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IPI X ISS: a (in) segurança jurídica nos serviços de montagem de produtos industrializados por encomenda

A obscuridade das normas tornam a jurisprudência confusa, deixando o contribuinte desamparado de segurança jurídica no que concerne ao conflito de competência entre o IPI e o ISS.

19/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

As atividades de fabricação, instalação e montagem sempre estiveram envolvidas em uma série de discussões acerca de sua tributação, havendo um constante embate em relação ao conflito de competência entre o IPI (fato gerador saída do estabelecimento industrial) e o ISS (fato gerador prestação de serviços de construção civil e semelhantes).

O Regulamento do IPI “RIPI” (Decreto 7.212, de 15 de junho de 2010), especificou nos incisos de seu art. 4º 1, o que seria considerado como industrialização, e consequente fato gerador do IPI, enquadrando as atividades de transformação do objeto (inciso I); beneficiamento (inciso II); montagem (inciso III); acondicionamento (inciso IV); e, renovação (inciso V). Em sequência, o art. 5º 2 do RIPI esclarece quais atividades deveriam ser excluídas do conceito de industrialização, merecendo destaque o disposto em seu inciso VIII:

“VII - a operação efetuada fora do estabelecimento industrial, consistente na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte:

a) edificação (casas, edifícios, pontes, hangares, galpões e semelhantes, e suas coberturas);

b) instalação de oleodutos, usinas hidrelétricas, torres de refrigeração, estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicação e telefonia, estações, usinas e redes de distribuição de energia elétrica e semelhantes; ou

c) fixação de unidades ou complexos industriais ao solo;”.

Em linhas gerais, de um lado temos o entendimento de que deve incidir IPI na operação que possui como objeto a montagem/instalação do produto fabricado por encomenda, haja vista tratar-se de um atividade mista, isto é, composta por obrigações de dar e de fazer, por atividades-fim e atividades-meio, comercializadas através de um determinado preço, sendo a finalidade da operação a entrega de um produto pronto e acabado, afastando a ideia de que o serviço de instalação seria o aspecto principal do negócio.

Por outo lado, diversos Municípios defendem a tese de que as mesmas operações deveriam ser tributadas pelo ISS, uma vez que seriam atividades complementares a construção civil, enquadrando-se, assim, no subitem 7.02 3 da Lista de Serviços Anexa à lei Complementar 116/03.

“7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).”

Em um primeiro momento, cumpre destacar que a incidência dos dois tributos deve ser afastada, não havendo possibilidade de convivência entre o IPI e o ISS, pois, caso contrário, estaríamos diante do fenômeno de bitributação. Na mesma linha, leciona o Professor Geraldo Ataliba: “Onde cabe ISS, não cabe ICM; onde cabe ICM não cabe ISS; onde cabe ISS, não cabe IPI; onde cabe IPI, não cabe ISS” 4. Portanto, a atividade de instalação de produto que foi industrializado por encomenda, ou se refere a um procedimento industrial, ou a uma prestação de serviço.

Muito embora ser pacífica esta máxima que visa afastar o fenômeno da bitributação, curiosamente o CARF reconheceu a incidência dos dois tributos na mesma materialidade. Nesse sentido, no julgamento do Acórdão 9303-003.245 5, do Processo 11080.015779/2002-10, a fundamentação principal da decisão foi:

“(...) apenas está constitucionalmente impedida a incidência sobre a mesma operação, conceituada como serviço, do ISS e do ICMS. Assim, tanto o decreto-lei 406/68, recepcionado como lei Complementar até a edição da lei Complementar 116/2003, quanto esta última, ao regularem tal dispositivo, apenas estão afastando a incidência cumulativa de ISS e ICMS, nada regulando quanto ao IPI. Para a incidência deste último, basta que a operação realizada se enquadre em um dos conceitos de industrialização presentes na lei 4.502/64”.

O referido acórdão não observa o disposto nos artigos 153 6, 155 7 e 156 8 da Constituição Federal de 1988, os quais ilustram que é impossível a incidência concomitante de IPI e ISS em uma mesma operação.

Outrossim, há decisões que caminham para o lado da incidência única do IPI, como para a incidência única do ISS.

Também no âmbito do CARF, agora entendendo como devida a incidência do IPI na operação de industrialização por encomenda e instalação do produto fora do estabelecimento industrial, temos o Acórdão 3401-003.751 9. Um dos pontos discutidos neste litígio era em relação a tributação dos valores relativos à supervisão da montagem dos geradores fabricados pela contribuinte.

Assim, o CARF entendeu que a contribuinte realizava uma operação mista, tendo como atividade-fim a entrega do gerador pronto e acabado, enquanto o valor cobrado pela supervisão da montagem configuraria apenas uma atividade-meio, sendo devida, portanto, a incidência do IPI. Em outro prisma, se a atividade-fim da contribuinte fosse a supervisão da montagem do gerador no estabelecimento do cliente, não há dúvidas de que estaríamos diante da incidência do ISS.

Desta forma, a depender das circunstâncias fáticas do caso concreto, a operação de instalação estará sujeita a incidência única do ISS. Nessa esteira caminha a recente Solução de Consulta 38 – Cosit, de 18 de março de 2021 10. A consulente fabricava partes e peças que constituem elevadores, e realizava a montagem dos mesmos no estabelecimento de seu cliente, questionando a Receita Federal do Brasil sobre qual seria a tributação correta a ser aplicada em suas operações.

Nesse sentido, a RFB utilizou como principais fundamentações da referida SC os artigos 4º e 5º do RIPI, bem como o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.231.669/RS 11. Portanto, entendeu que o valor cobrado sobre as peças produzidas pela contribuinte, que irão compor os elevadores, está sujeito a incidência do imposto federal, enquanto o valor correspondente à atividade de instalação e montagem de elevador em bens imóveis está inserida no conceito de construção civil, sujeitando-se à incidência exclusiva do ISS.

Diante dos três possíveis entendimentos acerca da tributação dos serviços de instalação e montagem de produtos industrializados por encomenda (IPI e ISS – CARF Acórdão nº 9303-003.245; apenas o IPI – CARF Acórdão 3401-003.751; e, apenas o ISS – RFB Solução de Consulta 38 – Cosit, de 18 de março de 2021; e, STJ REsp 1.231.669/RS), resta evidente a situação de insegurança jurídica no tocante a tributação de bens industriais e serviços no Brasil.

Estes diversos entendimentos jurisprudenciais a respeito do mesmo assunto ilustram a liquidez do Direito moderno, fomentadora da insegurança jurídica. Há, de fato, obscuridade, incerteza e indeterminação na aplicação desta matéria no caso concreto.

O contribuinte, por sua vez, se vê incapaz de realizar um planejamento econômico sólido. Seu primeiro desafio é interpretar qual é a regra válida para aquela determinada situação em que se enquadra. Na maioria das vezes, conta com uma parcela de sorte ao tomar certas decisões, tendo em vista o paraíso de entendimentos administrativos e judiciais para o mesmo caso.

Nesta mesma linha de raciocínio caminham os ensinamentos do Professor Humberto Ávila, em sua obra intitulada “Teoria da Segurança Jurídica”12, especialmente quando trata da segurança como determinabilidade, nas páginas 187 a 190, e se aprofunda acerca do ideal de calculabildade no Direito Tributário:

“A calculabilidade – é bom frisar – não diz respeito à previsão de acontecimentos futuros. (...) Não se antecipa o futuro, mas o sentido normativo do presente no futuro ou, mais tecnicamente, o sentido normativo da ação ou da inação praticadas no presente por uma decisão a ser proferida no futuro”.

Assim, em que pese caber aos julgadores, ao desempenharem o papel de intérpretes da norma jurídica, chegarem a um resultado após de toda uma complexa análise dos fatos, é incorreto que haja uma fuga à realidade, ou ainda o desrespeito aos princípios basilares constitucionais.

Por oportuno, cita-se o ilustre Professor Eros Roberto Grau 13:

“a 'abertura` dos textos de Direito, embora suficiente para permitir que o Direito permaneça a serviço da realidade, não é absoluta. Qualquer intérprete estará, sempre, permanentemente por eles atado, retido. Do rompimento dessa relação pelo intérprete resultará em subversão ao texto.”

Portanto, cabe aos julgadores se aterem ao ordenamento jurídico como um todo, de modo que toda e qualquer insegurança jurídica seja evitada, e o contribuinte possa realizar um planejamento tributário digno e eficaz, com base em precedentes condizentes com a realidade formal e material do Direito.

---------

1 Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, art. 4º;

2  Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, art. 5º;

3 Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/03, subitem 7.02;

4  ATALIBA, Geraldo. Conflito entre ICMS, ISS e IPI. Revista de Direito Tributário. nº 7/8. São Paulo: RT, jan./jun., 1979. p.119;

5  CARF. Acórdão nº 9303-003.245, no processo 11080.015779/2002-10. Rel. Henrique Pinheiro Torres. Julgado em 04/02/2015. Publicado em 28/08/2015;

6  Constituição Federal, art. 153;

7  Constituição Federal, art. 155;

8  Constituição Federal, art. 156;

9  CARF. Acórdão nº 3401-003.751, no processo 18088.720048/201494. Rel. Leonardo Ogassawara de Araújo Branco. Julgado em 26/04/2017. Publicado em 1307/2017  

10 RFB. Solução de Consulta nº 38 – Cosit, de 18 de março de 2021;

11 STJ. REsp 1231669 / RS | 2011/0013830-5. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em 07/11/2013. Publicado em 16/05/2014;

12 Humberto Ávila, Teoria da Segurança Jurídica, 4ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2016, p. 190;

13 Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do Direito, 5ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p.56.

Vinícius de Jesus Pereira
Colaborador e bacharelando em Direito na Escola Paulista de Direito - EPD. Também é membro do Grupo de Estudos sobre segurança jurídica no Instituto Ives Gandra.

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