O princípio da celeridade processual foi introduzido em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente na Constituição Federal, pela EC 45/04, que tinha como um de seus objetivos solucionar o enorme gargalho provocado pelo acúmulo sem fim de processos nas prateleiras dos órgãos judiciais do Brasil.
Apesar da previsão expressa no texto constitucional, pouco foi o avanço do judiciário brasileiro quando se trata do rápido trâmite processual nos anos que se seguiram.
Atualmente, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ¹, o tema morosidade processual representa 56,83% das reclamações recebidas pelo órgão no ano de 2020.
Para se ter ideia da dimensão da quantidade de reclamações que o CNJ recebe sobre o tema, o segundo lugar (dúvidas quanto ao procedimento para peticionar naquele órgão) foi responsável por apenas 8,49% de reclamações no mesmo período. A enorme diferença da quantidade de reclamações sobre os dois primeiros temas demonstra claramente qual o maior problema enfrentado atualmente pelo jurisdicionado brasileiro.
Os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça revelam o problema existente em todo o Poder Judiciário sobre o atraso latente existente nas resoluções dos processos. Em se tratando do processo penal, o aguardar é ainda pior, à medida que as partes diretamente envolvidas estão com o seu direito à liberdade constringidos.
No âmbito do processo penal brasileiro, dois grandes problemas se destacam com relação à morosidade do judiciário em dar solução rápida aos processos: o alto número de presos provisórios aguardando julgamento e o enorme lapso temporal dos apenados para conseguir os benefícios legais após o cumprimento dos requisitos – em especial a progressão do regime de cumprimento da pena e o livramento condicional.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça², o preso provisório passa em média, no Brasil, 367 dias aguardando o julgamento. Em Pernambuco – Estado onde o tempo de espera é o maior – esse período pode se estender por 974 dias. Essa constatação do excesso de prazo para resolução final dos processos é ainda mais alarmante ao se confrontar com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada³, que constatou em 2014 que 37,2% dos processos penais acompanhados terminavam sem a condenação final do réu à prisão.
É realmente preocupante a questão do excesso de prazo para julgamento dos processos. Não é crível imaginar que mais de um terço dos presos provisórios do nosso país jamais deveria ter passado um dia sequer dentro de uma cela de prisão, e estes mesmos passarão, em média, pelo menos um ano.
No que tange à progressão do regime de cumprimento da pena a realidade da morosidade do judiciário não é diferente. Em razão da demora na apreciação dos pedidos de progressão de regime, ou mesmo concessão de livramento condicional, a maior parte da população carcerária acaba por cumprir por tempo muito maior que o previsto na condenação uma pena mais gravosa.
No âmbito penal a morosidade tem um tom ainda mais gravoso pois atinge diretamente o mais importante direito do homem: o direito fundamental à liberdade. É notória, portanto, a importância da presente análise como forma de promover o debate em nossa comunidade jurídica e auxiliar na resolução dos problemas atualmente enfrentados por aqueles que dependem de uma resposta judicial em seus processos penais.
Com o advento da referida emenda Constitucional o Art. 5 da Carta Magna teve acrescido, dentre outros, o inciso LXXVIII, que assim dispõe expressamente:
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
A preocupação com a celeridade processual, em especial no âmbito penal adveio da simples demonstração da realidade do judiciário brasileiro. O número cada vez maior de demandas empilhadas nos antigos armários da justiça, sem a formação de um efetivo pessoal que desse conta de acompanhar o crescente número de casos postos sob análise judicial fez com que a morosidade das decisões judiciais se tornasse uma realidade comum em nossa sociedade.
Muito embora tenha ocorrido considerável dose de boa vontade por parte do legislador constitucional ao erigir o princípio da celeridade processual ao texto da Constituição, faltou – naquela oportunidade – a demonstração de caminhos para se efetivar a aplicação dele. É possível se inferir claramente da norma redigida à época que todos têm o direito à rápida resolução de seus processos, judiciais ou administrativos, mas – em verdade – ninguém sabe como ela será atingida, ou mesmo, mensurada.
No âmbito penal são facilmente notáveis os danos causados pela morosidade judicial. Na fase de conhecimento são anos a fio em que os acusados aguardam o pronunciamento judicial sobre a acusação que recai sobre eles. A agonia existente frente ao aguardar interminável pela decisão judicial final que cessará, ou não, a liberdade do indivíduo, constitui o equivalente a impingir-lhe a pena.
Outro ponto, e que ressalvadamente merece ainda maior atenção, é a questão da celeridade no julgamento dos pedidos das benesses previstas em lei pelos condenados à prisão. Apesar do caráter ressocializador das medidas de progressão de regime e concessão de direitos aos apenados, a demora judicial na concessão destes produz justamente o efeito inverso: o desestímulo ao bom comportamento.
Um importante elemento existente no processo penal é o transcorrer do tempo, principalmente sob a ótica do réu/condenado. Icônica imagem dos filmes hollywoodianos é aquela em que os presos contam os dias de pena cumpridos através de riscos nas paredes de suas celas. Mesmo no âmbito do direito, a realidade não escapa ao transcorrer normal do tempo.
É certo que a justiça deve seguir um conjunto de ritos e procedimentos, inclusive com o objetivo de preservar o interesse e, principalmente, o direito dos cidadãos que têm contra si a opulência da opressão estatal. No entanto, mesmo a defesa de tais objetivos não pode se sobrepor ao princípio constitucional da celeridade processual, visando dar rápida resolução aos processos penais, dando assim, segurança e conforto àqueles que se encontram sob o crivo da justiça.
A realidade atual brasileira não é nada aprazível com aqueles submetidos aos procedimentos penais, seja na defesa de seus direitos e interesses (temas estudados em diversos outros artigos de minha autoria) seja na própria rápida resolução da contenda judicial.
A discussão sobre o real e total alcance do termo razoável duração do processo vai além da definição de prazos processuais. Acelerar o processo não passa necessariamente pela redução de prazos legais, ou mesmo a supressão de procedimentos legalmente previstos. Passa, em verdade, muito mais pelo azeitamento da máquina pública, buscando eliminar a paralisação indiscriminada e injustificada dos processos, antes nos armários, agora nos sistemas eletrônicos.
Uma petição não deve ficar aguardando semanas, as vezes meses, esperando apenas a conclusão processual. De igual forma não pode a parte ser penalizada ainda mais no processo quando, mesmo após a resposta judicial positiva de seus pleitos, há injustificada demora na expedição de guias, ofícios e/ou outros importantes documentos.
Em uma análise superficial parece que a resposta para a celeridade processual passa muito mais por um adequado gerenciamento das contendas existentes do que pelos excessos de prazos e petitórios existentes.
Muito se evoluiu com a implantação dos sistemas eletrônicos judiciais, que representaram um avanço nos trâmites internos do processo ao não mais exigir a movimentação física do emaranhado de volumes. No entanto, a realidade atual demonstra que ainda há muito que ser feito nessa seara para melhorar as métricas de tempo de resolução dos processos penais.
É forçoso concluir que um problema com origem multifatorial não teria uma solução simples ou mesmo mágica. Mas uma análise superficial dos dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça já dá um panorama do que pode ser melhorado na gestão do fluxo de processos nas varas e gabinetes dos juízos criminais do nosso País.
A própria análise da disparidade de tempo médio até o deslinde final dos processos criminais nos diversos Estados da federação demonstra que não há uma padronização nacional no tocante à gestão dos fluxos de análise dos processos. É intrigante perceber, por exemplo, que os processos criminais em primeiro no Estado do Rio Grande do Sul demoram, em média, nove anos e seis meses para serem concluídos, enquanto no Estado do Amapá esse tempo cai para apenas um ano e cinco meses. Há uma disparidade enorme que denota a inexistência de uma padronização mínima de procedimentos e fluxos de trabalho no âmbito das justiças estaduais brasileiras.