Migalhas de Peso

Da possibilidade de citação e intimação judicial por meio do aplicativo WhatsApp ou similares

Diante dessa nova era que se avizinha, é importante acompanhar como o tema será enfrentado pelos tribunais do país.

12/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A comunicação veio se desenvolvendo de maneira muito rápida nos últimos anos, especialmente devido aos avanços da internet, bem como de diversos dispositivos e aplicativos para sua utilização.

Praticamente todos que viveram nos anos 80 sequer imaginavam que chegaríamos a onde estamos em 2021, com verdadeiros computadores de bolso, que abrem um leque de possibilidades ilimitadas, e conectam todos os lugares do mundo em tempo real com apenas um clique, permitindo compartilhamento vídeos, fotos, mensagens e acima de tudo informações de maneira instantânea.

Isso tudo sem dizer que os celulares se tornaram extremamente populares, verdadeiros itens obrigatórios para todos os cidadãos do mundo, pois com eles as pessoas se mantem conectadas 24 horas por dia, 7 dias por semana, ou seja o celular se tornou algo indispensável e essencial para grande maioria da população.

Nesta nova realidade que é impulsionada pela tecnologia, foram desenvolvidas diversas ferramentas de comunicação como WhatsApp, Telegram, Mensseger, Instagram, Viber, entre outros, visando especialmente a comunicação e interação social entre pessoas de forma extremamente fácil e acessível. Para isso é apenas necessário ter um celular (e nem precisa ser o mais moderno), um número de telefone ou uma conexão de internet.

Pois bem, então é certo que os celulares se tornaram itens obrigatórios e que os meios de comunicação através dos celulares, se popularizam ao ponto da grande maioria das pessoas estarem 100% conectadas na maior parte do tempo. Então, a pergunta que se faz é: Por que o Judiciário não utiliza esse meio de comunicação para citar ou intimar as pessoas envolvidas nos processos para responder por seus atos?

Na realidade, o Código de Processo Civil em vigor (lei 13.105/2015) trouxe importantes inovações sobre a "Prática Eletrônica de Atos Processuais", estabelecendo entre os artigos 193 a 199 algumas premissas sobre a utilização pelo Poder Judiciário desse meio de comunicação. Destacamos, a redação do artigo 193 do CPC:

"Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei."

Contudo, embora o Código de Processo Civil tenha dado importante passo na direção de um processo menos burocrático e mais tecnológico, se por um lado abordou o tema inserindo facilidades como intimações de alguns atos até por meio eletrônico, a citação (que é o ato de chamamento ao processo da parte) ainda encontra alguns obstáculos, que serão explicados nas linhas a seguir.

Abaixo para registro algumas disposições legais sobre o tema:

Art. 106. Quando postular em causa própria, incumbe ao advogado:

II - comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço.

§ 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II, serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos.

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.

Art. 477. O perito protocolará o laudo em juízo, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento.

§ 4º O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência.

Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:

III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

Art. 876. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

§ 1º Requerida a adjudicação, o executado será intimado do pedido:

III - por meio eletrônico, quando, sendo o caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos.

Notem, que a questão foi tratada pelo Código de Processo Civil atual, porém, sem esclarecer qual seria o "meio eletrônico" para realização dessas intimações, tampouco deixando claro qual seria o mecanismo para convalidar o recebimento dessas intimações, o que traz incertezas quanto ao recebimento ou não das mensagens eletrônicas por seus destinatários.

Já em relação a citação, consta expressamente do artigo 246 do Código de Processo Civil:

Art. 246. A citação será feita:

I - pelo correio;

II - por oficial de justiça;

III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;

IV - por edital;

V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei.

§ 1º Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta.

E a lei 11.419/20061, que regula a informatização do processo judicial, condiciona a prática de atos processuais por meio eletrônico ao credenciamento perante o Poder Judiciário, bem como ao uso de assinatura eletrônica, o que não está acessível para todas as partes e pode inviabilizar o acolhimento de citação por meio eletrônico.

Ainda em relação a forma de citação, cumpre observar que não houve vedação, inclusive os parágrafos 1º e 2º do artigo 246, estabelecem que empresas são obrigadas a manter em seus cadastros nos sistemas de processos, endereços válidos para fins de citação e intimação. Portanto, vemos que já existe uma previsão legal que determina a manutenção de cadastros atualizados pata citação e intimações nos processos, o que importa em grande avanço para o processo.

Contudo, considerando as exclusões das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, bem como todas as demais pessoas físicas, não há até o momento uma regulamentação para que os atos de intimação e citação sejam aceitos pelo Judiciário de forma automática.

No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Comunicado CG 2.265/20172, disponibilizado no DJE em 5/10/2017, veda a utilização do "WhatsApp" para citações e intimações, com exceção recente, na hipótese prevista no Comunicado CG 262/20203, que em razão da pandemia de COVID-19, permite a utilização do aplicativo, exclusivamente, por Oficial de Justiça, para intimar vítima sobre concessões ou indeferimentos de medidas protetivas no âmbito da lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Por outro lado, existem decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (HC 641.8774 e HDE 2.9355) admitindo a intimação por WhatsApp, desde que se possa ter certeza de que o número de telefone receptor da mensagem eletrônica, seja do destinatário ou se possa comprovar a autenticidade da identidade da parte a ser citada. Ainda existem outros casos análogos perante o STJ (HC 633.317/DF; HC 644.629/RJ; HC 644.544/DF; e HC 644.543/DF).

No primeiro julgado (HC 641.877), as instâncias ordinárias consideraram inequívoca a citação realizada pelo Aplicativo WhatsApp, por meio de Oficial de Justiça, o qual certificou nos autos que realizou a citação da parte. Contudo, ao analisar a questão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por anular a citação, tendo em vista que como o citando não encaminhou sua foto, tal questão dificultou sua correta identificação, afastando inclusive a presunção de fé pública do Sr. Oficial de Justiça, que não foi suficiente para convalidar o ato.

Já no caso HDE 2.935 que também tramitou perante o Superior Tribunal de Justiça, houve convalidação da citação realizada por Oficial de Justiça por meio do Aplicativo WhatsApp, tendo a parte recebido a intimação por meio do aplicativo e confirmado o recebimento da contrafé, o que restou convalidado pelo STJ ao analisar a questão, portanto, neste caso a citação por meio do aplicativo foi reconhecida.

Não se pode olvidar que a citação é um dos atos mais importantes do processo, pois é por meio dele que a pessoa toma conhecimento das imputações colocadas contra si e, assim, passa a poder apresentar seus argumentos contra a versão apresentada. Nesse momento, aperfeiçoa-se a relação jurídico-processual que garante o contraditório e a ampla defesa, por meio do devido processo legal.

Como visto, embora não exista uma regulamentação sobre a forma de citação por meio eletrônico, é possível realizar essa forma de citação, desde que se possa identificar a parte que se pretende citar, bem como, ser o ato realizado por Oficial de Justiça, atendendo a presunção de fé pública.

Ademais, vemos que a pandemia de covid-19 também trouxe uma nova realidade para realização dos atos judiciais, sendo certo que hoje, mais que uma tendência, se mostra uma realidade a efetivação dos atos judiciais por meios menos burocráticos, mais tecnológicos e acessíveis como o WhatsApp, desde que cumpridos alguns requisitos já desenhados pelo Superior Tribunal de Justiça nas decisões acima mencionadas.

Diante dessa nova era que se avizinha, é importante acompanhar como o tema será enfrentado pelos Tribunais do país, sem perder de vista a necessidade de regulamentação sobre a forma de citação, bem como, a definição de critérios para validade de tão importante ato no processo.

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Carlos Gustavo Baptista Pereira
Sócio do escritório Ferraz de Camargo Advogados.

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