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Emendas Parlamentares: lobo mau ou chapeuzinho vermelho?

O desvirtuamento da finalidade precípua das emendas parlamentares à lei Orçamentária Anual.

28/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Nos últimos meses, houve muita polêmica sobre emenda parlamentar. A impressa cobriu de forma extenuante a aprovação do orçamento 2021. Foram levantadas suspeitas de fraude, mau uso de dinheiro público, corrupção, irresponsabilidade fiscal, entre outros abusos.

Mas antes de emitir uma opinião a favor ou contra, faz-se mister esclarecer o que é uma emenda parlamentar: são, sinteticamente, instrumentos por meio dos quais as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional participam da elaboração da lei Orçamentária Anual.  

Tecendo de forma descomplicada, todo ano o Executivo, ou seja, a Prefeitura, o Governo do Estado ou o Governo Federal precisa elaborar e aprovar um orçamento para o exercício seguinte: planejar uma expectativa de receita a ser arrecadada, e definir quanto de recurso será destinado a cada área, como saúde, educação, segurança etc. É nesse momento que Deputados, Senadores, Vereadores podem indicar onde parte dos recursos será aplicado, ou seja, realizar destinação para as políticas públicas da sua área de atuação ou interesse, e com isso conseguem cumprir os compromissos assumidos em seus redutos eleitorais, o que, em tese, permite uma melhor distribuição desses recursos.

A título de ilustração, se o parlamentar tem uma base política em uma região muito carente em que as praças estão deterioradas, as escolas necessitam de reparos, as UBSs de equipamentos, ele pode usar recurso da emenda parlamentar a fim de suprir tais deficiências. Nesse sentido, a emenda parlamentar pode ser um mecanismo muito positivo para dar voz e vazão às demandas da população, às demandas específicas, que, muitas vezes, o Executivo desconhece. Mas o parlamentar, por estar próximo ao eleitorado, consegue ver e buscar a solução. É durante a tramitação na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO, em nível Federal, que nossos representantes têm a oportunidade de, em nome dos cidadãos, aperfeiçoar a proposta feita pelo Poder Executivo.

No entanto, Cecília Machado, professora da Fundação Getúlio Vargas, em artigo na Folha em 13/4/21, em avaliação a essas emendas, postula que na prática a execução descentralizada e atomizada das emendas pode encontrar desafios na sua implementação em razão da discricionariedade individual dos parlamentares em detrimento de avaliação mais ampla de alternativas para a aplicação dos recursos, de identificação de ações prioritárias e ausência de critérios técnicos.

No âmbito do Congresso Nacional, as emendas podem ser individuais, de bancada, de comissão e de relatoria. Destas, apenas as individuais e as de bancada são de execução obrigatória. O objetivo a ser alcançado com isso é evitar que se transformem em moeda de troca em negociações entre Executivo e Legislativo.

Este ano, os parlamentares indicaram um montante de quase 50 bilhões em emendas ao orçamento federal, o volume recorde gerou impasses entre o Congresso e o Governo, o que culminou ainda mais no atraso na aprovação da LOA, que deveria ter sido votada em 2020. Para não estourar o teto de gastos, os congressistas reduziram as despesas obrigatórias, o que inviabilizaria a execução do orçamento. Para não incorrer em crime de responsabilidade fiscal, o Presidente vetou cerca de 20 bilhões em dotação orçamentária.

Ademais, chamou a atenção o surgimento de "orçamento paralelo" ou “orçamento secreto”, criado por meio das chamadas emendas do relator do orçamento. Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem critérios usuais e beneficiam somente alguns parlamentares, de acordo com acertos informais feitos entre eles, o relator e o governo federal. Economistas e especialistas em orçamento dizem que essas emendas são, de fato, mais difíceis de rastrear.

Mais graves são os desvios de recursos de emendas para abastecer esquemas de corrupção. O grande problema é que boa parte da população e da impressa não sabe o que é ou como funciona uma emenda parlamentar, assim o controle social não ocorre, fazendo com que o mecanismo seja utilizado, muitas vezes, sem eficiência, com desvio, e até corrupção.

Destarte, a depender do uso que se dá às emendas, estas podem ser um instrumento de participação popular, dando conformação ao disposto na Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos...”. Em contrapartida, o mau uso desse mecanismo deteriora o Estado Democrático de Direito.

A emenda parlamentar é da população. O parlamentar é apenas o meio para levar a demanda ao Executivo e tentar levar o recurso para uma necessidade que o Prefeito, o Governador, ou o Presidente, muitas vezes, nem sabe que existe.  

Fabiane Dourado
Diretora da Central de Compras da Câmara dos Deputados, Mestre em Administração pela UNB e em Especialização em Orçamento Público pelo ILB

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