A pandemia corona virótica antecipou a virtualização na Justiça do Trabalho. O que era paulatino, iniciado pela digitalização e posterior virtualização dos processos no Processo Judicial Eletrônico (PJe), transpassou de forma abrupta para a realização de audiências e sessões de julgamento através de plataformas de reuniões online 1. Afinal, o Poder Judiciário não poderia aguardar inerte a superação do período pandêmico para entregar a prestação jurisdicional.
As audiências virtuais tornaram viável o mister jurisdicional na pandemia, utilizando da tecnologia como ferramenta de comunicação apta à continuidade dos serviços judiciais. Houve e há, ainda, debates e discussões, principalmente ante as dificuldades técnicas de uso das ferramentas e de conexão, como também das consequências advindas destas.
Na seara laboral, ainda mais pujante, são as dificuldades técnicas e financeiras do jurisdicionado participar das assentadas virtuais. Muitos, desempregados, vulneráveis socialmente, não possuem celulares, computadores, rede de internet ou não têm recursos financeiros para custear pacotes de dados. E, o Poder Judiciário, até o momento, pouco fez para que o acesso à justiça fosse efetivo. Não foi criada nenhuma estrutura de apoio e física para atender aos desvalidos que, pelas citadas razões ou outras, não conseguem superar a barreira tecnológica.
Descabe dúvida de que os escritórios de advocacia recepcionaram e resolveram – a fórceps – a questão da incapacidade técnica ou econômica na participação das audiências virtuais. Esta saída, longe de ser ideal e que gera exposição da advocacia ao contágio viral, representa um acesso à justiça “capenga”, improvisado. Afinal, se os serventuários e magistrados temem o contágio, motivo pelo qual rechaçam a presença física do jurisdicionado (isolamento social), impondo as audiências virtuais, o advogado sofre a mesma mazela. Todavia, restou ao advogado receber o cliente em seu escritório e utilizar celular ou computador, bem como conexão particular, para viabilizar a realização da assentada virtual.
A imposição de audiências virtuais, se não ocorre do ponto de vista jurídico, acontece na prática. Àquele que não se submeter ficará com seu processo aguardando o retorno das atividades presenciais (se isto for permitido), ninguém sabe até quando. Ao jurisdicionado não existe, em verdade, opção, ainda que não tenha condições tecnológicas, financeiras ou estruturais.
Uma série de atos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a destacar as Recomendações 105/2010 e 94/2021 e a Resolução 345/2020, sinalizavam o caminho da virtualização e da adoção dos meios tecnológicos disponíveis nos processos judiciais. Inclusive, a Recomendação 105/2010 do CNJ dispensa a transcrição de depoimentos, privilegiando os recursos audiovisuais.
O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) publicou, no DJe de 12/07/2021, o Ato da Presidência do CSJT 45/2021 2 que visa regulamentar os procedimentos adotados para a realização de videogravação das audiências realizadas na Justiça do Trabalho. Este foi recebido com surpresa, principalmente da advocacia, em face dos artigos 1º, 4º e 5º, in verbis:
Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC.
[...]
Art. 4º Fica vedada a videogravação de audiências de processos que
tramitem em segredo de justiça, por não haver recursos tecnológicos atualmente que limitem o acesso ao vídeo produzido.
Parágrafo único. Na hipótese do caput desse artigo, os depoimentos
deverão ser reduzidos a termo.
Art. 5º As atas de audiências continuam sendo obrigatórias para fins de
alimentação de dados e movimentos no sistema PJE, bem como para registro dos atos essenciais, entre eles o termo de conciliação, se for o caso.
Uma leitura apressada pode conduzir à conclusão de que não existirão atas de audiência, o que está equivocado. As atas de audiência continuarão a existir, mas apenas para fins de registro da ocorrência da audiência (andamento nos autos) e para que fiquem registrados atos essenciais, a exemplo do termo de conciliação. O ato 45/2021 não explica o que seriam atos essenciais, o que abre margem para que o magistrado registre – na ata de audiência – o que reputar essencial, relegando à videogravação o que reputar ato não essencial.
Para os processos em que há segredo de justiça, o Ato 45/2021 dispensa a videogravação, preservando a redução a termo tradicional na ata. Isto ocorre, unicamente, por inexistir condições tecnológicas de assegurar o sigilo e limitar o acesso à videogravação.
O ponto nevrálgico é a dispensa de transcrição ou degravação das audiências videogravadas. O interrogatório das partes e oitiva de testemunhas não serão registrados em ata no seu conteúdo, sendo o único registro a videogravação.
Alguns acreditam que a videogravação das audiências pode ser um risco ao direito de seus clientes, uma vez que se perdida a videogravação de uma instrução, a repetição do ato desnaturará o acontecido, prejudicando as partes e viciando o julgamento. Todavia, o risco de perda da ata digitada, registrada por escrito, ainda que menor, também existe. Nenhum sistema é isento da possibilidade de falhas ou perda de documentos.
A crítica de que as videogravações demandam mais tempo dos profissionais, ainda que se utilizem marcadores e que as audiências sejam repartidas por assunto/tema, é factível. Afinal, os marcadores não são absolutos e dependem de um registro bem feito. E, também, assistir à videogravação consome mais tempo que a leitura de ata escrita, demandando dos advogados, servidores e magistrados horas a fio, o que prejudicaria a celeridade e economia processual.
A ata escrita em verdade, permite ao profissional rápida consulta, busca por palavras e ainda viabiliza o movimento de copiar e colar, retirando o trabalho de assistir e digitar tudo quanto visto/ouvido em recursos e peças que versem do assunto. Esta mesma vantagem da ata escrita serve para a formação das sentenças e acórdãos. Isto, de fato, é algo a se considerar.
Ao passo em que as críticas de praticidade e de celeridade foram postas, exsurgem as críticas ao conteúdo jurídico do ato administrativo em si. O art. 880, parágrafo único da Consolidação das leis do Trabalho (CLT) dispões que: os depoimentos das testemunhas serão resumidos, por ocasião da audiência, pelo secretário da Junta ou funcionário para esse fim designado, sendo vedado ao ato administrativo pretender revogar/alterar dispositivo legal.
O ato 45/2021 seria inconstitucional 3 e inválido por extrapolar os limites de atuação do CSJT, uma vez que este não tem atribuição legiferante, sendo violação de competência e ao princípio da legalidade estrita. E, por derradeiro, o ato seria uma ofensa ao devido processo legal, uma vez que deixaria de ser aplicado o trâmite legal procedimental estabelecido por lei.
Consoante explicitado, os argumentos fáticos e jurídicos são paupáveis e representam justa preocupação com as garantias fundamentais e regular funcionamento da jurisdição. Porém, os argumentos favoráveis também representam forte conteúdo principiológico e fático.
Com a videogravação, o conteúdo das audiências será fidedigno, registrando eventuais abusos ou excessos cometidos pelas partes, a exemplo de violações a prerrogativas da advocacia ou falta de urbanidade, condutas desleais. Além, de ser possível exprimir e captar – para o julgador – expressões corporais e faciais, entonação e comportamento. Isto, sem dúvida, favorece a substância dos depoimentos, principalmente em grau recursal.
Antes do advento dos computadores, as atas eram digitadas em máquinas de escrever e a CLT já continha a previsão do art. 880, parágrafo único. A mudança para atas digitadas em computadores foi natural, como também a ausência de impressão a par de sua colocação no PJe. Assim, a ata sairia de um documento escrito para um documento audiovisual, assim como um dia saiu de um documento impresso para um arquivo virtual do PJe.
O registro escrito das audiências, nas atas, também demanda esforços repetitivos dos servidores na digitação, gerando patologias motoras/posturais de natureza ocupacional. O registro audiovisual representa, para o servidor, uma vantagem de saúde laboral.
No quesito tempo, é forçoso admitir que, uma vez que todos poderão falar normalmente, sem necessidade de paradas para registros e repetições, as audiências tendem a ser mais breves (celeridade), além de privilegiar também a oralidade. Estes são princípios basilares e elementares do processo juslaboral.
Em que pesem todos os argumentos favoráveis e contrários, o fato é que – por enquanto – a questão tende a esfriar. A Presidente do CSJT, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, suspendeu o ato 45/2021 através de um despacho. Neste ficou determinado que a parte técnica necessária à efetivação da videogravação deverá ser materializada pelos órgãos competentes. Em que pese, as classes terem divulgado que a suspensão do ato decorreu de pedido, o despacho 4 não confirma e nem desmente tal informação.
Os órgãos representativos de classe, OAB 5, ABRAT 6, AAJ 7, e outros sinalizam discordância 8 com a adoção de videogravação, pois entendem que há prejuízos para seus representados e que deve o registro da ata ser feito em conformidade com a lei. Então, naturalmente, se o CSJT prosseguir firme na implementação e execução da videogravação das audiências e sessões, nos termos do Ato 45/2021, certamente serão tomadas medidas jurídicas.
A advocacia sem a tecnologia ficará em descompasso social, como também o Poder Judiciário. É preciso contemplar as necessidades, usar a tecnologia para dinamizar e ampliar o acesso à justiça. Afinal, indesejável ser aquele que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem 9, como tão lindamente interpretou Elis Regina. E, utilizando a mediana aristotélica, a busca do equilíbrio é fundamental. Equivocado abraçar os meios tecnológicos ao arrepio das garantias e direitos fundamentais normatizados, tampouco se pode pretender que tudo permaneça exatamente como era há 60 (sessenta) anos.
A resposta pode vir da própria tecnologia. A Justiça do Trabalho adotou o aplicativo Zoom 10 como plataforma na qual as audiências virtuais serão realizadas. Este aplicativo possui uma tecnologia de transcrição automática 11, exclusiva para os anfitriões das reuniões/encontros marcados, nas versões Pro e Superior através do aditivo Otter for teams. O citado recurso permite que automaticamente o que for dito seja transcrito, gerando um arquivo de texto.
O uso da transcrição automática, ao lado da videogravação das audiências e sessões, poderá representar a mediana aristotélica, equilibrando interesses, preservando normas postas, provendo o agrado de gregos e troianos. Este sistema, que denominaremos híbrido, teria o registro escrito e audiovisual, como também permitiria a consulta ao registro da transcrição automática, garantindo celeridade e dinâmica. Além, por evidente, de ajudar na localização do momento de interesse da gravação, dispensando assistir tudo para se localizar uma parte específica
Há sempre caminhos para o uso sadio da tecnologia como instrumento de melhorias das condições de trabalho e da execução de tarefas. O futuro próspero é construído de decisões que favoreçam o desenvolvimento humano, com mais tempo para o autoconhecimento, para os cuidados de saúde física e mental, para o ócio criativo e para o convívio sócio-familiar.
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1 Google meets e Zoom.
2 Tribunal Superior do Trabalho. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jul 2021.4 Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Disponível aqui. Acesso em 22 Jul 2021.
5 Ordem dos Advogados do Brasil – Presidente Felipe Santa Cruz.
6 Associação Brasileira de Advogados Trabalhista – Presidente Otávio Pinto e Silva.
7 Associação Americana de Juristas.
8 Associação de juristas critica audiência em vídeo e dispensa de ata. Portal Migalhas. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jul 2021.
OAB irá requerer revogação de dispositivo que veda transcrição de audiências na Justiça do Trabalho. Portal Justiça. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jul 2021.
Parecer à Comissão Nacional de Direitos Sociais a propósito do ATO CSJT.GP.SG Nº 45/2021. Sítio OAB. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jul 2021.
9 Canção “Como nossos pais” composta por Belchior, lançada no álbum Alucinação, de 1976, mas que fez sucesso na voz de Elis Regina, que a gravou no aclamado álbum Falso Brilhante, também de 1976. Wikipedia. Disponível aqui. Acesso em 22 jul 2021.
10 Ato Conjunto do TST e do CSJT 54/2021.
11 Esta informação foi gentilmente fornecida pela Dra. Lilian Jordeline, atual presidente da Associação Sergipana de Advogados Trabalhistas.