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De volta à base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais

Qual deve ser a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais se a ação judicial for, ao mesmo tempo, declaratória (ou constitutiva) e condenatória?

15/7/2021

(Imagem: Divulgação)

Não tenho a menor dúvida de que, em breve, a discussão objeto deste artigo científico chegará ao STJ. Para situar o leitor, vejamos o que diz o § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil:

"[o]s honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço".

A questão posta é a seguinte: qual deve ser a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais se a ação judicial for, ao mesmo tempo, declaratória (ou constitutiva) e condenatória? É o que ocorre, v.g., numa ação anulatória cumulada com repetição de indébito (muito comum na área tributária). Para facilitar a visualização, pense numa pessoa que ajuíza uma ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com compensação de danos morais. O juiz declara que inexiste relação entre as partes, que era um suposto contrato de financiamento de R$ 100.000,00 e condena o réu no pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais, em razão de negativação indevida do nome do autor. Desse modo, caso o magistrado queira condenar o réu no pagamento de 10% de honorários sucumbenciais, a base de cálculo deve ser R$ 100.000,00, R$ 10.000,00 ou R$ 110.000,00?

Com todo o respeito aos que pensam em sentido contrário, tenho plena convicção de que a base de cálculo deve ser o somatório do que se obteve em todos os pleitos, quais sejam, o proveito econômico do pedido declaratório e o valor obtido com os danos morais. Isso que acabei de sustentar está escrito, de forma clara, no CPC? Não. A tese contrária está escrita no CPC? Também não. Com efeito, a lógica do raciocínio é a seguinte: se estamos diante de verdadeira cumulação de ações (art. 327 do CPC), a verba advocatícia sucumbencial deverá incidir sobre todos os pedidos, e, não, apenas sobre um deles. Afinal de contas, se seria perfeitamente possível o ajuizamento de duas ações em separado (em vez de cumulá-las), o que, por óbvio, faria com que o advogado do vencedor recebesse honorários em ambas as causas, qual o fundamento para se negar, este mesmo direito, em caso de cumulação de ações? Dito isso, ratifico que, a meu ver, a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, em caso de cumulação de ações, deverá ser o somatório de todos os pleitos, pouco importando a natureza da ação, isto é, declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu.

Ademais, nem mesmo a interpretação literal da atual redação do § 2º do art. 85 do CPC nos permite chegar a outra conclusão. Este dispositivo legal quis, tão somente, traçar as bases de cálculo tradicionais, bem como os critérios que devem ser observados pelo magistrado no momento da fixação do percentual dos honorários sucumbenciais.

E como anda o tratamento jurisprudencial desta questão? Como já adiantei, não existe no STJ nenhum julgado sobre o assunto. A propósito, o aresto abaixo, do STJ, tem sido interpretado, de forma equivocada, para se justificar o caráter excludente e sucessivo das hipóteses listadas no § 2º do art. 85 do CPC:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.

2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).

3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.

4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).

5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.

6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido" (STJ, 2ª Seção, REsp n. 1.746.072/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ o acórdão Min. Raul Araújo, j. 13/02/2019, DJe 29/03/2019).

Com a devida vênia, este precedente não tratou da base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais em caso de cumulação de ações de naturezas distintas. O que se discutiu, verdadeiramente, no aresto acima, é se o julgador poderia fixar a verba advocatícia, por equidade, mesmo nas hipóteses objetivas e claras do § 2º do art. 85 do CPC. E a conclusão à qual se chegou, por maioria de votos, é de que não se pode. Assim sendo, reitero que, a meu ver, é um enorme equívoco tentar justificar o caráter excludente e sucessivo das hipóteses elencadas no § 2º do art. 85 do CPC.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) a questão está bastante dividida. Em favor da tese que estou defendendo, confiram-se:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – Declaratória de inexigibilidade de débito c.c indenização por danos morais – Cumprimento de sentença (honorários advocatícios de sucumbência) – Decisão acolheu em parte impugnação considerando que as quantias declaradas inexigíveis não integram a base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência, mas apenas os danos morais – Tratando-se de sentença de dupla natureza (declaratória e condenatória), os honorários sucumbenciais devem ser calculados com base no proveito econômico obtido pela autora, ou seja, a soma do débito declarado inexigível e o valor da indenização dos danos morais – Recurso provido" (TJSP, 13ª Câmara de Direito Privado, AI n. 2123941-55.2020.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Giaquinto, j. 05/08/2020).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Impugnação. Inexistência de excesso. Honorários advocatícios sobre o valor da condenação. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com pedido de dano moral indenizável. Base de cálculo que deve reunir o pedido declaratório e condenatório. Recurso não provido" (TJSP, 21ª Câmara de Direito Privado, AI n. 2251216-84.2020.8.26.0000, Rel. Des. Décio Rodrigues, j. 07/12/2020).

Neste mesmo sentido, posso citar ainda: TJ/SP, 35ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 1002266-18.2020.8.26.0009, Relator Des. Gilson Delgado Miranda, j. 22/02/2021; TJ/SP, 19ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 1060311-67.2019.8.26.0100, Rel. Des. Claudia Grieco Tabosa Pessoa, j. 03/08/2020; TJSP, 7ª Câmara de Direito Privado, ED n. 1042025-41.2019.8.26.0100, Rel. Des. José Rubens Queiroz Gomes, j. 18/03/2020.

Em contrapartida, no sentido contrário ao qual estou sustentando, confiram-se os seguintes julgados: TJ/SP, 18ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 1017520-41.2019.8.26.0405, Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. 11/02/2021; TJ/SP, 15ª Câmara de Direito Público, AI n. 2207625-72.2020.8.26.0000, Rel. Des. Eutálio Porto, j. 13/01/2021; TJ/SP, 23ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 1027921-02.2019.8.26.0114, Rel. Des. Sebastião Flávio, j. 25/08/2020; TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, ED n. 1001119-63.2019.8.26.0664, Rel. Des. Cerqueira Leite, j. 01/04/2020.

Os argumentos jurídicos utilizados nestes quatro acórdãos merecem reparos, com todo o respeito. São eles: (i) já há precedente no STJ neste sentido; (ii) as hipóteses do § 2º do art. 85 do CPC são excludentes e sucessivas; (iii) deve-se aplicar, por analogia, a Súmula n. 326 do STJ. Na minha opinião, (i) o tal precedente do STJ não versa sobre essa matéria; (ii) as hipóteses não são excludentes, pois estamos diante de cumulação de ações; e (iii) esta Súmula não guarda qualquer relação com a questão posta em discussão.

No TJ/SP há, ainda, um terceiro posicionamento que trata do tema, no entanto, com um entendimento equivocado. Em uma ação de declaração de inexigibilidade de débito e indenização por danos morais proposta em face de uma operadora de plano de saúde, no tocante à sucumbência, foi afirmado o seguinte pelo relator: "[é] impossível fixar os honorários advocatícios sucumbenciais de acordo com o proveito econômico obtido, haja vista que a pretensão de natureza declaratória não teve como resultado imediato desembolso ou restituição de quantia aferível à parte autora, mas exclusivamente a declaração de que ela não devia a quantia objeto do apontamento negativo" (TJ/SP, 9ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 1028864-28.2017.8.26.0554, Rel. Piva Rodrigues, j. 03/03/2020). Ora, com a devida vênia, a declaração judicial de inexistência de débito é o proveito econômico obtido, e, por este motivo, deveria fazer parte da base de cálculo dos honorários sucumbenciais.

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) encontrei apenas um acórdão versando sobre esta matéria, e, felizmente, no sentido que estou defendendo neste artigo científico. Disse a relatora:

"[...]. In casu, como a sentença foi de cunho não só condenatório, mas também declaratório, mostra-se correto que no cômputo dos honorários se considere não só a quantia que a parte receberá a título de condenação, mas também a quantia que deixou de pagar, em decorrência da declaração de inexistência de débito" (TJRJ, 3ª C., Ap. n. 0046357-16.2012.8.19.0001, Rel. Des. Renata Machado Cotta, j. 31/01/2018).

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) a discussão está dividida em duas correntes. De um lado, pela tese que estou defendendo neste texto, confira-se: TJRS, 9ª C., ED n. 70080125909, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, j. 24/04/2019. Em sentido contrário, confiram-se: TJ/RS, 6ª C., Ap. n. 50045283220208210001, Rel. Des. Eliziana da Silveira Perez, j. 22/04/2021; TJ/RS, 23ª C., Ap. n. 70080998933, Rel. Des. Alberto Delgado Neto, j. 28/05/2019; TJ/RS, 10ª C., Ap. n. 70080341241, Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. 21/02/2019.

Ainda no TJ/RS, registro a seguinte decisão: "[e]m se tratando de condenação em valor irrisório, correta a sentença que fixou os honorários advocatícios sobre o valor atualizado da causa, em observância ao trabalho realizado pelos advogados das partes" (TJRS, 17ª C., Ap. n. 70076327873, Rel. Des. Giovanni Conti, j. 30/08/2018).

Por derradeiro, informo que nas pesquisas que fiz no site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais não encontrei nenhum acórdão sobre esta questão.

Concluindo, penso que a interpretação tecnicamente mais adequada é a de que a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, em caso de cumulação de ações de natureza distinta (v.g., declaratória e condenatória), deve ser o somatório do benefício econômico do pleito declaratório (ou constitutivo) com o valor do pedido condenatório. Aliás, não tenho dúvida de que, caso o STJ venha a adotar posicionamento diverso deste defendido, a consequência prática e imediata será a de se deixar de utilizar a cumulação de ações, ingressando-se em juízo com ações distintas, o que representará, por óbvio, no aumento de demandas, indo na contramão do que pretende o Poder Judiciário e o Conselho Nacional de Justiça.

Leonardo de Faria Beraldo
Advogado. Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC/MG. Especialista em Processo Civil. Professor de Processo Civil, Arbitragem e Direito Civil do Colégio Registral Imobiliário do Estado de Minas Gerais - CORI/MG.

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