Migalhas de Peso

Análise da comunicação entre médico - Paciente

A comunicação entre médico/paciente por vezes não se faz eficaz. Apesar disso o tema não é debatido e não encontra amparo nas universidades, e em razão disso muitos problemas vem ocorrendo na saúde.

10/8/2021

(Imagem: Imagem Migalhas)

A relação médico-paciente ainda se constitui um tema marginal dentro da formação médica. Isso faz com que tenhamos profissionais com sérias dificuldades quanto a comunicação com seu paciente, e muitas vezes de entendimento quanto a doença reclamada.

As tentativas já realizadas com intuito de inserir essa problemática dentro do currículo acadêmico de medicina, não lograram êxito, e na verdade, não poderia assim ter sucesso, tendo em vista que ocorreram dentro de disciplinas optativas ou consideradas de menor importância, como na psicologia, sociologia médica ou antropologia médica. Não houve um atrativo adicional para o acadêmico, e não houve ainda uma demonstração da importância que o tema tem, para o futuro profissional.

Com a crescente movimentação ética que percebemos em nossos dias, o meio acadêmico iniciou, timidamente, a repercutir o assunto, sendo que em algumas universidades de medicina a abordagem de temas relacionados à bioética começam a introduzir, para os alunos, a discussão da relação médico-paciente e a importância da comunicação.

Isso porque o paciente se tornou mais exigente. A facilidade de informações através da internet motivou uma busca por profissionais mais humanos e que possam de fato atender as expectativas. Não são mais aceitas condutas que não venham amparadas de explicações e justificativas.

Para relativizar ainda mais a questão, devemos ter em mente que os indivíduos, na maioria das vezes, foram historicamente educadas segundo o paradigma assistencialista centrado na fé onde a figura do médico, teria o poder quase divino de salvar vidas. O Juramente de Hipócrates ainda é utilizado pelas faculdades de medicina, como mandamento e ordem inicial da profissão. E neste Código percebemos claramente esta figura divina do médico.

Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue:

Estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém.

A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. 

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."
 

Percebemos que ainda falta um longo caminho a ser percorrido. 

O que avistamos ainda, é uma relação médico - paciente excessivamente hierarquizada, com pouca interação de fato e um diálogo ineficaz, ou seja, uma transmissão ineficaz.

“Segundo um estudo realizado pela Universidade de Toronto, no Canadá, 54% das queixas dos pacientes e 45% de suas principais preocupações passam desapercebidas pelos médicos durante uma consulta.”.

“Outro estudo, este publicado originalmente no JAMA – The Journal of the American Medical Association, verificou que os médicos não demoram mais do que 23 segundos até realizar a primeira interrupção na fala do paciente.”

Nesse sentido, vale citar um estudo realizado com médicos parisienses, que mostrou que 83% de todas as palavras ditas durante a consulta são faladas pelo médico. (MORSCH, José Aldair. Telemedicinamorsch, 2019) 

Jaspers (1991) enfatiza a necessidade da medicina recuperar os elementos subjetivos da comunicação entre médico e paciente, assumidos impropriamente pela psicanálise e esquecidos pela medicina, perseguindo um caminho baseado exclusivamente na instrumentação técnica e na objetividade dos dados.

Ao comunicar-se adequadamente o médico atende aos princípios bioéticos clássicos, que seriam: autonomia do paciente em decidir. (Caprara, Andrea e Franco, Anamélia Lins e SilvaA Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública [online]. 1999)

Em um estudo onde se coloca o médico no lugar do paciente, podemos citar o caso de Rabin, um endocrinologista com diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica. Para ter um diagnóstico definitivo, Rabin procurou um importante especialista em esclerose lateral amiotrófica. Sobre este contato, ele expressou:

"...fiquei desiludido com a maneira impessoal de se comunicar com os pacientes. Não demonstrou, em momento nenhum, interesse por mim como pessoa que estava sofrendo. Não me fez nenhuma pergunta sobre meu trabalho. Não me aconselhou nada a respeito do que tinha que fazer ou do que considerava importante psicologicamente, para facilitar o enfrentamento das minhas reações, a fim de me adaptar e responder à doença degenerativa. Ele, como médico experiente da área, mostrou-se atencioso, preocupado, somente no momento em que me apresentou a curva da mortalidade da esclerose amiotrófica" (Rabin & Rabin, 1982, apud Hahn, 1995:245).

Assim,  claramente  se vê que as etapas da comunicação não são observadas, gerando, além de descontentamento do paciente, o possível erro no diagnóstico e tratamento (que por sua vez poderá originar processo), além de não resolver o problema do doente que continuará a sofrer.

(Imagem: Divulgação)

De acordo com os doutrinadores, a insatisfação dos pacientes está relacionada com os seguintes problemas de comunicação:

Incerteza: os pacientes têm receio em relação aos resultados do tratamento;

Falta de informação: alguns pacientes não saem da consulta com todas as dúvidas respondidas.

Explicação: quando um médico prescreve um tratamento, ele é o especialista naquela situação. Mas isso não é um impedimento para que sejam dadas explicações e que o paciente seja situado sobre sua situação e próximos passos, para poder escolher a melhor conduta segundo suas condições sociais, de educação, culturais;

Utilização de linguajar médico: palavras complexas dificultam o entendimento por parte do paciente de seu problema;

Interrupção durante a consulta: pacientes que são interrompidos enquanto explicam seus sintomas tendem a não informar suas principais preocupações.

Um atendimento diferenciado, pautado na comunicação eficiente,  gera no paciente a confiança, satisfação e segurança que o mesmo necessita ao buscar um serviço de saúde.

O  paciente tem a expectativa de poder se comunicar com um médico que saiba ouvir, que procure compreender suas queixas, que o respeite e o veja como pessoa.

Já o médico deve procurar criar um clima inicial favorável e elaborar perguntas que o possibilite identificar a maior preocupação e o motivo pelo qual o problema fez o paciente procurar um serviço, naquele momento de sua vida.

A construção de uma parceria entre médico e paciente representa envolvimento e comprometimento, e acontece quando o médico se dispõe a ir além da mera transmissão de informação e possibilita ao paciente interagir.

Um atendimento diferenciado, pautado na comunicação eficiente,  gera no paciente a confiança, satisfação e segurança que o mesmo necessita ao buscar um serviço de saúde.

Como deve ser feito?

O desenvolvimento da parceria implica na presença de certos elementos no desdobrar da interação, tais como: um cumprimento, um sorriso, senso de humor, atenção, gentileza, demonstração de interesse, desejo de ajudar, e suspensão de julgamentos e comentários pessoais. Encontrar o ponto de equilíbrio é o desafio, dos médicos, para poder criar uma relação adequada.

Como podemos melhorar a comunicação?

1 - Estabelecendo primeiramente uma cultura organizacional.

Primeiro devemos analisar a questão como um todo. De nada adianta o profissional de saúde atender seu paciente de maneira humanizada se a cultura de toda a instituição não visar, capacitar e possibilitar esse atendimento. Secretárias, auxiliares de enfermagem, todos devem ter consciência da importância da comunicação.

Assim, um ambiente saudável de trabalho dentro da instituição deve ser construído com canais abertos de comunicação.

Esse ambiente de trabalho tem como resultado a confiança e bem estar de todos os profissionais, e isso será refletido na mudança da forma com que prestam atendimento aos seus pacientes.

Assim, estabelecer critérios humanizados, como:

2 -  Importância do contato visual 

Quando falamos com alguém, o contato visual é muito importante, pois é um dos sinais de que você conseguiu a confiança do interlocutor. Desviar o olhar ou fazer pouco contato visual passa a impressão de distração, falta de atenção e descaso. O que pode gerar a percepção de que aquele não é um ambiente positivo.

3 - Seja um bom ouvinte

O médico deve ser um bom ouvinte, para que o paciente possa sentir-se seguro e confortável para conversar com o seu médico sobre o seu quadro e conseguir informar seus sintomas.

O profissional de saúde não será apenas um transmissor de informações. Deve estar preparado para atender todas as eventuais dúvidas, se preocupando sempre em fornecer informações que devem ser claras, válidas, completas e compreensíveis. Desse modo criando uma relação sincera com esse paciente. 

4 – Definir junto com o paciente o melhor tratamento

Com a observância das condutas anteriores podemos dizer que houve uma comunicação eficaz, eficiente, e  será possível o cumprimento do objetivo do atendimento.

(Imagem: Divulgação)

Concordância mútua e adequação do plano de tratamento à realidade do paciente

O paciente poderá escolher o melhor tratamento que lhe atenda, visto que diferentes níveis culturais, ambientais e até financeiros, poderão interferir no tratamento proposto.

No Brasil, desde a década de 1980, o Código de Ética Médica (CEM) vem propondo o estabelecimento de uma relação médico paciente baseada no princípio da autonomia.

Esta visão é retratada no artigo 46, do CEM, quando veda ao médico: (...) efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu representante legal, salvo em eminente perigo de vida (CEM, 1988, art. 48).

Nos artigos 56 e 59 são reforçados os direitos do paciente decidir livremente sobre práticas diagnósticas e terapêuticas, bem como ser possuidor da informação sobre o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento.

Conclusão

Com observância de tais critérios, perceberemos uma comunicação eficiente, onde os sujeitos possam transmitir as informações adequadas em cada tempo e poderão juntos desenvolver e escolher o melhor tratamento a ser administrado.

Atendendo os requisitos acima, perceberemos uma mudança fundamental na relação médico - paciente, onde a confiança, a credibilidade e a acessibilidade, demonstrarão o profissionalismo do agente de saúde e a implicação deste com a saúde do paciente.

Os profissionais devem entender que ao trazer essa verdade para a comunidade estão atendendo aos princípios da dignidade dos direitos humanos e liberdades estabelecidas, bem como os deveres e responsabilidades concomitantes.

____________ 

Caprara, Andrea e Franco, Anamélia Lins e Silva A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública [online]. 1999, v. 15, n. 3 [Acessado 29 Julho 2021] , pp. 647-654. Disponível em: . Epub 15 Ago 2001. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000300023.

CEBALLINT, M. O médico, seu paciente e a doença. São Paulo: Livraria Atheneu, 1988

LEITE, A. J. M.; Caprara, A.; Coelho Filho, J. M. (Org.). Habilidades de comunicação com pacientes e famílias. São Paulo: Sarvier, 2007. 

MORSCH, José Aldair. Telemedicinamorsch, 2019. Disponível: https://telemedicinamorsch.com.br/blog/comunicacao-medico-paciente 

Luciana Castro Azevedo
Advogada com atuação em Direito Médico e da Saúde desde 2003. Sócia fundadora da Moreira Castro Advogados Associados. Mestranda em Bioética pela Universidade Del Museo Argentino.

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