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Airbnb e o alcance do que foi decidido pelo STJ

Não houve decisão vinculativa, formadora de precedente ou mesmo tendência para julgamentos futuros pois o caso concreto de locação por aplicativos era diferenciado.

29/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Como se viu estampado nos principais jornais, revistas e sites jurídicos, o Superior Tribunal de Justiça teria, por ocasião do julgamento do RE 1.819.075-RS, decidido que os condomínios poderiam proibir as locações efetuadas por meio de aplicativos.

Mas será que foi isso mesmo que restou decidido?

Antes de se analisar o que constou no v. acórdão publicado em 27 de maio de 2021, cabe dizer que não houve afetação do tema para um julgamento representativo de controvérsia, de modo a vincular futuras decisões, sendo que a 4ª turma, por maioria de votos, rejeitou recurso de uma proprietária-locadora e decidiu em favor de um condomínio. 

Poderia, então, essa decisão ser vista como uma tendência para outras análises?

O relator originário, ministro Luis Felipe Salomão, fez constar de seu voto-vencido que não estava analisando o contexto fático daquele caso concreto, mas sim a tese de fundo, tendo concluído, ao final, que "o uso regular da propriedade, em inseparável exame da função social a ser destinada ao caso, permite concluir pela possibilidade da exploração econômica dos imóveis (...), em estrita observância aos direitos dos demais condôminos."

Mas, exatamente quanto ao alcance do julgado, a ideia da corrente vencedora inaugurada pelo voto divergente do ministro Raul Araújo era distinta: "A solução da controvérsia prende-se, portanto, ao exame atento das circunstâncias do caso concreto, nos termos em que delimitados pelas instâncias ordinárias".

No mesmo sentido foram as esclarecedoras palavras do ministro Antônio Carlos Ferreira: "...creio que haveria um equívoco se este julgamento fosse divulgado de modo a vincular seu resultado à atividade desempenhada pelas empresas de aplicativos, como é o caso do assistente admitido nestes autos, o "Airbnb". (...) por esse motivo que entendo não ser este o processo mais adequado para que dele se possa extrair uma abrangência maior e criar precedente específico sobre a questão envolvendo os aplicativos pelos quais os usuários oferecem seus imóveis para uso temporário (locação para temporada)."

E com isso, para se compreender porque esse julgado não serve como precedente, explica-se que, ao revés do que ocorre costumeiramente nas locações por aplicativo, no caso dos autos existia (de forma contrária às regras da plataforma do Airnb) a utilização comercial do imóvel, tendo se comprovado (nas instâncias inferiores) que a proprietária-locadora montou um verdadeiro hostel em suas duas unidades no edifício, incluindo serviço de lavanderia e tendo alterado, inclusive, a planta dos apartamentos para aumentar a capacidade de hóspedes.

No tratamento da hipótese narrada, não só o relator classificou essa locação como um "contrato de hospedagem atípico", como o ministro Antônio Carlos Ferreira fez questão de mencionar em seu voto que: "a tese e a antítese sustentadas pelas partes litigantes tratam, exclusivamente, da qualificação dos serviços fornecidos pela recorrente, discussão que não sofre influência pela forma com que são oferecidos ou contratados, se por meio de aplicativo ou mesmo por qualquer outra modalidade (imobiliária, anúncio em jornais, panfletagem etc.)."

Verificou-se mau uso da propriedade privada, conflitando com a convenção daquele edifício e ocasionando desconforto aos demais condôminos, não guardando, todavia, qualquer relação com o meio utilizado (aplicativo), tanto que o Airbnb sequer era parte original do processo.

A questão de fundo, repita-se, não enfrentada pela e. 4ª turma do STJ, é bem mais complexa do que somente estabelecer regras para a locação de imóveis por aplicativos, residindo no conflito de atividades "modernizadas" pelas startups (muitas das quais praticando a economia de compartilhamento) com os atuais modelos que representam o status quo.

Em situação análoga (julgamento do RE 1.054.110/SP), que tratava da atividade exercida pela Uber, assim ensinou o eminente ministro do STF Luis Roberto Barroso: "...nós temos de aceitar como uma inexorabilidade do progresso social o fato de que há novas tecnologias disputando mercado com as formas de tradicionais de oferecimento de determinados serviços.  (...) O desafio do Estado está em como acomodar a inovação com os mercados pré-existentes, e penso que a proibição da atividade na tentativa de contenção do processo de mudança, evidentemente, não é o caminho, até porque acho que seria como tentar aparar vento com as mãos."

Conclui-se, por fim, que não houve decisão vinculativa, formadora de precedente ou mesmo tendência para julgamentos futuros pois o caso concreto era diferenciado, tendo sido decidido o contexto fático e não a tese de fundo, que, por sua vez, quando for analisada, revelará tratar-se a locação por aplicativos de uma atividade absolutamente legal e em linha com vários princípios de direito, dentre os quais a função social e os direitos da propriedade.

 

Paulo Maximilian W M Schonblum
Sócio de Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados Associados

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