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Efeito substitutivo dos recursos e a competência para a apreciação da ação rescisória: observações importantes

O texto pretende analisar o efeito substitutivo dos recursos e os reflexos na competência para a ação rescisória.

10/8/2021
 
(Imagem: Arte Migalhas)

Entende-se por efeito substitutivo a possibilidade da decisão proferida pelo órgão ad quem substituir aquela que fora recorrida, nos capítulos efetivamente enfrentados, desde que haja o recebimento e apreciação - como regra geral - do mérito recursal (art. 1008, do CPC). Os principais alicerces do fenômeno da substituição e as consequências relacionadas à competência para a ação rescisória são: a relação hierárquica do Tribunal que julga o recurso e a matéria suscitada na ação rescisória e aquela que foi apreciada pela Corte no último recurso interposto.

Apenas será possível falar em efeito substitutivo nos casos de recursos interpostos e conhecidos em seu mérito (providos ou não – como regra): se o recurso é conhecido, substituirá a decisão recorrida nos aspectos impugnados, inclusive como consequência da chamada função rescindente dos recursos (“O efeito substitutivo do acórdão faz com que a sentença não mais subsista como norma individual e concreta" - AgRg  no  AREsp 158.448/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 18/12/2012” -STJ - AgInt no AREsp 1681526 / SC – Rel. Min. Marco Buzzi – 4ª T – J. em 31/05/2021 - DJe 04/06/2021).

Em caso de recurso parcial, a substituição será restrita às matérias impugnadas, considerando que as não recorridas precluíram ou restaram estabilizadas em decorrência da coisa julgada em 1º grau. Assim, possível é afirmar que o efeito substitutivo também está limitado ao devolutivo por extensão (art. 1013, do CPC).

É necessário observar, nos casos concretos, que a competência para a ação rescisória dependerá da apreciação dos efeitos recursais e das questões deduzidas no recurso e na ação desconstitutiva. Se a questão (aqui entendida como a violação que enseja o enquadramento nas hipóteses previstas no art. 966 do CPC) que sustenta a rescisória é totalmente diferente da enfrentada no recurso apreciado anteriormente pelo STJ ou STF, o efeito substitutivo, com o deslocamento da competência, não a alcança, pelas seguintes razões: i) o substitutivo está ligado ao devolutivo; ii) os capítulos irrecorridos da decisão não podem sofrer substituição pelo julgado do Grau Superior; iii) apenas será alterada a competência em caso de apreciação, no recurso,  do fundamento contido na ação rescisória.

Assim, é possível afirmar que, mesmo em caso de não conhecimento do REsp ou RE, eventualmente pode ocorrer o deslocamento da competência para a ação rescisória, levando em conta o efeito substitutivo recursal. A análise concreta é extremante importante e variável.
Aliás, o Enunciado 515, de Súmula da Jurisprudência Dominante do STF 1, consagra a necessidade de análise específica da matéria contida na rescisória e a que foi remetida ao órgão máximo em decorrência da análise do mérito recursal. Da mesma forma, o Enunciado 249, de Súmula da Jurisprudência dominante do STF consagra: “É competente o Supremo Tribunal Federal para ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado  a questão federal controvertida".
Logo, tudo irá depender da questão a ser suscitada na rescisória e a análise do que foi apreciado no recurso, mesmo em caso de não conhecimento ou improvimento. 
Em acórdão proferido em 2017, a 4ª Turma do STJ reconheceu a incompetência do Tribunal local diante do resultado do julgamento do REsp interposto na ação originária. Esta é a Ementa do Acórdão em AgInt nos EDcl no REsp 1611431 / MT (Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. em 28/11/2017 - DJe 01/12/2017):
“AGRAVO  INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ÚLTIMA DECISÃO DE MÉRITO PROFERIDA NOS AUTOS ORIGINÁRIOS. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL  DE  JUSTIÇA  ESTADUAL.  COMPETÊNCIA  DO  STJ. CABIMENTO DA REAUTUAÇÃO DOS AUTOS À LUZ DO NOVO CPC. 1. Quando o STJ adentra o mérito da questão federal controvertida no recurso  especial, opera-se o efeito substitutivo previsto no artigo 512 do CPC de 1973 (artigo 1.008 do NCPC), o que atrai a competência para  apreciação  da  ação  rescisória.  Hipótese  em que, consoante assente  em julgamento proferido pela Segunda Seção, foi reconhecida a  natureza meritória da última decisão proferida pelo STJ nos autos originários.  Na ocasião, o referido órgão julgador considerou que a circunstância  de  o  recurso  especial  não  ter sido conhecido não descaracteriza   sua   natureza   de  decisão  de  mérito,  uma  vez detidamente  examinada  a  controvérsia  e indeferida a pretensão da recorrente. 2.  Constatada a incompetência absoluta do tribunal perante o qual a rescisória  foi  ajuizada (pois indicada como rescindível decisão de mérito  que fora substituída por outra de tribunal superior), deve o relator  determinar  a emenda da inicial para adequação do objeto da ação  e  a  posterior  remessa  dos  autos  ao juízo competente para apreciação da demanda. 3. Agravo interno não provido”.

O Exmo. Min. Relator, ao apreciar o resultado do julgamento advindo da 2ª Seção na Reclamação 6.528/MT, afirmou que “na ocasião, o referido órgão julgador considerou que a circunstância de o recurso especial não ter sido conhecido não descaracteriza sua natureza de decisão de mérito, uma vez detidamente examinada a controvérsia e indeferida a pretensão da recorrente”.

De outro prisma, se na rescisória pretende o autor discutir violação não mencionada no RE ou REsp interposto contra a decisão que pretende desconstituir, não houve o efeito substitutivo do recurso conhecido e improvido pelo Tribunal Superior. O caráter substitutivo do apelo está limitado ao devolutivo por extensão – exatamente nos limites dos argumentos suscitados no recurso julgado pelo Órgão ad quem (art. 1.013, do CPC).

Na AR 5754/AM (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – Rel. para acordão Min. OG Fernandes – Revisor Min. OG Fernandes – J. em 23.10.2019 – DJe 21.11.2019), assim entendeu a 1ª Seção do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO. NÃO APRECIAÇÃO DE QUESTÃO DE MÉRITO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ACOLHIDA.  1. "A competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório" (Incidência, por analogia, da Súmula 515/STF). 2. Reconhecimento da incompetência do Superior Tribunal de Justiça (Primeira Seção) para o julgamento da ação rescisória em sua íntegra, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com a revogação de decisão anterior”.

É correto afirmar que não é competente o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, para conhecimento de rescisória contra suposto acórdão ou decisão monocrática de Ministro que conheceu de REsp, quando a matéria suscitada na nova demanda é totalmente estranha àquela discutida no recurso (AgRg no REsp 1473844 / SP – Rel. Min Mauro Campbell Marques – J. em 27/10/2015 – DJe 09/11/2015; AR 4697 / PE - Rel. Min Reynaldo Soares da Fonseca – Revisor Min Ribeiro Dantas- 3ª Seção – J. em 28/10/2015 –  DJe 06/11/2015;. AgRg no AgRg na AR 4824 / RJ, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26.06.2013; AgRg na AR 4320 / RS, Segunda Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 28.11.2012; AgRg na AR 4888 / SP, Terceira Seção, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 24.06.2015; AgRg nos EDcl no REsp 1259043 / SC, Segunda Turma, Rel Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21.05.2013).

Eventualmente a causa originária pode ensejar dois ou mais recursos aos Tribunais Superiores, pelo que, para se concluir quanto a competência para a ação rescisória, é necessário analisar: qual o fundamento remetido ao Órgão Superior pelo recurso interposto pelo autor ou réu da ação originária e o discutido na ação rescisória.

Neste contexto, em recentíssimo julgado, a 2ª Seção do STJ, além de reconhecer a incompetência para a ação desconstitutiva considerando a matéria nela suscitada e a apreciada no recurso interposto na demanda originária pela parte contrária, determinou a emenda da inicial para posterior remessa ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Vale citar a Ementa do Acórdão proferido da AR 4797 (Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – Revisor Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 23.06.2021 – DJe  30/06/2021):

AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI FEDERAL. DECISÃO DESTA CORTE QUE NÃO APRECIOU O MÉRITO. CONSEQUENTE INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. 1. Ação rescisória. Alegação de violação literal de lei. Pedido visando à rescisão da decisão pela qual esta Corte deu "parcial provimento ao Recurso Especial [interposto pela autora da ação originária, ora ré], fixando-se os honorários advocatícios em 10% sobre a condenação (CPC, art. 20, § 3º)." (STJ, REsp 1.064.897/MG.) 2. Hipótese em que a decisão rescindenda, prolatada em recurso exclusivo da autora da ação originária, ré nesta ação, não tratou das questões suscitadas pelo autor nesta ação rescisória. Questões tratadas nesta ação rescisória que foram objeto do recurso especial interposto pelo réu da ação originária, autor nesta ação, cujo seguimento foi negado pela corte revisora e que não foi conhecido por esta Corte. Consequente incompetência desta Corte para conhecer da presente ação rescisória. 3. Incidência imediata da regra dos §§ 5º e 6º do artigo 968 às ações rescisórias em curso quando da entrada em vigor do CPC/2015, de forma que "constatada a incompetência absoluta do tribunal perante o qual a rescisória foi ajuizada [...], deve o relator  determinar a emenda da inicial para adequação do objeto da ação e a posterior remessa dos autos ao juízo competente para apreciação da demanda."  (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1611431/MT, relator Ministro Luiz Felipe Salomão). 4. Incompetência desta Corte para conhecer da presente ação rescisória. Determinação de emenda da petição para a remessa dos autos ao tribunal competente: TJMG”.

Por outro lado, é importante observar a possibilidade de ampliação da competência do Tribunal Superior quando existem fundamentos na rescisória que foram debatidos nos recursos, acrescidos de outros inéditos. Segundo entendimento firmado na Corte da Cidadania, é competente o STJ “para o julgamento de ação rescisória desde que tenha proferido decisão meritória e que, pelo menos, alguma das matérias suscitadas na ação rescisória tenha sido objeto de sua decisão. Assim ocorrendo, a competência do STJ prorroga-se para o exame das demais matérias deduzidas na ação” (MC 24.443/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 2ª Seção, J. em 10/08/2016, DJe 22/08/2016).

No mesmo sentido, importante citar passagem da Ementa da AR 4.086/RS (Rel. Min. Massami Uyeda - 2ª Seção - J. em 28/09/2011 - DJe 13/10/2011): “nesse contexto, em que o acórdão rescindendo (proferido por esta augusta Corte) decide parte do mérito da causa originária, esta c. Segunda Seção reconhece a competência deste Tribunal Superior para conhecer e julgar a ação rescisória destinada a desconstituí-lo, ainda que o objeto da ação rescisória não tenha sido abordado na decisão rescindenda. Isso porque, nesse caso, somente este Tribunal Superior teria autoridade para rescindir referido acórdão, e não a Instância precedente”.

Aliás, o CPC de 2015 consagra expressamente a possibilidade de rescisória contra capítulos de mérito, nas hipóteses de decisão parcial (art. 356), ou mesmo nos casos em que o interesse do autor for apenas pela desconstituição de um ou alguns dos capítulos da decisão (art. 966, §3º). Logo, há a necessidade de análise cautelosa em relação ao órgão competente para a sua apreciação, com a ampliação da competência do Tribunal Superior nos casos em que o efeito substitutivo do recurso atingiu parte do objeto da rescisória.

Outrossim, para a verificação da competência não ter ocorrido a decretação de nulidade e retorno dos autos à outra instância. Neste caso, a rigor, nem coisa julgada material ocorrerá, como já entendeu o STJ: 
"o acórdão que decide, por maioria, anular a sentença por vício  de  forma  não  traduz  coisa julgada material, pois há, notadamente,  renovação  da lide na origem, não se admitindo, também por  este  fundamento, os embargos infringentes" (REsp 1.091.438/RJ – Rel. Min. Benedito  Gonçalves - 1ª Turma – J. em 22/06/2010).

Não se deve olvidar que, no caso de anulação, a previsão da teoria da causa madura apenas é consagrada na apelação (art. 1.013, §3º, do CPC/15), pelo que, se o TJ ou TRF anular a sentença e adentrar no mérito da demanda, poder-se-á falar em ocorrência de coisa julgada material após o trânsito em julgado do decisum, passando a ser admitida a rescisória na própria Corte local.

Por derradeiro, vale informar que o CPC/15 permite o deslocamento desta demanda desconstitutiva, nos casos de decretação de incompetência do Tribunal, com prévia intimação do autor para emendar a inicial (art. 968, §§5º e 6º, do CPC/15), para o órgão competente, especialmente nos casos em que é ajuizada na iminência do encerramento do prazo bienal (art. 975, do CPC/15) o que, aliás, no precedente citado anteriormente (AR 4797).

O STJ tem feito distinção, nos casos concretos, entre o simples erro na propositura da ação rescisória em razão da competência, e o equívoco no ajuizamento em razão da matéria, com diferentes consequências: “no primeiro caso, entende-se possível remeter o processo ao Tribunal competente, porquanto o erro está unicamente na indicação do órgão judiciário competente, mantendo-se incólume a inicial que impugna o correto acórdão a ser rescindido. Na segunda hipótese, ao invés, tem-se vedado a possibilidade da mesma remessa, na medida em que a petição inicial, de modo equivocado, insurge-se contra acórdão diverso, ou seja, contra decisão que não se constitui no efetivo acórdão rescindendo, sendo inviável fazer-se a correção do pedido e da causa de pedir articulados na inicial” (AgInt na Ação Rescisória 5.613 – RJ – Rel. Min. Raul Araújo – J. em 23/08/17 – DJ de 15.08.17) 2.

Estas são as observações relevantes em relação ao tema objeto do presente trabalho.

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1 Súmula 515/STF: "A competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório”.

2 No tema, ver também, no STJ: AgRg na AR 4670-RJ, EDcl no AgRg na AR 5364-SC, AR 4515-RN.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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