Servindo como introito, é interessante conceituar a regra-matriz de incidência tributária. Pode-se afirmar que é a norma jurídica tributária em sentido estrito, isto é, o que define a incidência fiscal, sendo de caráter geral e abstrato. Em outras palavras: dada a hipótese "x", logo o consequente deve ser "y", de maneira a dispor sobre determinadas condutas que são englobadas por tal norma jurídica de caráter geral e abstrato.
O Professor Paulo de Barros Carvalho (2018, p. 256) afirma que "sua construção é obra do cientista do Direito e se apresenta, de final, com a compostura própria dos juízos hipotético-condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma consequência ou estatuição".
A regra-matriz de incidência tributária perfaz-se com os seguintes aspectos: material, que pressupõe um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas; temporal, período de tempo que se perfaz o acontecimento do fato que enseja o tributo; espacial, sendo a delimitação do espaço em que o fato vem a propagar seus efeitos; pessoal ou subjetivo, que busca identificar os sujeitos que compõe a relação jurídico-tributária; e, por fim, quantitativo composto por base de cálculo e alíquota, a quantificar o valor patrimonial do tributo.
Afirma-se que os aspectos material, temporal e espacial compõem o que se chama de hipótese tributária, que é o espelho, o desenho do fato, uma fórmula instituída pelo legislador competente, uma previsão legal. Enquanto, os aspectos pessoal ou subjetivo e quantitativo representam o consequente tributário, o qual é o delimitador da relação jurídico-tributária consubstanciada na descrição estabelecida pelo legislador.
Em conclusão, a regra-matriz de incidência tributária caracteriza-se por meio de uma regra geral e abstrata, introduzida no ordenamento jurídico por linguagem competente. Assim, a subsunção do evento no mundo fenomênico necessita da adequação do evento à norma jurídica geral e abstrata que seja capaz de vertê-lo em fato jurídico, ou seja, fato relevante para o sistema tributário.
Superada a conceituação de regra-matriz de incidência tributária, é necessário delimitar a norma geral e abstrata do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
O ITBI é um imposto, cuja competência tributária de instituição compete aos Municípios e ao Distrito Federal, tal como versa o artigo 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Seu aspecto material é estabelecido pela transmissão, entre vivos, a qualquer título e por ato oneroso, de bens imóveis. Portanto, o "fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel" (CASTRO, LUSTOZA, GOUVÊA, 2018, p. 965).
O aspecto temporal dá-se com ao tempo da perfeita transmissão de titularidade do bem imóvel, como consequência lógica. Na sequência, o aspecto espacial será o Município onde o bem está localizado, sendo interessante ressaltar que, pelo fato de o Distrito Federal ser um ente federativo sui generis, ou seja, sem igual, possuindo aspectos de Município e de Estado, ele também será o ente federativo competente tributariamente para realizar o recolhimento do ITBI, de acordo com o art. 132, I "e" da lei do Distrito Federal e do Decreto Distrital 27.576/06.
Avançando para o consequente tributário do ITBI, tem-se como sujeito ativo da relação jurídico-tributária o Município ou Distrito Federal e, como sujeito passivo, o contribuinte, podendo ser pessoa física ou jurídica.
Por fim, chega-se ao ponto nevrálgico deste presente estudo: o aspecto quantitativo do ITBI. Sabendo que o referido aspecto é composto por base de cálculo e alíquota, começar-se-á pela alíquota, uma vez que não é o objeto de análise.
A alíquota do ITBI, como definido pelo artigo 39 do Código Tributário Nacional (CTN), é definida pela lei municipal ou distrital. No entanto, o mencionado artigo explica que a alíquota não poderá exceder os limites fixados em resolução do Senado Federal, "que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as transmissões que atendem à política nacional de habitação" (CASTRO, LUSTOZA, GOUVÊA, 2018, p. 984).
No que tange à base de cálculo, tem-se, aqui, a análise do presente estudo. De forma semelhante ao Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU), o artigo 38 do CTN elege, como base de cálculo do ITBI, o valor venal do imóvel.
O valor venal é estimado, ordinariamente, pelo sujeito ativo da relação jurídico-tributária onde localizado o bem, seguindo critérios objetivos de avaliação ou, ainda, pela declaração do sujeito passivo.
Comumente, o valor venal indicado pela administração tributária é diferente do valor de mercado do bem. Contudo, quando o valor venal estimado pela Fazenda Municipal é superior ao valor pelo qual ele poderia ser negociado ou vendido, o contribuinte poderá requer a sua revisão pelo Fisco.
O alcance da expressão valor venal, de acordo com a doutrina tributária, atinge o valor do ato negocial, no qual deu ensejo à transmissão do bem imóvel. Nesse mesmo sentido, compreende o doutrinador Kiyoshi Harada (1998, p. 244), ao afirmar que "o preço alcançado nas operações de compra e venda à vista, consideradas as condições normais do mercado imobiliário", será o valor venal.
Aires Fernandino Barreto (2009, p. 295) define que "o valor venal é o preço provável que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, diante de mercado estável e quando comprador e vendedor têm plena consciência do potencial de uso e ocupação que o imóvel pode ser dado".
A jurisprudência consolidada do STJ segue o mesmo raciocínio, podendo citar diversos precedentes a respeito. Nas palavras do Ministro Mauro Campbell Marques, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.550.035, originário de São Paulo:
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o valor da base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado, sendo que nos casos de divergência quanto ao valor declarado pelo contribuinte pode-se arbitrar o valor do imposto, por meio de procedimento administrativo fiscal, com posterior lançamento de ofício, desde que atendidos os termos do art. 148 do CTN.
Ou seja, a base de cálculo para incidência do ITBI deve ser o valor real da venda do imóvel ou o valor de mercado, que pode ou não coincidir com o valor do negócio jurídico celebrado.
O Fisco deve buscar a verdade material da base de cálculo do ITBI, não sendo obrigada a aceitar o valor declarado pelo contribuinte, quando este for, notoriamente, inferior ao de mercado (CASTRO, LUSTOZA, GOUVÊA, 2018, p. 981).
Contudo, não são raras as operações imobiliárias em que o Fisco apresenta estimativa do valor venal que não corresponde com o valor de mercado do bem.
Nesses casos, quando houver divergência quanto ao valor declarado pelo contribuinte e o apurado pelo Fisco, poderá ser instaurado um procedimento administrativo fiscal para apuração do real valor para seu posterior lançamento, não podendo, a Fazenda Municipal ou Distrital, arbitrariamente, estipular qualquer valor a maior.
Se, porventura, o Fisco mantiver administrativamente o valor utilizado na base de cálculo do ITBI diferente do valor real de venda ou de mercado do imóvel, o contribuinte poderá, por meio de ação própria buscar o reconhecimento da exação e promover a sua revisão ou, caso tenha pago o valor em excesso, pleitear a repetição do indébito tributário ante ao valor pago a maior.
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BARRETO, Aires Fernandino. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva. 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988. Disponível aqui.
BRASIL. Lei nº. 5.172 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, 27 out. 1966, retificado no Diário Oficial da União de 31 de out. 1966. Disponível aqui.
CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 5 ed. Salvador: JusPodi
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 29 ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2018.
__________, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 6 ed. São Paulo: Editora Noeses. 2015.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 26 ed. São Paulo: Editora Atlas. 1998.