No dia 16 de junho, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE 655.283, que trata da possibilidade de os empregados das empresas estatais permanecerem em seus empregos, mesmo depois da aposentadoria espontânea.
Na prática, a decisão do STF não alcançará os empregados de empresas públicas que solicitaram aposentadoria a partir de 14 de novembro de 2019.1
Correspondente ao Tema de Repercussão Geral nº 606, no julgamento, foi fixada a seguinte tese jurídica:
“A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º."
A tese não surpreendeu, ao seguir a linha condutora determinada pelos votos majoritários já antes proferidos no julgamento RE 655.283:
1) o ato de demissão do empregado público, por sua simples aposentadoria, tem natureza constitucional-administrativa, razão por que é da justiça comum a competência para o julgamento do mandado de segurança em questão;
2) concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, nos termos do que dispõe seu art. 6º.
Dentre os entendimentos divergentes proclamados, podem ser identificadas as seguintes linhas de orientação:
- o Ministro Marco Aurélio (Relator) negou provimento ao recurso, para assentar que “a Justiça Federal é competente para apreciar mandado de segurança, em jogo direito a resultar de relação de emprego, quando reconhecido, na decisão atacada, envolvimento de ato de autoridade federal e formalizada a sentença de mérito antes do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. O direito à reintegração alcança empregados dispensados em razão de aposentadoria espontânea considerado insubsistente o motivo do desligamento. Inexiste óbice à cumulação de proventos e salário, presente o Regime Geral de Previdência”;
- Já o Ministro Dias Toffoli, acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e pela Ministra Rosa Weber, negou provimento ao recurso e, em entendimento mais amplo do que aquele estabelecido pelo relator, estabeleceu que “a concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, nos termos do que dispõe seu art. 6º”;
- o Ministro Edson Fachin, o Ministro Alexandre de Moraes e a Ministra Cármen Lúcia, todavia, irmanaram-se em torno do entendimento vencido: deram provimento parcial ao recurso, para declarar que “A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB”.
Por fim, o Ministro Roberto Barroso, por seu voto, acompanhou o entendimento central do Ministro Dias Toffoli, quanto à possibilidade de permanência no emprego dos empregados públicos aposentados pelo RGPS até a vigência da nova redação do art. 37, § 14º, da CRFB. Dele divergiu, contudo, alinhando-se ao voto do Ministro Edson Fachin, ao afirmar que “os empregados públicos que tenham sido dispensados em razão de aposentadoria espontânea antes da promulgação da Emenda 103/2019 não têm direito à reintegração”. Afirmou suspeição o Ministro Luiz Fux.
Com o julgamento, o STF deixou claro aos empregados públicos que o efeito rescisório previsto pela nova redação do § 14º do art. 37 da Constituição não retroagirá, para alcançar as aposentadorias consumadas antes da promulgação da EC 103/19. Ou seja, a proibição só vale para aqueles que se aposentaram voluntariamente após 14 de novembro 2019.
Já sobre a possibilidade do recebimento acumulado de salário de empregos públicos com os proventos decorrentes de aposentadoria previdenciária pelo RGPS, também parece não ter havido disposição da grande maioria dos ministros para a fixação de tese que pusesse fim a essa questão. Mesmo já estando assente pela jurisprudência que (a) os incisos XVI e XVII do art. 37 da CF não desautorizam o recebimento acumulado de salário decorrente de empregos públicos com os proventos decorrentes de aposentadoria previdenciária pelo RGPS e (b) a vedação contida no § 10 do art. 37 da CF é dirigida àquele que pretenda a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos artigos 42 e 142 (Regime Próprio de Previdência Social – RPPS) com a remuneração de cargo, emprego ou função pública.
Somente com a publicação futura do acórdão correspondente ao julgamento é que ficarão claras a total extensão e a repercussão da tese sobre os contratos de trabalho dos empregados públicos, para além das óbvias já tornadas públicas no dia 16 passado.
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1 Nos termos do Decreto nº 10.410, publicado em 30/6/20.