certeza seu horário não vai ser tão fixo, podendo variar sem que se tenha efetivo controle sobre ele, especialmente em véspera de prazo vencendo.

Relembre-se aqui que a advocacia privada pode também ser exercida em empresas, muitas delas mantendo um aconselhamento jurídico interno, o que também tem suas vantagens.

Em termos de experiência, qualquer dos ramos escolhido acrescentará muito ao seu currículo.

Foquemos agora na magistratura.

Ser magistrado é ter a chance inigualável de fazer efetiva justiça. A magistratura tem um papel de extrema relevância na sociedade, sendo capaz de, até mesmo, influenciar comportamentos e definir os rumos da legislação, diante de reiteradas jurisprudências. Se é isso o que você quer e pretende, saiba de antemão que não será fácil. Ser “vitrine” nem sempre é confortável. A sociedade costuma exigir muito do magistrado, e com razão. Afinal, ele é o próprio Estado exercendo sua função de julgar. Assim, é natural que se espere dele características distintas das dos demais cidadãos. O art. 35, inciso I, da LOMAN bem resume as qualidades que se espera de um Juiz: “independência, serenidade e exatidão”.

Inicie, portanto, por uma autocrítica e observe se você detém esses requisitos: se você não consegue resistir à pressão; se você não consegue dizer não; se você se exaspera com os problemas alheios; se você acha que simplesmente os problemas alheios não são seus e não lhe interessam; se você não tem aptidão para examinar e sopesar argumentos opostos; se você não consegue pensar com neutralidade e imparcialidade; se você não suporta críticas; então procure outra profissão.

Ao mesmo tempo, paralelamente às inúmeras restrições, a carreira é dotada de algumas garantias constitucionais que auxiliam o magistrado a manter as mencionadas qualidades de independência, serenidade e exatidão, que são as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade remuneratória. Não se esqueça, porém, que essas são garantias que devem funcionar para a sociedade em geral, e não para o ocupante do cargo, vez que servem para garantir que o Juiz não vai sucumbir a pressões e ameaças e vai manter sua imparcialidade e neutralidade.

Voltando ao cerne de nosso assunto, dentro da magistratura há diversas possibilidades de escolha, diante da organização do Judiciário brasileiro. A primeira delas se dá entre a justiça especializada (Justiça do Trabalho) e as não especializadas (Justiça Federal e Justiça dos Estados). Dentre as não especializadas, uma vez mais, há que escolher a sua preferência, se Direito Público ou Direito Privado, vez que a Justiça Federal trabalha basicamente com Direito Público, enquanto a Justiça dos estados atua primordialmente com Direito Privado, a não ser nos casos das Varas de Fazenda Pública, onde predomina o Direito Público. Ainda assim, a atuação do Juiz de Direito é quase sempre focada no Direito Privado.

Toda profissão tem desafios e eles aparecem a toda hora. Saber como enfrentá-los sem perder a calma e sem demonstrar insegurança ou timidez representa uma evolução. É normal, por exemplo, que um advogado recém-formado tenha mais receio em seus primeiros despachos, ou na hora de fazer uma sustentação oral perante uma turma ou Câmara de um Tribunal. Nessas horas, o que irá contar a seu favor será o estudo pessoal e preparação para aquela determinada situação. Isso ajudará, e muito, a controlar o natural nervosismo e ansiedade. Nunca se deve, portanto, descuidar da oratória, da retórica e do poder de argumentação e de convencimento, tão importantes tanto para o advogado (e seus congêneres) quanto para o magistrado. O mais básico, entretanto, consiste em construir um sólido conhecimento de Direito.

Eventuais tropeços não são empecilhos para alcançar o sucesso que todos buscamos. Afinal, se não tivermos coragem para seguir adiante, ficaremos sempre à margem de nós mesmos.

Boa sorte a todos!

Liliane Roriz
Desembargadora Federal aposentada, sócia do Licks Attorneys.

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