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Retirada imotivada do sócio de sociedade limitada

STJ decide que o sócio de limitada, ainda que regida supletivamente pela lei das S/As, tem direito de retirar-se imotivadamente da sociedade.

28/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Os tribunais nacionais encaram com tranquilidade a possibilidade de o sócio de sociedade limitada retirar-se imotivadamente da empresa, sem a necessidade de qualquer medida judicial. Isso se dá graças à aplicação do artigo 1.029 do Código Civil, que estabelece que "qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios".

Contudo, alguns tribunais têm questionado a possibilidade de retirada imotivada de sócio quando a sociedade limitada é regida supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas ("LSA").

Não é incomum que os contratos sociais de sociedades limitadas prevejam que serão aplicadas supletivamente, além das normas do Código Civil, as normas da LSA, já que há várias lacunas no regramento do Código Civil aplicável às sociedades limitadas.

No entanto, há diferenças importantes entre as sociedades limitadas e as sociedades anônimas que impedem que algumas disposições da LSA sejam aplicadas automaticamente às limitadas. Em razão dessas incompatibilidades é que se faz o seguinte questionamento: quando o contrato social de uma sociedade limitada estabelece a aplicação supletiva da LSA – que não prevê a possibilidade de retirada imotivada dos acionistas –, pode o sócio retirar-se da sociedade com simples notificação extrajudicial, sem motivação e sem que haja processo judicial? Essa pergunta foi recentemente respondida no julgamento de recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ").1

Por unanimidade, a terceira turma entendeu que a aplicação supletiva da Lei de Sociedades Anônimas "não tem o condão de afastar o direito de retirada imotivada nas sociedades limitadas de prazo indeterminado". O relator responsável pelo julgamento, min. Paulo de Tarso Sanseverino, apresentou duas principais razões para justificar a decisão.

A primeira delas é que a Constituição Federal garante expressamente o direito fundamental de associação e de não associação. Assim, há liberdade, constitucionalmente garantida, para que os sócios se associem e, também, para que possam não permanecer associados. Nesse sentido, mesmo em sociedades anônimas, o STJ tem entendido ser possível a dissolução parcial com a retirada dos sócios dissidentes quando o capital for fechado e houver vínculo preponderantemente subjetivo e familiar entre os sócios.2

A segunda razão é que a aplicação supletiva da LSA apenas deveria ocorrer naquilo que for compatível com o regramento das sociedades limitadas. O Ministro destacou que há diferenças significativas entre sociedades anônimas e as limitadas e que isso deve ser levado em consideração quando se aplica supletivamente as disposições da LSA. As sociedades anônimas são espécies de "sociedades de capital", nas quais o acionista tem relevância em razão de seu patrimônio. Em regra, para deixar de ser sócio de um SA, basta vender as ações, o que não pode ser impedido pelos outros sócios. As sociedades limitadas, por outro lado, são "sociedades de pessoas", nas quais, de forma geral, a pessoa dos sócios importa para a sociedade. Nas limitadas, as quotas não configuram títulos livremente negociáveis, ainda que possam ser eventualmente cedidas a terceiros.

Diante dessas diferenças entre os tipos societários o STJ conclui: a simples ausência de previsão de retirada imotivada do sócio na LSA "não pode ser automaticamente interpretada como uma proibição de sua ocorrência nas sociedades limitadas regidas supletivamente por essa norma". Assim, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas, o sócio da sociedade limitada teria direito de se retirar imotivadamente.

A decisão do STJ, apesar de não colocar um ponto final na discussão acerca da possibilidade de retirada imotivada do sócio das sociedades limitadas, é um importante passo rumo à consolidação do entendimento sobre a questão.

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1 Superior Tribunal de Justiça, RE 1.839.078/SP, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª turma, julgado em 9.3.2021.
2 A título de exemplo, os julgados do Superior Tribunal de Justiça: RE 1.400.264/RS, rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 24.10.2017; EREsp 1.079.763/SP, rel. ministro Sidnei Beneti, 2ª seção, julgado em 25.4.2012; e EREsp 111.294/PR, rel. ministro Castro Filho, 2ª seção, julgado em 28.6.2006.

Gustavo Santos Kulesza
Sócio na área de Contencioso e Arbitragem do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

Thaís Vieira De Souza Pereira
Advogada de Contencioso e Arbitragem do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

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