Não há dúvida de que as novas tecnologias impactam diretamente em diversas áreas profissionais. Nota-se que, aos poucos, tal realidade ganhará maiores proporções e, nesse sentido, os profissionais da área do Direito deverão estar preparados para um novo cenário. Entretanto, até que ponto as novas tecnologias de inteligência artificial podem afetar a essência humana presente no Direito?
Vale lembrar que – sob certas perspectivas – o Direito é interpretação¹. Embora diversos aspectos da realidade sejam explicados pela ciência da natureza, é inegável que existem outras formas de se encontrar verdades, exempli gratia, as verdades que se passam pela ciência do espírito, na qual encontramos a arte de interpretação dos textos². Nesse sentido, observa-se a habilidade interpretativa do humano como uma ferramenta intrínseca dentro do Direito em busca da justiça, fator esse que coloca uma grande dúvida na capacidade de inteligências artificiais realizarem tarefa tão anímica.
Por oportuno, vale ressaltar, porém, a importância de automatizações nos processos jurídicos. Posto que existem atividades, como a consulta de jurisprudências, dentro da atividade profissional jurídica que impedem o indivíduo de focar em atividades também essenciais dentro do universo do Direito como a da retórica e da interpretação, torna-se cabível a implementação de sistemas de automatização. Nesse viés, observa-se no próprio STF o uso desse tipo de tecnologia com, por exemplo, uma ferramenta de inteligência artificial para identificar recursos extraordinários relacionados a temas de repercussão geral. Nesta mesma linha de raciocínio, para o ministro do STF Dias Toffoli, "O nosso objetivo maior é o contínuo aprimoramento tecnológico voltado à promoção da segurança jurídica e de uma prestação jurisdicional célere e efetiva para o cidadão"³.
Voltemos então à questão relativa à dicotomia entre inteligência artificial (I.A.) e hermenêutica jurídica. Sabe-se que as I.A. são baseadas em dados. Desse modo, verifica-se a dificuldade – por enquanto – da análise tecnológica de casos singulares que demandam uma interpretação minuciosa da Lei. Tal exercício hermenêutico é fundamental na busca pela verdade e da justiça dentro de um processo. Por tais razões, atenta-se que a natureza quantitativa da tecnologia pode entrar com contraste com o tratamento igual perante a Lei e ao devido processo legal ambos garantidos, respectivamente, no art. 5º caput e ins. LIV, uma vez que um sistema tecnológico de, por exemplo, classificação por raça e/ou etnia possa tratar grupos de maneira diferente e aplicando possíveis sanções de guisa desproporcional.
Ao ensejo de conclusão deste texto, cabe-se uma reflexão final. Em linhas gerais, o século XXI é marcado pelas automatizações e avanços tecnológicos. Contudo, se não soubermos dosar o uso das inovações dentro da área do Direito podemos correr no risco de apartar a natureza humana interpretativa presente dentro dos processos que buscam a justiça. Claro, pode-se utilizar da robotização de certos elementos na intenção de gerar dinamismo na busca pela verdade e da justiça, como dizia o jurista brasileiro Ruy Barbosa (1849-1923), "a justiça atrasada não é justiça". No entanto, não podemos esquecer que o processo hermenêutico é intrinsecamente humano não podendo, portanto, ser substituído por uma máquina baseada em dados, fórmulas e elementos que não se enquadram dentro da ciência do espírito.
1- PEDROSO, José Antonio Bolivar. PODE O DIREITO SER AUTOMATIZADO? O USO DE ALGORITMOS À LUZ DA HERMENÊUTICA JURÍDICA. 2017. 78 f. Monografia (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
2- Conforme o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, há formas de conhecimentos que transcendem às ciências da natureza. Citado em: PEDROSO, José Antonio Bolivar. PODE O DIREITO SER AUTOMATIZADO? O USO DE ALGORITMOS À LUZ DA HERMENÊUTICA JURÍDICA. 2017. 78 f. Monografia (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
3- Apresentação completa do Ministro Dias Toffoli disponível aqui.