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As controvérsias da lei 14.151/2021

A lei 14.151/21 dispõe sobre a necessidade do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante esse período de estado de emergência.

30/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Os impactos da pandemia, ainda persistente, são uma constante na área trabalhista, principalmente no que diz respeito ao regime de trabalho. Apesar de terem sido adotadas medidas mais restritivas ao trabalho presencial nos meses iniciais, o retorno é uma realidade cada vez mais presente.

Logo no início da crise sanitária, o critério para definir a possibilidade do trabalho in loco era a natureza da atividade exercida, fixando-se divisão clara e contrastante entre as atividades essenciais, que poderiam aproveitar regime presencial, e as não-essenciais, que deveriam recorrer ao trabalho remoto.

Com o trabalho presencial sinalizando um retorno gradual em todas as áreas, bem como a exigência para alguns setores e atividades, os legisladores se depararam com a necessidade de fornecer proteções normativas aos trabalhadores mais vulneráveis. Com isso, no último dia 13 de maio, foi publicada a lei 14.151/21, que dispõe sobre a necessidade do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante esse período de estado de emergência.

A legislação buscou proteger um grupo específico em razão de sua condição, mas, por outro lado, acabou por gerar diversos questionamentos sobre a sua implementação e eficácia. Isso porque o texto da lei tem apenas dois artigos estabelecendo que a empregada gestante deverá permanecer afastada de atividades presenciais, sem prejuízo de sua remuneração, devendo ficar à disposição para o exercício de suas atividades por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou à distância.

Como o texto legal é muito lacônico, diversas questões de relevância, como, por exemplo, os casos em que não é possível o desempenho das atividades laborais de forma remota não foi devidamente abordado, gerando muitos questionamentos surgiram de imediato. Uma das dúvidas que surgem diz respeito à possibilidade de transferência da empregada para outra função que possa ser exercida remotamente

Como a lei é silente nesse aspecto, alguns defendem que o empregador poderá transferir a empregada gestante para uma função compatível com o trabalho remoto, desde que adequada às condições pessoais de cada empregada. Há ainda quem defenda a adoção das alternativas previstas pela  MP 1.046/21 – banco de horas e antecipação de férias – para os casos em que houver impossibilidade de exercício da atividade de forma remota, como uma maneira de reduzir os impactos causados pela manutenção da integralidade dos salários sem a devida prestação de serviços e ainda, com eventual necessidade de contratação de pessoal para substituição da empregada afastada. Claro que nenhuma das alternativas citadas é isenta de riscos, justamente em razão da lacuna legislativa imposta pela nova lei.

Outro ponto que merece destaque pela ausência de esclarecimento diz respeito ao fato que a lei somente menciona a sua aplicabilidade às "empregadas", pelo que a interpretação mais restritiva seria no sentido de que deve existir vínculo empregatício, ficando de fora trabalhadoras autônomas, servidoras públicas ou submetidas a qualquer outro regime diferenciado, diretoras não empregadas e estagiárias, por exemplo.

A discussão aqui surge, portanto, acerca de eventual tratamento desigual entre empregadas gestantes que apresentam a mesma condição física, mas relação jurídica distinta.

Além das dúvidas trazidas acerca da implementação prática das regras estabelecidas, a lei ela traz à tona uma discussão sobre o seu conteúdo discriminatório, seja com relação às demais trabalhadores em situação de risco, como aquelas portadoras de doenças respiratórias, imunocomprometidas, idosas, dentre outros fatores, seja com relação à própria mulher.

Claro que a intenção primordial do legislador é a proteção da criança, portanto, a necessidade do tratamento igual às demais empregadas em situação de risco fica superada.

Nesse sentido, a lei tem sofrido muitas críticas por acentuar a discriminação já existente com relação à mulher em idade fértil ou em período gestacional, o que pode resultar no incremento das já existentes diferenças de salários e oportunidades entre os dois gêneros.

A proteção específica para as gestantes gera um ônus muito grande para o empregador, que terá de arcar com a manutenção da remuneração da trabalhadora afastada e, em muitos casos, contratar quem a substitua. Não há, nesse sentido, nenhum mecanismo à disposição do empregador para que ele tenha algum incentivo na contratação de mulheres.

Assim, a nosso ver, embora louvável a intenção do legislador em proteger o bebê e, por consequência, as gestantes, a lei peca por deixar lacunas quanto a temas que viabilizariam a sua efetiva observância, bem como gera discussões quanto à discriminação de outras trabalhadoras gestantes com relação jurídica diversa do regime empregatício e ainda acentua o preconceito quanto ao trabalho da mulher.

É preciso, portanto, uma nova lei para preencher as lacunas deixadas pela norma atual, bem como endereçar o ônus do empregador que está sendo obrigado a arcar com custos adicionais, sem nenhuma contrapartida, nesse período difícil. Esperamos que essa nova regulamentação venha depressa, uma vez que a aplicabilidade da lei 14.151/21 é imediata.

Leonardo Kaufman
Associado da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe.

Gustavo Peinado
Colaborador da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe.

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