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Breves apontamentos sobre a citação por WhatsApp

Há muito a se avançar, especialmente em termos de regulamentação e legislação a respeito, mas não há dúvidas que a citação por WhatsApp é uma tendência do processo eletrônico, da Justiça 100% digital, do balcão eletrônico, das modernidades advindas da pandemia. É mais do que hora de revisitar conceitos, padrões, dogmas e adaptar-se às necessidades da nova realidade social.

14/7/2021

(Imagem: Divulgação)

A citação é o ato pelo qual se dá ciência ao réu de demanda ajuizada contra ele, chamando-o a integrar e formar a relação processual. Trata-se, sem dúvida, do ato mais relevante e importante do processo, na medida em que, sem ele, não se aperfeiçoa a triangularização do processo – autor, juiz e réu. Além disso, eventual sentença proferida sem a citação válida do réu é inexistente, por se tratar de nulidade insanável, que pode ser arguida a qualquer momento.

Certamente pela relevância do ato citatório é que a recente decisão proferida pelo MM Juízo da 44ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital do Estado de São Paulo1 que autorizou a realização da citação do réu por WhatsApp ganhou destaque e fomentou discussões sobre a validade/legalidade do ato citatório através da plataforma de troca de mensagens instantâneas que se encontra na 3ª posição das redes sociais mais utilizadas em todo o mundo2.

Não se olvida que a utilização da tecnologia e de plataformas digitais vêm ganhando relevo, recebendo acertado prestígio do Poder Judiciário. De fato, inevitável a modernização do processo e a adoção das tecnologias em benefício da efetividade do processo. O CNJ, ao instituir o denominado "PJE" (Resolução 185/13), determinou que "no processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, far-se-ão por meio eletrônico" (art. 19). A recentíssima Resolução 335, de 29.09.2020, atualizou a anterior:

Institui política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico. Integra os tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br. Mantém o sistema PJe como sistema de Processo Eletrônico prioritário do Conselho Nacional de Justiça3.

Além disso, o CNJ caminhou muito nesses tempos de pandemia, emitindo inúmeras resoluções para viabilizar o efetivo acesso à justiça pelo modo digital. Apesar das grandes dificuldades, o Poder Judiciário superou-se em termos de acessibilidade e disponibilidade no último ano e meio – mérito que deve ser reconhecido.

Nesse passo, não é de hoje que se prioriza a finalidade em detrimento do formalismo processual exacerbado. Nesse sentido, o disposto no artigo 13 da lei 9.099/95 já estabelecia que "os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados". O atual Diploma Processual, suprimindo parte de seu correspondente legislativo anterior, estabelece que o juiz considerará válido ato praticado de modo diverso ao prescrito em lei se alcançada a finalidade prevista (art. 277), pouco importado se havia previsão expressa de nulidade caso não observada a forma determinada (art. 244 do CPC/73), até porque, como bem se sabe, não há nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief).

Exatamente sob esse prisma deve ser analisada a possibilidade – ou não – da realização da citação por WhatsApp, nos termos do que foi decidido recentemente pelo MM Juízo já citado.

Na casuística, o autor da ação pugnou já em sua exordial pela citação por edital do réu haja vista que em ação judicial anterior que tramitou perante o Juizado Especial Cível pesquisas de endereços foram realizadas e não se logrou êxito em localizar o atual paradeiro do réu, sabendo o autor, segundo sustenta, que os endereços encontrados nos estados do Acre, Santa Catarina e Goiás não estariam atualizados vez que o réu estaria residindo no Município do Guarujá, Estado de São Paulo.

O MM Juízo indeferiu o pedido de citação por edital e determinou a realização de pesquisas de endereços, e, após o resultado das buscas, o autor requereu a citação do réu por WhatsApp, sustentando que “à época das inúmeras e inexitosas tratativas pré-processuais para autocomposição”, a patrona que representa seus interesses realizou diversos contatos com o réu via WhatsApp.

O autor evidenciou que no âmbito do Poder Judiciário, em especial após a decretação do estado de calamidade pública por força da pandemia covid-19, diversos foram os atos normativos editados para viabilizar a continuidade dos processos mediante adoção de formas mais 'desburocratizadas' de intimações/comunicações e realização de audiências e atendimentos, a saber os Comunicados CG 262/2020, 266/2020, 284/2020 e 610/2020 no âmbito da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo e as Recomendações 70/2020 e 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça.

Por fim, o autor citou o recente acórdão proferido pelo STJ no julgamento do Habeas Corpus 641.877/DF, ocasião em que a Corte Superior, em que pese tenha reconhecido a nulidade da citação por WhatsApp no caso julgado, acenou pela possibilidade da utilização desse modo de citação desde que adotadas "medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo [réu]" – o que, de acordo com o autor, seria possível in casu.

Foi proferida, então, a bem fundamentada decisão do MM Juízo que autorizou a realização da citação por WhatsApp, advertindo a serventia de que deveriam ser adotadas as cautelas de "enviar a contra-fé pelo próprio WhatsApp" e "certificar nos autos quando isso foi feito, bem como certificar quando lida a mensagem", devendo constar na conversa, ainda, mensagem de que o réu “deve buscar advogado para se defender nos autos”.

Diz-se bem fundamentada por ter o MM Juízo declinado as razões pelas quais, no caso em análise, entendeu possível a citação por WhatsApp, providência pouco usual, mas que, não obstante a "ausência de previsão em lei", seria plenamente possível à luz da razoabilidade e da eficiência, princípios consagrados no Diploma Processual em seu artigo 8º. Além disso, alterando a própria decisão, o mandado de citação foi expedido para que o oficial de justiça cumprisse o desiderato da citação, já que, diante da sua fé pública, poderia certificar o ocorrido no ato citatório: recebimento ou não, eventual resposta ou não, contato anterior ou posterior por meio do próprio número indicado.

A discussão acerca da validade/possibilidade de citações e intimações através do aplicativo mencionado ainda é embrionária. O tema, contudo, vem sendo cada vez mais enfrentado pelo Poder Judiciário. Além do precedente da Corte Superior já citado, há julgamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o assunto, sendo certo que a 3ª Câmara de Direito Privado já decidiu que a utilização do WhatsApp para citação na casuística revelava "verdadeiro instrumento da concretização da entrega da prestação jurisdicional dentro de prazo razoável"4.

Na mesma linha dos precedentes referidos nesse breve comentário, parece possível – e até indicado, em certos casos – a citação por intermédio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Alguns pontos, no entanto, merecem especial atenção e precisam ser objeto de amplo e intenso debate a fim de melhor enfrentar a matéria que, em razão do avanço natural da tecnologia, certamente tornar-se-á cada vez mais comum.

Inicialmente, parece-nos ser o caso de autorizar a citação por WhatsApp apenas quando a citação por carta ou por oficial de justiça não for possível no caso concreto. Em decisão fundamentada, o Juízo precisa declinar pormenorizadamente as razões pelas quais a citação pelos correios ou por mandado foi ou seria inútil, seja qual for o motivo, desde a inexistência de endereço em pesquisas até a existência de endereços múltiplos não representativos da realidade.

Cumulativamente à ponderação anterior, deve existir nos autos comprovação de que o WhatsApp informado pelo autor de fato pertence ao réu. Nos dias atuais, em que cada vez mais se utiliza a plataforma para objetivos diversos, trata-se de prova de relativa facilidade de produção. Por vezes, aliás, prints de conversas no WhatsApp servem como prova das alegações e pedidos iniciais, razão pela qual se mencionados documentos podem ser utilizados para fundamentar a procedência ou improcedência dos pedidos iniciais, devem ser suficientes para demonstrar a titularidade da conta para fins de citação.

Além da análise da validade da determinação da citação pelo WhatsApp, é o caso de se perquirir se o réu de fato recebeu o ato citatório.

Nesse diapasão, parece, inicialmente, que a citação por WhatsApp deve ser efetivada por oficial de justiça, não cabendo à serventia do cartório realizar o ato – conforme alterado no caso concreto. Cabe ao oficial de justiça realizar pessoalmente as citações e certificar no mandado os fatos ocorridos "com menção ao lugar, ao dia e à hora" (art. 154 do CPC). Por força de sua fé pública, o oficial de justiça pratica atos que gozam de presunção de veracidade, de modo que é ele o auxiliar da justiça apto a encaminhar a mensagem via WhatsApp e atestar (i) que o réu é, de fato, o titular da linha indicada pelo autor; e (ii) que o réu recebeu o mandado de citação.

Para cumprir as exigências da citação válida, o oficial de justiça pode certificar, por exemplo, que a mensagem foi enviada e a confirmação de leitura foi ativada (dois tiques azuis); ou mesmo que a mensagem não foi recebida pelo réu, situação em que devolveria o mandado negativo.

Situação intrigante sobre a citação por WhatsApp é quando o réu desativa a função de confirmação da leitura de suas mensagens. Nesse caso, o oficial de justiça poderia ligar para o réu via WhatsApp e certificar os fatos ocorridos. Diante das constatações, a depender do caso, poder-se-ia entender que a citação foi ficta, nos moldes da citação por edital, designando-se curador.

Nada impede, por óbvio, que o réu comprove posteriormente a nulidade da citação. Bastaria demonstrar que teve seu WhatsApp clonado ou mesmo o celular roubado, situação em que a presunção de veracidade do ato citatório por oficial de justiça cederia frente à comprovação da não realização da citação válida.

Há muito a se avançar, especialmente em termos de regulamentação e legislação a respeito, mas não há dúvidas que a citação por WhatsApp é uma tendência do processo eletrônico, da Justiça 100% digital, do balcão eletrônico, das modernidades advindas – e bem recebidas – da pandemia. É mais do que hora de revisitar conceitos, padrões, dogmas e adaptar-se às necessidades da nova realidade social.

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1- Decisão proferida nos autos do processo nº 1030291-25.2021.8.26.0100.

2- Segundo dados da Most popular social networks worldwide as of July 2021 divulgado pela empresa Statista.com Disponível aqui.   

3- CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 335 de 29 de setembro de 2020. Institui política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico. Integra os tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br. Mantém o sistema PJe como sistema de Processo Eletrônico prioritário do Conselho Nacional de Justiça. Disponível aqui.

4- TJSP. Agravo de Instrumento nº 2083732-10.2021.8.26.0000. 3ª Câm. Dir. Priv. Des. Rel. DONEGÁ MORANDINI. j. 3.5.2021.

Flávia Pereira Ribeiro
Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Doutora e mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP. Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia do escritório Flávia Ribeiro Advocacia.

César Augusto Costa
Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Sócio de Flávia Ribeiro Advocacia.

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