A pandemia do COVID-19 modificou negativamente a realidade cotidiana dos brasileiros. As alterações foram variadas como deixar de viajar, já que muitos países fecharam suas fronteiras, muitos adotaram o isolamento social, a educação, o lazer, as compras e o trabalho se modificou e/ou limitou. Fora isso, com as consequências econômicas, o impacto foi sentido no orçamento das pessoas que se viram obrigadas a reduzir suas despesas ou a procurar novas oportunidades por conta da suspensão de contrato ou de demissões.
Na advocacia, o coronavírus tem afetado frontalmente o cotidiano laboral. Cada Estado lidou com o problema de maneira variada e em São Paulo as medidas desde março de 2020 foram: Governo do Estado recomendando o home office, visita aos presídios suspensas, prazos processuais suspensos e fóruns fechados. Depois, quando o cenário apresentou discreta melhora, os prazos voltaram, ainda que para os processos físicos o tema seja controvertido, mas os fóruns adotaram a modalidade remota, tanto de atendimento quanto de funcionamento, as audiências e os atos processuais passaram a ser realizadas de maneira virtual.
Os problemas também não tardaram a surgir, pois, feriados foram antecipados a fim de conter a circulação de pessoas, contudo, a justiça paulista não se viu obrigada a seguir a recomendação municipal e a advocacia bandeirante ficou desorientada com a contagem dos prazos processuais. Algumas varas determinaram que os processos físicos deveriam ser digitalizados às expensas das partes sob pena de arquivamento e, mesmo com determinação contrária do Conselho Nacional de Justiça, o ônus seguiu para a advocacia em várias varas. As audiências virtuais se tornaram uma realidade, todavia, tem sido constante as reclamações de magistrados que não concedem o direito do causídico realizar sustentação oral, apertam o botão do mudo em audiência e outra gama de violações às prerrogativas profissionais.
Diante de tantas dificuldades a advocacia paulista clamou por liderança e por alguém que defendesse e lutasse pelos interesses da classe. Ora, o papel é mais do que adequado para o presidente eleito da maior secional do país, com mais de 350 mil advogados ativos, porém, quando mais se precisou de liderança e de gestão a voz faltou, não se sabe se por falta de habilidade, má gestão ou pela soma de problemas autoimpostos. Refletimos.
A atual gestão da OAB/SP tem várias justificativas para mostrar que a pandemia impactou seu plano de administração, porém, será verdade? Em 2019, primeiro ano da gestão, a diretoria inovou com a nomeação de membros da advocacia para os cargos de presidente das comissões do interior do Estado, negros, LGBTQIA+, muitas mulheres e trazia, de maneira promissora, a diversidade para a entidade. Em termos administrativos lançou o portal da transparência com a promessa de que as atividades da secional seriam públicas e de livre acesso.
No transcurso do corrente ano, ainda sem pandemia, promoveu cortes ao longo de suas 250 subseções com redução de funcionários. Quantos? Quais os critérios? Nenhuma justificativa. E o tão propalado portal da transparência, tampouco, informa os cargos que foram reduzidos, os valores dos salários, ou seja, a transparência mais parece uma caixa de pandora. Só se sabe da redução porque para o orçamento de 2020 – demonstrativo constante no portal – previu R$6.330.000,00 em indenizações e avisos prévios.
Já em 2020, já sob os efeitos da pandemia, os cortes continuaram com a mesma obscuridade e falta de informação, todavia, no mesmo portal, o orçamento de 2021 indicou mais R$5.630.000,00 em indenizações e avisos prévios. Portanto, dois anos seguidos de reduções que representaram uma diminuição de quantos funcionários? Não se sabe. Quais cargos? Não se sabe. E, porventura, há disparidade econômica entre os funcionários tanto da secional quanto nas subseções? Não se sabe. Um portal da transparência que se diz claro e de fácil acesso que, na prática, é obscuro e lacunoso.
Com a pandemia a entidade, em 2020, ofereceu um auxílio para a classe no importe de R$100,00 em quatro parcelas. O valor, que na capital do Estado não paga uma diária para uma limpeza no escritório, não poderia ter sido revertido em desconto na anuidade? Em tese sim, porém, não foi dito que haveria uma limitação quantitativa, não é mesmo? Logo, os 30 mil advogados e advogadas que receberam o auxílio, na verdade, representaram uma economia no orçamento da secional, já que se fizesse o desconto teria de concedê-lo, não para os 30 mil, mas sim, para 350 mil. E, ainda, fornecer o auxílio, em espécie, para os inadimplentes.
Ainda em final de 2020, a OAB/SP lançou o 1° Censo para a advocacia paulista com a promessa de modernizar e oferecer novos serviços para a categoria. Na prática, o que se viu foi um questionário eivado de problemas estruturais que sumariamente ignorou a pandemia e seus efeitos, não explicou qual a metodologia, o que se pretendia com a mesma e, tampouco, incluiu no questionário temas para a diversidade que se propôs a incluir no ano anterior. Assim, se detecta falhas para jovens, idosos, LGBTQIA+ e mulheres, além de apresentar inconstitucionalidades e violações à privacidade e vida privada da advocacia, como também, descumprir os preceitos basilares da lei Geral de Proteção de Dados como a anonimicidade, transparência e não demonstrar de forma clara e precisa como será feito o armazenamento dos dados.
No começo de 2021 os “frutos” da gestão não tardaram a aparecer com dois rompimentos com em curto espaço de tempo: o primeiro com 39 conselheiros, inclusive um membro da diretoria, sob a justificativa de que não foram cumpridas promessas de campanha, não se conseguiu trabalhar pela entidade por conta da centralização das decisões na diretoria e, principalmente, pela insistência na realização das eleições da entidade de maneira presencial. O segundo, composto por vários membros que eram presidentes das comissões e resultou na criação do movimento “Elo”, formado por advogadas e advogados negros que denunciou a prática de atitudes incompatíveis com o que propalava a gestão. Ora, pessoas de dentro da gestão atestaram que não tinham voz e que suas iniciativas não eram desenvolvidas por conta da centralização.
Por fim, em termos de gestão, o que fez a OAB/SP? Como lidou com a necessidade premente dos advogados ante às dificuldades decorrentes da pandemia? Como a diretoria se manifestou ante a disseminação do coronavírus? Quais as medidas foram tomadas para que o Judiciário não perpetrasse violações das prerrogativas profissionais reiteradas à advocacia? Quais medidas foram tomadas para capacitar os idosos, auxiliar os jovens, mitigar as desigualdades para as mulheres, que se tornaram maioria nos quadros da entidade no transcurso da gestão? Como mostraram liderança ante aos abusos, discriminações, racismo ante à advocacia LGBQIA+, aos causídicos e causídicas de diferentes etnias? Qual o plano da OAB/SP sobre as eleições? Para todas essas indagações somente o mais amplo e irrestrito silêncio. Como se o presidente da OAB/SP tivesse sido alvo da pandemia e tivesse perdido sua liderança, voz e iniciativa. Será que o presidente entrou em quarentena na pandemia e nunca mais saiu? Ou, na verdade, o que se nota é o fruto de uma má gestão mascarada pela pandemia que o protege e o esconde de maneira involuntária?
A gestão está próxima de se finalizar e, em meio a tantos problemas e silêncios, a principal indagação é: o presidente continuará omisso e silente e terá por justificativa a pandemia ou se mostrará o líder que a advocacia bandeirante precisa e exige? Para mais esta pergunta o silêncio permanece...