Está sendo discutido na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL 490/2007) que visa alterar o Estatuto do Índio e a demarcação das terras indígenas, tratando entre seus dispositivos o marco temporal, teoria que considera terra dos índios apenas as que já estavam em posse desses povos na data da promulgação da Constituição ou comprovando que houve renitente esbulho, isto é, a perda do bem por questão de violência. O texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) também torna menos rígido o contato com povos isolados, proíbe ampliação de terras demarcadas e a exploração desses territórios pelos grileiros e garimpeiros para a exploração de minérios e construções de hidrelétricas.
A PL prevê mudanças significativas nos direitos garantidos aos nativos, dando margem a proveito de interesses econômicos que visam o ideal exploratório não levando em consideração os povos, a cultura e o meio ambiente. O propósito da PL peca em sua validade técnica pois muitos títulos são abertos com margem de interpretação divergente, como por exemplo a permissão que terras reservadas possam ser retiradas dos indígenas se a União considerar que perdeu seu traço cultural. Não há em nossa Carta Magna dispositivos que acentuam ou limitam o sentido dos costumes e tradições aos indígenas, muito menos cabe ao legislador tal expressão em delimitar os sentidos culturais de um povo.
No mais o projeto apresenta dispositivos inconstitucionais, como a tentativa de mudar a Constituição quando possibilita o contato forçado com os povos que vivem isolados voluntariamente, contrariando categoricamente o artigo 231 da Constituição quando menciona: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." As tradições e costumes são direitos dos indígenas garantido na Constituição e sendo assim, há vicio formal na elaboração de tal dispositivo, pois caberia apenas EC para alteração da Constituição e não projeto de lei.
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, menciona em seu artigo 8º "os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura."; além do artigo 26º da mesma declaração que assegura aos Estados o reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
A proposta está carregada de falhas graves e inconstitucionais, além de ferir dispositivos internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) onde explicita a necessidade de que os governos deverão consultar os indígenas, mediante procedimentos apropriados e, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente.
Infelizmente a falta de diálogo com os índios, a repressão as manifestações que retiraram o direito de se manifestarem contra o projeto, violou expressamente a Convenção e principalmente os direitos garantidos, pois a CCJ deveria sobretudo discorrer e ouvir os principais afetados pelas medidas.
O relator também menciona o marco temporal, outro preceito que visa delimitar ainda mais as terras dos nativos com fundamentos na exploração destes territórios e retirar os recursos naturais com ideais agropecuários e exploratórios esquecendo-se dos valores históricos e multiculturais dos povos e de seus ancestrais. Levando em consideração essa teoria e apenas levantar margem do retinente esbulho, quando estes não tinham opção e recursos para enfrentar a repressão e a invasão em suas terras, a violência, os assassinatos aos índios para exploração antes da promulgação da Constituição, quando eles não tinham voz, é violar sistematicamente os direitos fundamentais como o direito à terra, a cultura e a vida.
Por fim, não pode ser aceito qualquer forma violenta contra manifestações, principalmente dos indígenas, quando estes procuram o diálogo para salvaguardar seus direitos; muito menos negar os direitos indígenas, a Constituição Federal e as convenções internacionais que o Brasil é signatário. Um projeto de lei com diretrizes inconstitucionais claros, não deveria ter passado na CCJ como está redigido. Não devendo prosperar a proposta pelos seus vícios inconstitucionais.