No dia 8 de abril de 2021, o STF encerrou a votação do tema 1075 (RE 1.101.937), que versa sobre a (in)constitucionalidade do artigo 16 da lei 7.347/1985 - LACP, alterada pela lei 9.494/1997. A lei 7.347/85 disciplina a ação civil pública como meio processual legítimo para tutelar os interesses difusos ou coletivos, nos termos do seu artigo 1ª, IV, ou ainda direitos individuais homogêneos.
Para aclarar a compreensão, os direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível e seus titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Nelson Nery Jr.1 traz, de forma profícua, o conceito de direito difuso como aquele cujos titulares não se pode determinar, vez que a circunstâncias que os ligam a um determinado direito são fáticos. Ademais, o objeto desse direito é indivisível, não pode ser cindido/separado/rompido.
Como exemplo, é difuso o direito do consumidor em não ser alvo de publicidade enganosa. Na esfera trabalhista, é difuso o direito ao meio ambiente de trabalho seguro ou meio ambiente de trabalho sem discriminação.
Quanto aos direitos coletivos, ainda que se assemelhem ao direito difuso, pois transindividuais e indivisíveis, nas palavras de Nelson Nery Jr, os seus titulares fazem parte de um grupo, classe ou categoria de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica. Temos como exemplo de direito coletivo o fornecimento de Equipamentos de Proteção aos Empregados de determinada empresa.
Em seu turno, o Código de Defesa do Consumidor (majoritariamente aceito como fonte subsidiária ao processo do trabalho pela doutrina e jurisprudência, fundamentados na aplicação do artigo 769 da CLT) inovou ao preceituar, em seu artigo 812, a defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos, assim considerados aqueles que decorrem de origem comum, além de trazer a defesa dos direitos já abrangidos na lei da ação civil pública. Diferente dos institutos anteriores, os titulares são determinados e o interesse é divisível e disponível. Exemplo prático clássico é o pagamento de adicional de periculosidade aos trabalhadores de determinado setor de uma empresa.
Entendido o objeto tutelado pela ação civil pública, façamos a ressalva que, nas ações em que se busca provimento jurisdicional do Estado, o efeito das suas decisões se opera tão somente entre as partes, não beneficiando ou prejudicando terceiros, nos termos do artigo 506 do CPC, por se tratar, comumente, de conflitos individuais.
O artigo 16 da LACP, em sua redação original, disciplinava que as decisões proferidas e transitadas em julgado produziriam efeitos erga omnes, ou seja, um ato jurídico que vale para todos de forma indiscriminada.
Em 1997, foi promulgada a lei 9.494, que alterou a redação do artigo 16 da LACP, preceituando que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.
Iniciada a discussão quanto a (in)constitucionalidade do artigo, foi reconhecida a repercussão geral do RE 1.101.937, decorrente de ação coletiva de revisão contratual proposta pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra instituições financeiras.
Realizado o julgamento, foi fixada a seguinte tese:
I - É inconstitucional o art. 16 da lei 7.347/1985, alterada pela lei 9.494/1997.
II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da lei 8.078/1990.
III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas
Antes da finalização do julgamento, a tese fixada possuía uma segunda parte no item II, qual seja:
Sendo regional o alcance, serão competentes os foros ou circunscrições de capitais do Estado ou do Distrito Federal, desde que inseridos na região em que se projetem os efeitos da decisão; sendo nacional o alcance, será concorrente a competência entre as capitais de Estado e o Distrito Federal.
Contudo, fora retirada quando do encerramento do julgamento.
A declaração da inconstitucionalidade do artigo 16 da LACP não implica diretamente em efeito erga omnes das decisões proferidas em ações civis públicas. Os efeitos foram modulados no item II, de acordo com o preceito trazido no artigo 93, II do CDC – Código de Defesa do Consumidor.
Na esfera trabalhista, considerando as diferenças quanto aos temas de jurisdição e competência, provavelmente será mantido o posicionamento trazido na OJ-130 da SDI2 do TST3 que também define a competência de acordo com o CDC em seu artigo 93, ressaltando a extensão do Dano. Logo, em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma vara do trabalho, a competência será de quaisquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos. Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a ação civil pública das Varas do Trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Quanto ao local de propositura da ação sedimentado na OJ-130, em que pese não ser o cerne do estudo no presente artigo, cabe trazer, brevemente, a discordância da doutrina quanto ao tema. Tendo em vista o preceito estabelecido no artigo 2º da LACP, o qual determina que as ações previstas na lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, a doutrina aponta sua divergência quanto a OJ-130 do TST. Mauro Schiavi4 sustenta que a LACP possui regramento próprio para processar e julgar ações que tutelam direitos difusos e coletivos, ressaltando que o CDC tutela interesses individuais homogêneos, quando deveria, então, prevalecer o regramento específico de cada lei.
Não obstante as ponderações a OJ 130, da SDI-II, do C. TST, ousamos divergir, pois a lei 7.347/95 tem regra própria sobre o foro competente para as ações coletivas em que se busca a tutela de direitos difusos e coletivos.
[...]
Deve ser destacado, também que a regra de competência fixada no art. 93 da lei 8.078/90 teve à vista a ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos, e não a defesa de direitos difusos e coletivos, a serem defendidos pela ação civil pública que tem regramento próprio de competência no referido art. 2º da lei 7.347/85. Por ser específica, a regra da lei 7.347/85, esta prevalece sobre a da lei 8.078/90.
Portanto, no nosso sentir, as ações coletivas para defesa de direitos difusos e coletivos devem ser propostas no foro do local do dano, as fim de facilitar o acesso à justiça dos lesados e onde há melhores possibilidades para produção de provas.
O entendimento trazido por Mauro Schiavi nos parece mais razoável, especialmente porque se assemelha ao preceito de estipulado no artigo 651 da CLT que determina a competência territorial pela localidade da prestação dos serviços, o que facilita a produção da prova e se presume que o juízo está mais próximo do local de eventual dano, possuindo conhecimento mais aprofundado da região que atua.
Quanto aos efeitos da sentença, objeto do nosso estudo, a doutrina também já seguia o entendimento firmado pelo STF:
Assim leciona Carlos Henrique Bezerra Leite:
Ora, lei nova que dispõe de forma diversa sobre matéria tratada na lei velha, sendo ambas de mesma hierarquia, revoga-a, expressa ou tacitamente. No caso vertente, houve revogação parcial (derrogação) tácita do art. 16 da LACP pelo art. 103 do CDC.5
No mesmo sentido, Mauro Schiavi:
Pensamos não ter seguido a melhor diretriz do art. 16 da lei 7.347/85, pois a coisa julgada proferida em ações civis públicas não tem efeito somente no limite da competência territorial do órgão julgador, pois é da essência dos interesses difusos e coletivos gerarem consequências em limite territorial indeterminado. Portanto, no nosso sentir, a coisa julgada na ação civil pública produz efeitos em todos os lugares onde houve a eclosão dos danos de origem difusa ou coletiva. Nesse sentido são os incisos I e II do referido artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.6
Ponto de extrema importância da citação do Mauro Schiavi é a limitação dos efeitos da decisão nos locais em que ocorrem o dano, ainda que numa sentença de efeitos suprarregionais.
Num breve parênteses, considerando os efeitos da sentença após a declaração da inconstitucionalidade do artigo da LACP, temos que as tutelas de urgência, permitidas nas ações civis públicas por força do artigo 12 da lei 7.347/85 e artigo 84, §3º do CDC seguirão os mesmos regramentos dos efeitos no espaço da sentença definitiva, tendo em vista, ainda, o preceito do artigo 299 do CPC. Logo, cumpridos os requisitos da tutela de urgência pleiteada, a decisão, ressaltando o entendimento de Mauro Schiavi, "produz efeitos em todos os lugares onde houve a eclosão dos danos de origem difusa ou coletiva."
Por fim, temos que a sentença não produz efeitos de forma indiscriminada, devendo naturalmente, ser observado onde o dano ocorreu. Ainda que a decisão tenha efeitos nacionais, se não houve dano em determinada localidade, não há que se falar em produção dos efeitos da sentença, posto que não é necessária a intervenção do judiciário naquela região.
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1 NERY JUNIOR, Nelson. Citado por SCHIAVI, Mauro. Direito Processual do Trabalho. 14 ed. – São Paulo: LTr, 2018. Pág. 1504.
2 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
3 OJ-SDI2-130 ação civil pública. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93.
I – A competência para a ação civil pública fixa-se pela extensão do dano.
II – Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos.
III – Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a ação civil pública das Varas do Trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho.
IV – Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída.
4 SCHIAVI, Mauro. Direito Processual do Trabalho. 14 ed. – São Paulo: LTr, 2018. Pág. 1508.
5 Leite, Carlos Henrique Bezerra Curso de direito processual do trabalho. 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. Pág. 1617.
6 SCHIAVI, Mauro. Direito Processual do Trabalho. 14 ed. – São Paulo: LTr, 2018. Pág. 1518.