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O cômputo em dobro da pena e o alinhamento ao pacto de São José da Costa Rica e as decisões do CIDH

O STJ através da RHC 136961 de 2021, consolidou o alinhamento ao Decreto 4.463/02 e ao Princípio da Fraternidade.

10/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A situação repugnante e degradante das prisões brasileiras é uma realidade macabra e de conhecimento público.

Celas amontoadas, com reduzidas ou inexistentes condições de salubridade e proliferação de doenças são alguns dos pontos aterradores desta realidade prisional nacional.

Em decorrência de tal situação, o CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) foi convidado a realizar visitas no sistema prisional de Bangu, na zona oeste carioca. Estas inspeções resultaram na Resolução de 22 de novembro de 2018 que preconizava dentro outros pontos, o cômputo em dobro do cumprimento de pena em decorrência do cenário dantesco observado.

Além de tal obrigação, a resolução incumbe o Estado brasileiro a proibir a inserção de novos reclusos no local supramencionado.

Com base nesta resolução, atualmente a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em RHC 136961, entendeu por aplicar o Princípio da Fraternidade, negando recurso apresentado pelo parquet do Estado do Rio de Janeiro, confirmando decisão monocrática de concessão de Habeas Corpus para preso pertencente do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no complexo presidiário de Bangu.

Quanto ao princípio exposto, é de suma importância indicar o entendimento do Superior Tribunal Federal, a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, que entendeu a Fraternidade como harmonizador de conflitos entre direitos fundamentais:

É esse o norte que tem guiado este STF na realização do controle de constitucionalidade de restrições impostas às liberdades individuais em razão das medidas de enfrentamento à pandemia do novo Coronavírus. Não é preciso muito para reconhecer o desenvolvimento, entre nós, de uma verdadeira Jurisprudência de Crise em que os parâmetros de aferição da proporcionalidade das restrições aos direitos fundamentais têm sido moldados e redesenhados diante das circunstâncias emergenciais." (ADPF 811)

Outros casos julgados pela Suprema Corte brasileira também evidenciam a utilização de tal princípio, como HC 82.424 (caso Ellwanger) e a ADPF 186. Cabe aqui expor o texto constitucional existente no art. 3º 

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Sendo assim, a fraternidade é um princípio meio, que, através de seu entendimento, promove o equilíbrio entre os direitos individuais e os coletivos, integrando-os.

O item 4. da Resoluçao do CIDH/2018 possui o seguinte texto:

“4. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a 130 da presente resolução.” (Resolução de 22 de novembro de 2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ou seja, a decisão proferida pelo STJ caminha ao lado da Resolução em destaque, respeitando o Decreto 4.463/02 eu seu art. 1º, que reconhece às decisões do CIDH como vinculantes as partes processuais:

Art. 1º É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.”

Na demanda que resultou na decisão histórica, o Ministério Público carioca argumentou que a incidência da resolução de 2018 não caberia ao caso em tela. Em sua justificativa indicou o impedimento de efeitos retroativos a cumprimentos de sentença anteriores a 2018.

Tal entendimento fora derrubado pela decisão discutida, conforme se pode perceber através de película textual a seguir:

De fato, não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento da situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pusesse ser objeto de reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de cumprimento da pena.” (RHC 136961)

Portanto, conclui-se que a limitação da incidência da Resolução do CIDH de 2018 não deve prosperar no cenário jurídico nacional, em respeito ao Decreto nº 4.463/02 e ao Princípio da Fraternidade.

Cabe aqui indicar que a decisão em relevo coaduna com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aderido pelo Brasil em 1992, originando o Decreto Legislativo 678/92.

Em seu artigo 63, item 2, a convenção expõe que:

2. Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.”

E em seu artigo 68 apresenta: “Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.”.

Quanto a integridade do recluso em sistemas prisionais, a convenção em seu artigo 5º, item 2 e 6 defende:

“Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

(...)

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados

Portanto, conclui-se que a decisão referente ao RHC 136961 indica a necessidade do ordenamento jurídico nacional, das ações estatais e da conduta jurisprudencial adequar-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, garantindo ao recluso meios para a preservação de sua integridade física e psíquica, fazendo jus a finalidade precípua do sistema prisional, a ressocialização.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário . Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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