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Crítica ao método das constelações familiares como forma alternativa de resolução de conflitos

Conheça algumas críticas ao método das constelações familiares como forma alternativa de resolução de conflitos nas Varas de família e violência doméstica: trata-se de efetiva humanização das práticas de conciliação no Judiciário?

21/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 125/10 que regulamenta os métodos alternativos/adequados e consensuais para a resolução de conflitos. Embora sua edição seja anterior a vigência do Novo Código de Processo Civil1, está alinhada com a diretrizes do diploma processual atual, que privilegiam a autocomposição como forma de resolução de conflitos. Neste sentido, nos ensina o professor Humberto Martins2: 

O CPC/15 veio a ampliar, no ordenamento infraconstitucional, a democratização da solução de conflitos, referindo-se, em vários dispositivos, aos meios alternativos disponíveis para tanto.

Não mais se discute que o ordenamento brasileiro reconhece as soluções extrajudiciais e autocompositivas como instrumentos de acesso à Justiça, para além das soluções meramente adjudicatórias ou heterônomas. 

São vários os métodos alternativos para a solução de conflitos admitidos pelo ordenamento jurídico pátrio, tais como a conciliação, a mediação, a arbitragem, entre outros. Recentemente, um novo método tem atraído os holofotes: a técnica da constelação familiar.

A constelação familiar vem sendo adotada como método para solução de conflitos nas varas de família e violência doméstica em, pelo menos, 16 estados brasileiros3.

Desenvolvida pelo alemão Bert Hellinger, a constelação familiar é uma técnica holística que busca encontrar a origem de um conflito analisando o sistema ou constelação familiar de determinado indivíduo, observando as “regras naturais” e/ou a “lei do equilíbrio”4 que refletem diretamente naquele ecossistema, segundo o comportamento de seus membros. Quer dizer, padrões de comportamento se repetiriam ao longo dos anos em uma família específica caso alguma das regras naturais/lei do equilíbrio fosse violada por um de seus membros e o único modo de resolver o conflito seria “olhando para os mortos”5 ou atribuindo o problema a quem “realmente” pertence: um ascendente, seja mãe, pai, avó, etc., atingindo a compreensão que determinado conflito estaria repetindo-se inconscientemente no seio da família por ser um padrão comportamental há gerações.

Grande polêmica envolve a aplicação da técnica das constelações familiares para a resolução de conflitos no judiciário: existiriam riscos na utilização do método para as partes envolvidas? É um método seguro e comprovado cientificamente? Convidamos o leitor para uma avaliação crítica.  

Inicialmente, ressaltamos que a técnica das constelações familiares não é comprovada cientificamente, não tendo aprovação do Conselho Federal de Psicologia que todavia não se posicionou sobre a sua segurança e uso por profissionais que não são formados psicólogos.

O Conselho Regional de Medicina, por sua vez, emitiu nota de repúdio a técnica das constelações familiares, proibindo os médicos de adotarem-na6: 

Tais práticas alternativas não apresentam resultados e eficácia comprovada cientificamente.

A prescrição e o uso de procedimentos e terapêuticos alternativos, sem o reconhecimento científico, são proibidos aos médicos brasileiros. 

Além da falta de comprovação científica sobre sua eficácia enquanto método psicoterapêutico, o uso da técnica das constelações familiares nas varas de família e violência doméstica pode ser contraproducente, pois ao olhar para o passado e para os comportamentos que se repetem em determinada família, atribuindo a forças externas a origem de determinado problema, ignora-se as escolhas do indivíduo e o contexto social em que surgiu determinado conflito. Perde-se a possibilidade de reflexão e desconstrução de certos comportamentos naturalizados socialmente que agridem a determinados grupos sociais. Por exemplo, é possível que um marido agrida a esposa porque cresceu assistindo ao pai ser violento com a mãe. Atribuir este comportamento a um conflito paterno mal resolvido é apagar a verdadeira origem do problema: uma formação machista que faz com que o homem enxergue as mulheres como submissas e permite o uso da força como elemento de controle.

Sob outra ótica, com a aplicação das constelações familiares, é possível trazer à tona discussão sobre o sistema familiar da parte vulnerável do conflito, culpabilizando quem está fragilizado e deveria ser protegido pelo sistema jurídico. Olhando para o passado, esquece-se o principal: a forma como cada um, por seus atos (não de sua linhagem familiar), contribuiu para determinado conflito.

Ao olhar-se para o sistema familiar e as “leis naturais” ou do “equilíbrio”, reproduz-se, também, um conceito tradicional e arcaico de família, em que homens e mulheres possuem papéis pré-definidos7, o que não acompanha o avanço social e jurídico, vez que hoje admitem-se múltiplas configurações familiares. A família não mais é definida por uma hierarquia rígida e sexista.

Por fim, destaca-se que a técnica, aplicada superficialmente nos Tribunais em sessão única para autocomposição, por mediadores que comumente não possuem formação específica e não são graduados em psicologia, oferece um risco psicológico para aqueles que, muitas vezes fragilizados, utilizando da garantia de acesso à justiça, buscam o judiciário para dirimir conflitos.

Assim, entende-se que o judiciário não deve ser espaço para a aplicação de teorias holísticas, sem comprovação científica, que possam trazer riscos à integridade psicológica dos envolvidos ou reforçar comportamentos violentos que, muitas vezes, se busca combater através do ajuizamento de demandas nas áreas de família e violência doméstica. A ânsia pela autocomposição das partes em demandas judiciais não deve ultrapassar a barreira de um judiciário humanizado que tutele a integridade psicológica daqueles que o procuram, nem reforçar estereótipos machistas que encontram repúdio no nosso ordenamento pátrio, que privilegia a igualdade e a dignidade humana.  

__________

1 BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: clique aqui.

MARTINS, Humberto. Pensar sobre os métodos consensuais de solução de conflitos.

3 OTONI, Luciana; FARIELLO, Luiza. Constelação pacífica conflitos de família no Judiciário. CNJ, 2018. Disponível em clique aqui.

SCHMIDT, Cândice; NYS, Cristiane; PASSOS, Lizandra. Justiça sistêmica: um novo olhar do judiciário sobre as dinâmicas familiares e a resolução de conflitos. TJ/RS. Disponível em clique aqui.

5 HELLINGER, Bert. A conexão entre representantes e representados uma constelação. 2004. Disponível em clique aqui.

6 CFM. Nota a população e aos médicos. 2018. Disponível em clique aqui.

7 “Para cada pessoa só existe um lugar certo na família. Uma vez que você tenha tomado este lugar, surge uma nova perspectiva que te torna capaz de agir.” HELLINGER, Bert. Disponível em clique aqui.

Ana Paula Ricco Terra
Advogada. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação do Ministério Público. Mestranda em ciências sociais pela UNIFESP.

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