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Arbitragem em propriedade Intelectual em um mundo de inovação

Se por um lado não podemos assumir que em todos os casos que envolvam temas relacionados à Propriedade Intelectual, a arbitragem será cabível, por outro, arbitralistas brasileiros e estrangeiros convergem suas opiniões.

4/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Conforme estabelecido pela Convenção da Organização Mundial de Propriedade Intelectual publicada em 14 de julho de 1967 1, as disputas de Propriedade Intelectual (PI) envolvem direitos relativos a invenções, descobertas, desenhos industriais, performances, marcas e patentes, cultivares, além de proteção contra concorrência desleal, bem como os demais direitos decorrentes da atividade intelectual nos setores industriais, científicos, literários e artísticos.

Em razão do alcance tão amplo da matéria, inúmeras lides envolvendo infrações, quebras de contrato – assim como a validade – e propriedade dos direitos de Pl, acabaram surgindo, envolvendo tanto o setor público quanto o particular. Por consequência, esse cenário deu origem a um caloroso debate em que se avalia qual seria o método mais adequado para solução de conflitos desse tipo. Um dos favoritos, cuja utilização vem crescendo, é a arbitragem.

Método heterocompositivo, a arbitragem permite que as partes, revestidas pela autonomia privada, tornem se verdadeiras protagonistas do procedimento, ditando as regras aplicáveis a sua condução. Entretanto, apesar do método dialogar muito bem com a Propriedade Intelectual pela sua flexibilidade, a escolha traz consigo alguns desafios a respeito da utilização do instituto. Um dos principais é justamente a extensão da arbitrabilidade em disputas relacionadas à PI.

Como se sabe, no Brasil, a lei de Arbitragem limita as matérias que podem ser submetidas ao procedimento, reservando-se apenas àquelas que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. Desse modo, questões como a validade de um direito, a caducidade de patentes e concessões de determinadas licenças obrigatórias, que acabariam por atrair o interesse público, poderiam, pelo menos em uma primeira análise, apenas serem decididas individualmente através da jurisdição de cada um dos países envolvidos, ponderando que normalmente tais disputas envolvem ordenamentos jurídicos distintos, sendo um reflexo da ótica internacional que deve ser considerada. Todavia, existem já muitos profissionais e estudiosos do tema apresentando entendimentos sobre a viabilidade de arbitragem em tais casos, com formas de participação dos órgãos públicos envolvidos, como, por exemplo, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, no caso brasileiro.

Destaca-se que o conceito objetivo da arbitrabilidade – direitos patrimoniais disponíveis – é observado em grande parte das legislações latino-americanas e europeias, assim como na lei Modelo de Arbitragem Comercial da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Direito Comercial Internacional – UNCITRAL, o que justifica o debate ser verdadeiro hot topic no âmbito de discussões domésticas e internacionais.

Atualmente, entende-se que que as disputas de PI não seriam arbitráveis somente se se encaixassem em uma – ou mais – das seguintes premissas 2:

a) Caso a decisão que declarasse a validade ou não de um direito tenha efeito “erga omnes”;

b) Caso os direitos de PI debatidos tenham sido outorgados exclusivamente pelo Estado e/ou;

c) Caso a matéria seja de um interesse público inegável;

Não sendo constatada nenhuma dessas características, em regra, a disputa será arbitrável e, nesse contexto, as partes litigantes poderão se amparar em uma série de benefícios que indicam que a arbitragem seria a alternativa mais adequada para a resolução dessas disputas quando comparadas aos litígios judicializados, principalmente em razão da técnica e da multidisciplinariedade.

Apenas a título exemplificativo, cita-se, muito brevemente, algumas vantagens do procedimento:

Internacionalização: Como se sabe, boa parte das disputas de PI acabam ultrapassando fronteiras, envolvendo diferentes jurisdições, assim como múltiplas leis substantivas. Submeter um conflito desse tipo à jurisdição estatal, certamente resultará em diversas decisões conflitantes e inconsistentes, o que não ocorreria se resolvidos por um único procedimento arbitral.

Especialização do Tribunal Arbitral: Considerando a natureza técnica das disputas de PI, as partes litigantes teriam total liberdade para escolher os árbitros que mais se adequariam  ao mérito debatido, árbitros com conhecimentos específicos sobre as áreas. Tal possibilidade é conferida inclusive porque, quando se trata de um procedimento arbitral, os árbitros não precisariam ser necessariamente profissionais do Direito, permitindo que outros profissionais, qualificados tecnicamente acerca de assuntos bastante específicos como são os de PI, possam  assumir a função, oportunizando uma análise mais especializada acerca de cada caso, contribuindo com a qualidade da decisão colegiada.

Celeridade: Normalmente, os procedimentos arbitrais são muito mais céleres que as disputas judiciais. Isso sem contar com a limitação em relação aos recursos, o que é visto como um ponto muito positivo em demandas estratégicas, como as de PI.

Multipartes: Assim como o Poder Judiciário, a arbitragem permite a participação de diversas partes em um mesmo procedimento, característica comum em boa parte das disputas envolvendo Propriedade Intelectual.

Sigilo: Outra vantagem da arbitragem é que a confidencialidade é uma das principais características do instituto. Considerando a natureza sensível das disputas, o sigilo é fator extremamente relevante sendo, geralmente, levado em conta pelas partes.

Flexibilidade: Conforme exposto anteriormente, a arbitragem entrega às partes a possibilidade de adaptar o andamento procedimental da maneira que as forem mais conveniente. Desse modo, podem construir um calendário de acordo com as suas necessidades, afastando muitas etapas burocráticas e truncadas que ocorreriam em um procedimento judicial.

Como não poderia ser diferente, tendo em vista alguns dos vários pontos positivos que a arbitragem oferece às partes litigantes, diversos centros especializados no instituto já se organizaram para receber e conduzir tais demandas. O Centro Internacional de Arbitragem de Singapura (SIAC) 3, antecipando eventuais dificuldades que poderiam ser encaradas pelas partes, por exemplo, já disponibilizou uma lista de árbitros especializados em disputas de PI. Um outro exemplo é o Centro de Arbitragem e Mediação do Vale do Silício (SVAMC) 4 que incluiu em seus programas o estudo de temas relacionados a essas disputas. Já a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI, criou o Centro de Solução de Disputas em Propriedade Intelectual – CSD, uma câmara especializada para lidar com conflitos derivados da Propriedade Intelectual 5. A CAMAGRO, Câmara de Arbitragem e Mediação no Agronegócio, além de promover webinars 6 sobre o tema, o incluiu em sua 3ª edição da Competição de Arbitragem no Agronegócio, evento acadêmico que alcança a participação de alunos de Direito de todo o país, fomentando ainda mais o debate.

A razão de toda a energia sobre o tema é mais do que explicada por duas palavras que resguardam o momento em que as partes e seus advogados enfrentam quando se há de escolher o melhor método de resolução de disputas: adequação e estratégia.

Se por um lado não podemos assumir que em todos os casos que envolvam temas relacionados à Propriedade Intelectual, a arbitragem será cabível, por outro, arbitralistas brasileiros e estrangeiros convergem suas opiniões, que caminham no sentido de que, quando a arbitrabilidade estiver preenchida, é potencialmente a melhor opção. Seja pela qualidade técnica diferenciada, seja pela flexibilização, seja por alguma outra das inúmeras vantagens que o procedimento oferece.

Em um mundo onde inovação está cada vez mais na ordem do dia, refletir sobre os meios mais adequados e eficientes para solução de litígios envolvendo PI, é urgente e necessário.

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1 Disponível aqui.

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Disponível aqui.

Letícia Baddauy
Sócia fundadora do L. Baddauy Advocacia. Professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Árbitra. Fellow CIArb. Diretora de Arbitragem na CAMAGRO.

Renata Sant'Ana
Mentoranda do programa do Young Members Group CIArb Brazil.

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