"Julgamento do século!" Assim foi considerado o julgamento dos embargos de declaração opostos pela União Federal no RE 574.706/PR (tema 69 da repercussão geral), que tramitava no Supremo Tribunal Federal desde 2007, no qual havia sido fixada, em março de 2017, a tese de que "o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins".
Em breve resumo, sabemos que o nosso sistema tributário não é um dos mais simples, o que gera muitas discussões a respeito dos conceitos previstos em lei, seja para os contribuintes ou para o fisco. Por essa instabilidade conceitual, vivemos diversos episódios de insatisfação por parte dos contribuintes desde a edição da Constituição de 1988, notadamente no que diz respeito a forma de recolhimento dos tributos, a aplicação de alíquotas, a fixação da base de cálculo, a identificação de créditos, a extensão de benefícios fiscais, as formas de emissão de notas fiscais e realização de controles contábeis e, inclusive, as regras de transição em casos de criação de novos ou extinção de velhos tributos, gerando uma complexidade do sistema sem paralelo.
A piorar, os contribuintes brasileiros lidam com grande carga tributária, incidente sobre as diversas atividades exercidas por pessoas físicas ou jurídicas, a qual, sem dúvidas, é o principal motivo a levar os contribuintes ao Poder Judiciário para tentar, de alguma forma, "amenizar" essa carga, que muitas vezes acaba gerando uma desvantagem financeira.
Seguindo essa linha de raciocínio, adentramos em um assunto que tem gerado grande repercussão recentemente: o julgamento do mérito, em 2017, do RE 574.706/PR e sua modulação de efeitos nos âmbitos de valor e de tempo.
No mérito, na sessão do dia 15/3/17, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria dos votos (6 votos em favor do contribuinte X 4 votos desfavoráveis), pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Uma decisão que era aguardada há muito tempo e que trouxe uma solução definitiva para este conflito. Para entendermos melhor os impactos dessa decisão, faremos um breve esclarecimento de como é feita a tributação das contribuições sociais discutidas no julgamento.
Estamos acostumados a ouvir falar da COFINS e do PIS (em verdade, a Contribuição ao PIS) juntos, mas é preciso ressaltar que se trata de dois tributos diferentes, cada um com sua finalidade. De fato, o PIS (Programa de Integração Social) é um fundo gerido pela Caixa Econômico Federal responsável por financiar o Seguro Desemprego. Seu saldo é formado justamente pelo recolhimento da Contribuição ao PIS. Já a Cofins (Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social) é devida pelas pessoas jurídicas e destina-se exclusivamente às despesas com a Seguridade Social, que se subdivide, por norma constitucional, em três áreas: saúde, previdência e assistência social (art. 194 da Constituição Federal/1988).
A Contribuição ao PIS e a Cofins incidem sobre a receita ou o faturamento do contribuinte, como dispõe o artigo 195, I, b da Constituição Federal, que, em resumo diz: "art. 195. A seguridade social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes (...) e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa (...) incidentes sobre: (b) a receita ou faturamento."
Feitas essas considerações, podemos trazer uma análise mais clara da decisão do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com o entendimento da ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS é inconstitucional, uma vez que a parcela do tributo representa apenas o ingresso de caixa ou trânsito contábil, a ser repassado para o Fisco. Desta forma, o ICMS não pode ser considerado "receita" ou "faturamento" da empresa, eis que, sob a ótica da empresa, trata-se de uma "despesa" (isto é, ao contrário de uma "receita").
Em linha com sua decisão, votaram a favor dos contribuintes os ministros: Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Rosa e Rosa Weber. Contra a decisão, votaram os ministros: Gilmar Mendes, Luiz Roberto Barroso, Dias Toffoli e Edson Fachin.
QUAIS SÃO OS IMPACTOS DESTA DECISÃO?
Em 13 de maio deste ano, o plenário do Supremo julgou a "modulação de efeitos" da decisão de mérito, isto é: fixou critérios práticos para a aplicação da decisão de mérito e estabeleceu regras de transição entre o período em que o ICMS compunha a base de cálculo e aquele em que deixará de compor. Esta decisão afetará cerca de 10 mil processos sobrestados nas instâncias inferiores, que estavam aguardando o julgamento da matéria. O STF decidiu que a exclusão do ICMS se dá pela soma dos valores destacados nas Notas de Venda e produz efeitos desde a data do julgamento do mérito, em 15/3/17, ressalvadas as ações judiciais e procedimentos administrativos protocolados até essa data.
Ou seja, os contribuintes que ajuizaram ações até a data do julgamento, poderão recuperar os valores que foram indevidamente cobrados a título de recolhimento do ICMS. Para os contribuintes que não adotaram nenhuma medida ou que não ajuizaram nenhuma ação em data posterior a 15/3/17, poderão apenas recuperar os valores indevidamente recolhidos após esta data.
Apesar da decisão favorável e dos benefícios trazidos para os contribuintes que aguardavam o julgamento, fica uma lacuna para os contribuintes que ingressaram com ações após o dia 15/3/17, mas que já tem decisões transitada em julgado reconhecendo os direitos de reaver o recolhimento dos valores indevidamente desde o quinquênio anterior ao ajuizamento da ação. Para essa situação específica, acreditamos que ocorrerá a prevalência da coisa julgada material do processo individual, que afirma expressamente o direito de recuperar os créditos de cinco anos para trás e uma interpretação sobre a modulação do Supremo, que em tese não teria permito que esse contribuinte que ajuizou ação após o dia 15/3/17, recuperasse valores antes de março de 2017.
Para as demais situações (contribuintes que ainda não ingressaram com processo), há a possibilidade de requerer-se, em juízo, no mínimo a restituição dos últimos 50 meses e o direito de se excluir, para frente, os valores de ICMS destacados nas Notas de venda. Para esses contribuintes, é importante destacar, também, que o prazo prescricional seguirá em curso até a data de propositura da ação. A esse respeito, destacamos, também, que a obtenção de uma liminar seria instrumento suficiente para afastar a incidência da prescrição sob os valores posteriores a 15/3/17, de restituição garantida pelo Supremo. E, claro, como o Direito não socorre aos que dormem, aqueles que ficarem inertes, judicial ou administrativamente, terão seus créditos extintos pela prescrição.