Migalhas de Peso

Tributação do resultado da "tese do século"

Análise do momento adequado para a tributação de IRPJ e CSLL dos valores recuperados de PIS e Cofins após a exclusão do ICMS da base de cálculo.

25/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Após a definição pelo Supremo Tribunal Federal da denominada "tese do século", de que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins, cinco principais correntes surgiram em relação ao momento da tributação de tais valores a título de IRPJ e CSLL, quais sejam: (i) trânsito em julgado da ação judicial ajuizada pela empresa; (ii) efetiva mensuração dos créditos pela empresa, aliados ao reconhecimento contábil dos valores a recuperar, debitados no ativo e creditados na receita; (iii) habilitação dos créditos junto a Receita Federal do Brasil; (iv) compensação dos créditos com outros tributos federais; e (v) homologação da compensação pela Receita Federal do Brasil.

Ocorre que para determinar o momento adequado da tributação dos referidos valores a título de IRPJ e CSLL, se faz necessário entender o próprio conceito de renda, sendo que de maneira didática, citamos as lições do professor Heleno Torres1:

"O conceito de renda é bem marcado constitucionalmente. Destarte, "renda" não pode ser nem patrimônio, nem capital, nem lucro, nem faturamento, nem expectativa de lucro, porque, nada obstante existirem divergências doutrinárias quanto à conceituação do fato gerador do Imposto sobre a Renda, um ponto é inequívoco: a "renda" sempre será representada por um acréscimo no patrimônio da pessoa, sem o qual inexistirá o fato gerador da obrigação tributária, e consequentemente, o pagamento do imposto."

No mesmo sentido são as considerações do professor Paulo de Barros Carvalho2 ao explicar que no Brasil existem três correntes doutrinárias sobre o conceito de renda, quais sejam: (i) teoria da fonte, definindo renda como o produto de uma fonte estável e de reprodução periódica de renda; (ii) teoria legalista, que considera renda como aquilo em que a lei estipula como sendo renda; e (iii) teoria do acréscimo patrimonial, definindo renda como um incremento líquido do patrimônio de determinado indivíduo em um certo período de tempo, sendo essa a teoria adotada no Brasil, conforme se extrai do conteúdo do art. 43 do Código Tributário Nacional.

Assim sendo, é essencial verificar se a operação em análise é tipificada pela legislação tributária como uma situação sujeita à incidência tributária, ou seja, cumpre-nos aferir a existência ou não do fato gerador da obrigação tributária. Como muito bem aponta o professor Luís Eduardo Schoueri3, "no antecedente normativo da regra matriz, encontra-se aquilo que, na terminologia do Código Tributário Nacional (art. 114), é o "fato gerador": a situação definida em lei como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação tributária principal".

Cabe destacar que no Brasil prevalece o critério material de aumento do patrimônio como hipótese de incidência tributária do imposto sobre a renda, auferido pela identificação do aumento de capital através da variação de entradas e saídas em um determinado período de tempo. Ademais, nos lembra o professor Heleno Torres4 do posicionamento do STF em restringir a atuação do legislador ordinário através do exercício do controle de constitucionalidade de leis ordinárias que enxergavam renda em situações as quais não se verificavam acréscimo patrimonial. Vejamos:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CONCEITO. LEI N. 4.506, DE 30.11.64, ART. 38; CF/46, ART. 15, IV, CF/67, ART. 22, IV; EC 1/69, ART. 21, IV. CTN, ART. 43. I – Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou auferimento de algo, a título oneroso. CF/46, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43. II – Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei n. 4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuídos. III – RE conhecido e provido. (RE 117.887-6-SP, STF, pleno, rel. min. Carlos Velloso, j. em 11.2.93, DJU-I, 23.4.93, p. 6923)." (Grifo Nosso)

Desta forma, afastando eventuais posicionamentos doutrinários divergentes quanto ao fato gerador do imposto sobre a renda, entendemos ser possível concluir que renda é um ganho ou um acréscimo de patrimônio, que ocorre mediante o ingresso de algo, a título oneroso, sem o qual se mostra inexistente o fato gerador da obrigação tributária, de forma que se resulta como renda tributável o acréscimo patrimonial obtido como condição de riqueza nova e disponível ao beneficiário determinado.

Feitos os esclarecimentos iniciais, temos que a Receita Federal do Brasil já manifestou em diversas soluções de consulta5 o entendimento de que o trânsito em julgado da sentença seria o marco temporal para a tributação dos valores a título de IRPJ e CSLL nos casos de indébitos. Além disso, o art. 5º do ato declaratório interpretativo SRF 25/03, estabelece:

Art. 5º Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.

§ 1º No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL:

I - na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou

II - na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.

Atentando para a decisão objeto da presente análise, que não é líquida bem como não houve, ainda, a posterior habilitação dos créditos, entendemos que o sujeito passivo sequer estabeleceu o modus operandi da utilização dos valores a serem apurados objeto da ação judicial, seja via compensação, seja via precatório, nos termos da súmula 461 do STJ.

Sendo assim, ante todo o exposto e considerando as correntes propostas quanto ao momento do reconhecimento dos valores como base de cálculo para IRPJ e CSLL, entendemos adequada a adoção daquela em que se verifica a homologação de uma eventual compensação realizada pela empresa, considerando o disposto no art. 74 da lei 9.430/96, e observado, evidentemente, todo o percurso estabelecido pela instrução normativa da Receita Federal do Brasil 1.717/17, tendo em vista que apenas nesse momento resta caracterizada a ocorrência da hipótese de incidência do imposto sobre a renda pelo viés constitucional, correspondente ao acréscimo patrimonial obtido como condição de riqueza nova e disponível ao beneficiário determinado.

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1 TORRES, Heleno. Comentário ao artigo 153. In: CANOTILHO. J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. Pag. 1.686-87.
2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 7ª Edição. São Paulo: Noeses. Pag. 699.

3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015. Pag. 505.
4 TORRES, Heleno. Op. Cit.. Pag. 1.831.
5 Vide: (i) Solução de consulta DISIT/SRRF06 106/10; e (ii) Solução de consulta DISIT/SRRF10 233/07.

Daniel Piga Vagetti
Advogado e contador, atuante no consultivo tributário e pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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