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PL 3.914/20 – Mudanças nas perícias médicas nas ações de benefícios por incapacidade laboral

O PL 3.914/20 introduz polêmicas alterações no andamento das perícias médicas realizadas nas ações previdenciárias.

29/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O IEPREV – Instituto de Estudos e Pesquisas em Direito Previdenciário, em cumprimento às suas finalidades de discussão e difusão científica a respeito desse direito fundamental social, vem a público emitir algumas considerações técnicas a respeito do PL 3.914/20.

O primeiro ponto a ser destacado, em relação ao PL 3.914/20 diz respeito à garantia do pagamento dos honorários periciais realizados até 2021. Nesse sentido a nova redação do art. 1º da lei 13.876/19:

Art. 1º O pagamento dos honorários periciais referentes às perícias já realizadas e às que venham a ser realizadas até o fim do exercício de 2021, nas ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) figure como parte e que sejam de competência da Justiça Federal, será garantido pelo Poder Executivo Federal ao respectivo tribunal, que se encarregará de promover os devidos pagamentos.

Em relação a esse ponto deve-se anuir com a proposta em trâmite no Congresso Nacional, tendo em vista que constitui justa remuneração das atividades periciais já realizadas pelos experts que atuaram em juízo e aguardam a contraprestação por suas atividades.

Os pontos polêmicos do PL 3.914/20 dizem respeito às evidentes restrições ao acesso à justiça, através da criação de óbices econômicos ao exercício da defesa dos direitos fundamentais dos segurados. Nesse sentido, considerem-se as alterações no art. 1º, §§ 3º a 5º, da lei 13.876/19:

§ 3º A partir de 2022, nas ações em que o INSS figure como parte, incumbirá ao autor da ação, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, antecipar o pagamento do valor estipulado para a realização da perícia médica, exceto na hipótese prevista no § 4º.

§ 4º Excepcionalmente, ficará dispensado da antecipação dos custos da perícia médica o autor da ação que, cumulativamente, for beneficiário de assistência judiciária gratuita e, comprovadamente, pertencer à família de baixa renda.

§ 5º Para os fins desta lei, é considerada pessoa pertencente à família de baixa renda aquela que comprove:

I - renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou;

II – possua renda familiar mensal de até três salários mínimos.

Em regra, a perícia médica nas ações visando benefícios por incapacidade serão custeadas pela parte autora, a não ser que esta demonstrem ser beneficiária da justiça gratuita e, além disso, comprove pertencer a família de baixa renda.

A introdução do requisito adicional de demonstração de pertencimento a família de baixa renda ofende a configuração da gratuidade de justiça, prevista no art. 98, do CPC, e que exige tão somente a demonstração da impossibilidade de pagamento das custas processuais:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

A introdução de um requisito de renda familiar mensal e outro, de renda per capita familiar mensal, contradizem frontalmente a norma contida no art. 98, caput, do CPC, que exige apenas a demonstração da incapacidade de pagar as custas processuais e demais despesas.

Além disso, é importante ressaltar que, nos termos do art. 98, § 1º, V e VI:

§ 1º A gratuidade da justiça compreende:

(...)

V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;

VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;

Ou seja, a gratuidade de justiça, no modelo estatuído pelo CPC de 2015, abrange também a realização de exames periciais.

É evidente que esse novo arranjo normativo pretendido viola, substancialmente, o art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Caso adotado o PL 3.914/20, a perspectiva de acesso à justiça será meramente formal, porque, em termos práticos, haverá restrição e óbice a sua consecução, pois os critérios são bastante destoantes da realidade brasileira.

Em síntese, destacamos a inconstitucionalidade material relativa ao pagamento de perícia médica pela parte autora e as restrições à obtenção de justiça gratuita, bem como a evidente antinomia com o disposto no CPC a respeito da justiça gratuita.

De outra parte, também merecem atenção as alterações sugeridas ao artigo 129 da lei 8.213/91, as quais veremos adiante, destacadamente:

Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos aos benefícios por incapacidade de que trata esta lei, inclusive os relativos a acidentes do trabalho, observarão o seguinte:

I - quando o fundamento da ação for a discussão de ato praticado pela Perícia Médica Federal, a petição inicial deve conter, em complemento aos requisitos previstos no art. 319 do Código de Processo Civil:

a) descrição clara da doença e limitações que ela impõe;

b) a atividade para a qual o autor alega estar incapacitado;

c) as possíveis inconsistências da avaliação médico pericial atacada; e

d) declaração quanto à existência de ação judicial anterior com objeto de que trata este artigo, esclarecendo os motivos pelos quais entende não houver litispendência ou coisa julgada, quando for o caso.

As exigências de descrição clara da doença e limitações que ela impõe, bem como da atividade para a qual o autor alega estar incapacitado fazem parte da causa de pedir e não constituem qualquer ilegalidade, já fazendo parte da atividade regular da defesa técnica dos segurados.

No que concerne à obrigatoriedade de indicar "c) as possíveis inconsistências da avaliação médico pericial atacada", verifica-se que aqui se impõe uma limitação ao tipo de argumentação que pode ser apresentada no que diz respeito ao controle judicial da atuação administrativa, em notória afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

A exigência de declaração de existência de ação judicial anterior sobre benefício por incapacidade laboral, bem como a necessidade de indicar os motivos pelos quais a parte autora entende não haver litispendência ou coisa julgada, também parece excessiva e desproporcional, tendo em vista que essa informação pode facilmente ser obtida pelo próprio Poder Judiciário em seus sistemas informatizados.

II - para atendimento do disposto no art. 320 do Código de Processo Civil, incumbe ao autor, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, instruir a petição inicial com os seguintes documentos:

a) comprovante de indeferimento do benefício ou de sua prorrogação, quando for o caso, pela Administração;

b) comprovante da ocorrência do acidente de qualquer natureza ou acidente do trabalho, sempre que um acidente seja apontado como a causa da incapacidade;

c) documentação médica de que dispõe, que guarde relação com a doença alegada como a causa da incapacidade alegada na via administrativa; e

d) para o segurado empregado, documento emitido pelo empregador com a descrição das atividades desenvolvidas no posto de trabalho que ocupa.

A exigência do comprovante de indeferimento do benefício se coaduna com o que foi decidido pelo STF a respeito do prévio requerimento administrativo no RE 631.240, julgado na sistemática da repercussão geral. A mesma intelecção talvez não valha para o pedido de prorrogação, pois parece implicar em exigência indireta de esgotamento das instâncias administrativas.

A comprovação do acidente, quando este for a causa da incapacidade laboral, se coaduna com as exigências do art. 320 do CPC. Porém, quando se tratar de acidente do trabalho, deve-se levar em consideração o fato de que certas condutas, especialmente a expedição de CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho, em grande medida competem à empresa.

A exigência de informações relativas à profissiografia, isto é, concernentes às atividades exercidas no âmbito do vínculo empregatício, causa preocupação e pode constituir exigência desarrazoada.

Esse tipo de informação não possui o mesmo molde que o PPP, que a empresa é obrigada a fornecer ao empregado no momento da rescisão contratual (art. 477 da CLT) e, portanto, pode ser exigido nas ações relativas à aposentadoria especial. O ideal seria a requisição dessas informações do empregador, ou mesmo a criação da obrigação legal de que sejam fornecidas ao empregado.

§1° É facultado ao juiz solicitar a realização de nova avaliação pericial administrativa quando o autor da ação não tenha formulado recurso administrativo contra a decisão médica.

§2° Quando a controvérsia versar exclusivamente sobre matéria sujeita a exame médico-pericial, o resultado da avaliação pericial administrativa, na forma do §1º, importará na concessão ou restabelecimento do benefício por incapacidade temporária, quando for reconhecida a incapacidade laboral e o preenchimento dos demais requisitos para obtenção do benefício, hipótese em que o processo será extinto por perda do objeto.

§3° Sendo determinada pelo juízo a realização de exame médico-pericial por perito do juízo, este deverá em seu laudo, no caso de divergência com as conclusões do laudo administrativo, apontar de forma fundamentada as razões técnicas e científicas que amparem o dissenso, em especial no que se refere à comprovação da incapacidade, sua data de início e a correlação desta com a atividade laboral do periciando.

§ 4º Quando a conclusão do exame pericial realizado por perito designado pelo juízo mantiver o resultado da decisão proferida pela perícia realizada na via administrativa, poderá o juízo, após a oitiva da parte autora, julgar improcedente o pedido.

§ 5º Versando a controvérsia sobre outros pontos além do que exige exame pericial, observado o disposto no § 3º, o juízo dará seguimento ao processo, com a citação do réu.

§ 6º Na hipótese de extinção do processo prevista no § 2º, não haverá a imposição de quaisquer ônus de sucumbência.

O pretendido § 2º visa estabelecer a extinção liminar do processo, por perda de objeto, quando o laudo médico configurar a comprovação ou não da incapacidade laboral.

Porém, deve ser considerado que nem sempre a ação previdenciária cuida apenas desse tema, sendo recorrente que se discutam também parcelas atrasadas e a Data de Início da Incapacidade (DII), bem como a DIB – Data de Início do Benefício.

As mesmas observações podem ser levadas à proposta do § 4º, que cuida do julgamento de improcedência do pedido. Deve-se considerar, também, que a jurisprudência previdenciária há muito admite diversas formas de constatação e diversos caminhos pelos quais atribui efeitos jurídicos aos mais diversos quadros de incapacidade laboral.

A instrução probatória pode levar à corroboração das conclusões do laudo pericial – a exemplo da frequente constatação de incapacidade apenas parcial – e deve ser lembrada a possibilidade de avaliação, pelo juízo, das condições sócio-econômicas em que se insere o segurado.

Essa série de medidas preconizadas pelo PL 3.914/20 acabam por restringir indevidamente a própria atividade judicante e, assim, imprimir ofensa ao artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, que estabelece o princípio da separação de poderes.

Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

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