Migalhas de Peso

A Reforma Tributária sugerida pelo Governo Federal

Não há dúvidas quanto a necessidade de simplificação do sistema atual. Estima-se que o contencioso tributário envolve R$ 3,4 trilhões, ou seja, mais de 50% do PIB.

12/7/2021

(Imagem: Divulgação)

Como estudiosa do direito tributário, tenho acompanhado ao longo dos anos as inúmeras tentativas de reforma tributária. A maioria delas com um olhar cético tal como o do querido Professor Paulo de Barros Carvalho1.

O nosso sistema jurídico é complexo e, para reduzir sua complexidade seria necessária uma redistribuição das competências tributárias, o que envolve um enorme embate político entre União, Estados e Municípios. 

Não há dúvidas quanto a necessidade de simplificação do sistema atual. Estima-seque o contencioso tributário envolve R$ 3,4 trilhões, ou seja, mais de 50% do PIB. O tempo de duração de um processo tributário é mais de 18 anos. A quantidade de legislação tributária é colossal: 16 emendas constitucionais tratam da matéria, assim como mais de 390 mil normas.

Toda essa burocracia tem um custo alto. São necessárias 2 mil horas de trabalho por ano e mais de R$ 60 bilhões de reais para o cumprimento de todas as obrigações tributárias. Os contribuintes brasileiros têm oito vezes mais trabalho com o compliance do que a média dos demais países.

O maior problema é em relação à tributação sobre o consumo. São 26 Estados, o Distrito Federal e 5.568 Municípios disputando as receitas do que deveria ser um único imposto sobre o valor agregado. Nesse cenário temos conflitos de competência, divergências na regra-matriz de incidência tributária, tributos em cascata, não-cumulatividade capenga, ausência de uniformidade no procedimento administrativo fiscal, duplicidade de obrigações acessórias e inúmeras exceções, tributação monofásica, substituição tributária, incentivos fiscais e outras anomalias. Tudo isso causa incerteza e custa caro para os contribuintes brasileiros.

Atualmente, a desejada unificação da tributação do consumo proposta pelas PECs 45 e 110 perdeu força. A sugestão do Governo Federal de combinação do PIS e da COFINS não tem abrangência necessária para simplificar o sistema. Não há uma proposta para a alteração da tributação sobre a folha de salários, que desincentiva o empreendedorismo e afeta a renda das famílias. E, principalmente, falta uma reforma financeira para cuidar das despesas do Estado, como sugeriu o Professor Fernando Scaff3.

Em meio ao caos da crise econômica e sanitária, o Governo Federal divulgou sua proposta de reforma do imposto sobre a renda, o PL 2337/2021.

O "propósito" seria aumentar o imposto de renda dos "super ricos", mas, na verdade, acaba por atingir a classe média4.

De fato, a alteração na tabela progressiva do imposto de renda das pessoas físicas - IRPF não é relevante, mas mera atualização. Não foram criadas novas alíquotas e as faixas continuam insuficientes para que haja uma efetiva redistribuição de renda.

Na proposta do Governo Federal, todos os brasileiros que ganham mais de R$ 5.300,00 (cinco mil e trezentos reais) serão considerados "super-ricos", de modo que um professor universitário que ganha cerca de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) pagará a mesma alíquota de IRPF que o Silvio Santos, que no passado era considerado o maior contribuinte de IRPF no Brasil.

Outra falácia é a tributação dos dividendos5. Todo o lucro recebido pelos sócios é resultado da atividade da empresa, que sofreu a incidência de tributos sobre o faturamento (contribuições ao PIS e Cofins), assim como do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido.

A tributação do lucro na pessoa jurídica e na pessoa física seria um desincentivo ao empreendedorismo e não resolveria a questão da "pejotização".

A "pejotização" decorre da alta carga tributária sobre a folha de salário: a contribuição do empregador sobre a folha de salários 20%; contribuição para riscos ambientais do trabalho (RAT) de 1% a 12%; o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de 8%; o salário educação de 2,5%; a contribuição ao Incra de 0,2% e as contribuições do Sistema S – Sebrae 0,3%, Senac 1%, Senai 1%, Senar 2,5%, Senat 1%, Sesc 2%, Sescoop 2,5%, Sesi 1,5% e Sest 1,5%.

O total dos encargos previdenciários varia de 34% a 45%, sendo que a alíquota média da tributação da folha de salários nos países da OCDE está entre 18% e 22%.

A tributação do lucro na pessoa jurídica e a isenção de IRPF sobre dividendos são essenciais para milhões pequenas empresas, que são grandes responsáveis por empregos formais no setor privado.

Como se depreende do gráfico acima, ao contrário do que sustenta o Governo Federal, a pretensão de tributar o lucro na pessoa jurídica e na pessoa física implicará sim aumento de carga tributária global.

Assim sendo, a intenção de promove justiça fiscal e evitar a “pejotização” dificilmente será concretizada pelo PL 2337/2021. Ao contrário, o aumento da carga tributária para a classe média poderá estimular a informalidade ainda maior nas pequenas e médias empresas.

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1- Disponível aqui.

2- Disponível aqui.

3- Disponível aqui.

4- Disponível aqui.

5- Disponível aqui.

Alessandra Okuma
Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP, sócia da Izu Medeiros Advogados.

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