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IPHAN estuda regulamentar valor cultural das armas. Devemos vigiar

Atos que afrontem direta ou indiretamente o sistema legislativo vigente colaboram para o enfraquecimento de nossas instituições.

3/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A necessária vigilância dos atos administrativos dos governos de qualquer instância sempre foi atividade muito pouco exercida pelas sociedades de uma maneira geral. Contudo, é fundamental que, para a preservação dos sistemas democráticos, o acompanhamento das ações e omissões dos governos de momento sejam percebidas pelos cidadãos que devem cobrar atenção dos governantes ao nosso sistema normativo, de modo a preservar o pacto social.

Em democracias recentes como a nossa e que são, no momento em especial, objeto de ataques constantes e deliberados aos seus alicerces fundadores, discutir e vigiar as ações de governos é ainda mais essencial. Ignorar possíveis ofensas ao nosso sistema legislativo e silenciar diante de desmandos e desmontes, pode gerar consequências graves e, certamente, não desejadas pela sociedade.

Atos que afrontem direta ou indiretamente o sistema legislativo vigente colaboram para o enfraquecimento de nossas instituições. Em uma democracia não deve haver lados, mas sim o cumprimento das diretrizes estabelecidas pela Constituição, para que seja possível, sempre, caminhar de modo seguro dentro das regras que foram determinadas pela sociedade. Nesse contexto, atentar para alguns movimentos que têm afetado diretamente a área cultural do país, se faz mais do que necessário.

Discutir pretensões trazidas por governos legitimamente eleitos é fundamental. Não se ignora o fato de que se deve respeitar os programas de governo daqueles que exercem atividades a partir de um mandato dado pela maioria da sociedade. Contudo, não podem também ignorar, os governos eleitos, a legitimidade de participação de toda sociedade, acerca das decisões a serem tomadas e o dever de verificar se os atos pretendidos, podem ser emitidos de acordo com nosso sistema de leis.

Nesse contexto foi publicada, no dia 28 de maio de 2021, a Portaria número 03, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, por meio da qual foi criado um grupo de trabalho no âmbito do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização, com objetivo de apresentar subsídios para a formulação de uma Política de Proteção dos Bens Culturais, voltada para a regulamentação relativa à preservação e destinação das armas de fogo de valor cultural.

A Portaria estabeleceu um prazo de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, para que o grupo, formado por 02 (duas) pessoas, coordenado pelo Diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização, apresente relatório para posterior envio às demais unidades do IPHAN.

Salvo poucos e tímidos destaques em alguns veículos de comunicação, o ato tem sido ignorado, de modo geral, pela sociedade civil. Contudo, é fundamental que práticas como essa sejam objeto de profunda discussão e vigilância, para que possamos proteger órgãos fundamentais de Estado, como o IPHAN, de eventuais descabidas pretensões de governos de plantão.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje atrelado ao Ministério do Turismo, foi instituído, sob a denominação de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 1936, a partir de ordem presidencial direcionada ao Ministério da Educação e Saúde Pública, liderado, à época, por Gustavo Capanema. Posteriormente, em 13 de janeiro de 1937, por meio da Lei 378, o SIPHAN foi integrado ao Ministério da Educação e Saúde Pública, tendo por objetivo "(...) a finalidade de promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional – artigo 46".

O IPHAN tem por missão promover e coordenar o processo de preservação do patrimônio cultural brasileiro, visando fortalecer identidades, garantir o direito à memória e contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico do País. Sua finalidade é preservar, proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, na acepção do artigo 216 da Constituição Federal de 1988.

O limite discricionário dos atos de um governo, assim, está nas orientações legislativas vigentes. Não é possível estabelecer regras que fulminem nosso sistema normativo. No caso, o relatório a ser produzido pelo referido grupo deve verificar os termos da legislação correlata e, acima de tudo, os mandamentos constitucionais de nosso país.

Não se nega a eventual importância histórica que armas, produtos bélicos e bem assim eventos militares possam ter, mas também não há como negar que o momento em que referida Portaria foi publicada no país, é de extrema preocupação, uma vez que todo um arcabouço discursivo e legislativo do atual governo busca realizar políticas que convirjam com a visão apologética do porte e propriedade de armas e da propagação da violência. Discurso esse, sublinhe-se, que afronta todos os princípios democráticos constantes de nossa Constituição.

Por essas razões, fundamental que a sociedade civil fique alerta a eventuais desmandos, diligenciando e participando de todos os debates e embates colocados de maneira geral e, em específico, não deixando que conclusões afrontosas ao nosso sistema legislativo advenham do relatório a ser produzido, para que o Estado de Direito nunca seja afetado por ações ou omissões governamentais.

José Guilherme Carneiro Queiroz
Advogado e sócio do escritório Queiroz e Lautenschläger Advogados.

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