O Projeto de Lei Complementar 146/19, que vinha sendo discutido desde o início de 2019, após ter a sua redação final aprovada pelo Senado em maio deste ano, enfim foi sancionado pelo Presidente. O Marco Legal das Startups (“MLS”) recebeu sanção presidencial – com vetos - e foi publicada no Diário Oficial da União (“DOU”) na edição do dia 2/6/21 como Lei Complementar 182/21, a qual entrará em vigência após 90 dias de sua publicação oficial.
Estruturalmente, o MLS aborda os seguintes pontos:
a) Capítulo I (princípios e diretrizes gerais);
b) Capítulo II (definição de startup);
c) Capítulo III (instrumentos de investimento em inovação);
d) Capítulo IV (mecanismos de fomento à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação);
e) Capítulo V (criação de um ambiente regulatório experimental – “sandbox” - estendido às startups de todos os setores);
f) Capítulo VI (contratação de startups pelo Poder Público); e
g) Capítulo VII (alteração de outras legislações).
De início, destacamos a formulação de princípios, diretrizes gerais e objetivos que o MLS almeja alcançar, tais como o reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental do país, o incentivo ao desenvolvimento de um ecossistema voltado à inovação, a modernização do ambiente de negócios, o aperfeiçoamento das políticas públicas de fomento ao empreendedorismo inovador, entre outros. Ainda que tais previsões não tratem exatamente de regras de conduta, possuindo pouca aplicação prática, são elas que servirão de alicerce para a compreensão do MLS, pois espelham a ideologia por trás do texto normativo.
Um dos pontos centrais do MLS foi definir o enquadramento do que constitui uma startup. Desde logo, percebemos que a Lei procurou enquadrá-las através dos seguintes critérios: atividade realizada, faturamento bruto e tempo de existência. Basicamente, podemos dizer que são enquadrados como startup o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresariais, as sociedades cooperativas e as sociedades simples com receita bruta de até R$16mi no ano-calendário anterior (ou R$ 1.333mi multiplicado pelos meses de atividade, para menos de 12 meses de operação) e com inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (“CNPJ”) não superior a 10 anos.
Outra disposição importante é aquela que visa a garantir maior proteção e segurança aos investidores, deixando claro que, em determinadas modalidades de aporte, eles não serão considerados sócios. Os investidores, portanto, que poderão ser pessoa física ou jurídica, não responderão por qualquer dívida da empresa a depender da modalidade de aporte de capital escolhida, reforçando a limitação da sua responsabilidade. Almeja-se com isso garantir maior facilidade de acesso a crédito pelas startups.
Por meio de novos mecanismos de investimento, o MLS busca incentivar o aporte de capital nas startups ao autorizar que as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras, possam cumprir seus compromissos com aporte de recursos nessas empresas.
O MLS buscou estender, também, a criação de ambientes regulatórios experimentais (“sandboxes”) por entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial, para negócios inovadores de todos os setores. Cada entidade disporá sobre o funcionamento específico do sandbox, estabelecendo critérios de seleção e qualificação do regulado, a duração e o alcance da suspensão de incidência de normas e quais serão as normas abrangidas. Ao permitir que os entes reguladores dos mais diversos setores criem sandboxes para negócios inovadores, o MLS incentiva que as startups ingressem nesses ramos e desenvolvam soluções inovadoras para essas áreas, possibilitando o lançamento de produtos com menos burocracia.
Com relação à contratação de soluções inovadoras pelo Poder Público, o MLS instituiu uma modalidade especial de licitação aplicável às startups, que se mostra mais ágil e menos burocrática em termos de tramitação e documentação, estimulando o lançamento de propostas com soluções inovadoras para demandas públicas. A partir do resultado da licitação, a administração pública deverá celebrar o que o MLS denominou de Contrato Público para Solução Inovadora (“CPSI”), cujas características e cláusulas obrigatórias constam na nova Lei. Encerrado o CPSI, é facultado à administração pública celebrar com a mesma startup, sem nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública. Ou seja, com o MSL, as startups passam a ter acesso facilitado a licitações, permitindo que o Estado conte com soluções inovadoras com menos embaraços, além de fazer com que o empreendedorismo inovador ganhe maior escala e competitividade no mercado.
Por fim, com o intuito de integrar o regime jurídico das startups em outras legislações, foram feitas alterações significativas na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.” ou “LSA”) e na Lei Complementar nº 123/2006 (“Lei das ME e EPPs”).
No que toca às alterações na LSA, entende-se que o MLS buscou simplificar a estrutura das Sociedades Anônimas. Isso porque, com o advento da nova Lei, as companhias de capital fechado com faturamento anual de até R$ 78mi poderão fazer as publicações exigidas pela Lei de modo eletrônico – e não mais em jornais impressos -, bem como poderão substituir seus Livros físicos pelo meio digital. Além disso, o MLS trouxe ainda a possibilidade de, nas hipóteses em que o estatuto for omisso, decidir-se livremente em Assembleia Geral a forma de distribuição dos dividendos, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade. De outro lado, o MLS também permitiu o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais (vale dizer: aquelas que tenham faturamento anual de até R$500mi), determinando que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) regulamente as condições facilitadas para tanto. Por fim, o Marco Legal autorizou que a diretoria da companhia possa ser composta por apenas um membro.
Quanto às mudanças na Lei das ME e EPPs, o MLS, entre outras questões, trouxe maior definição aos investidores-anjo, especificando que os aportes de capital poderão ser realizados por pessoa física, jurídica ou por fundos de investimento. Foi reforçada, ainda, a limitação da responsabilidade patrimonial dos investidores, destacando que, apesar de não ser considerado sócio ou administrador, poderão participar nas deliberações em caráter estritamente consultivo e exigir dos administradores a prestação de contas da sociedade.
Sendo assim, pode-se dizer que a aprovação do Marco Legal das Startups deve ser celebrada, pois densifica a definição de startup e traz maior segurança aos empreendedores e investidores, fortalecendo esta crescente modalidade empresarial.