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Publicada lei que altera a ‘Lei do Aeronauta’ e permite terceirização da profissão

A alteração legislativa converteu a Medida Provisória 1.029/21 em lei e possibilitou a terceirização de tripulantes quando o operador da aeronave for órgão ou entidade da administração pública.

14/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Na última quinta-feira (10) foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a lei 14.163, de 9 de junho de 2021, que altera a relação trabalhista dos tripulantes de aeronaves operadas por órgãos públicos. 

A Lei decorre da aprovação, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 1.029/21 editada em fevereiro deste ano, que permitia ao poder público contratar empresa terceirizada para fornecimento de aeronaves tripuladas sem que haja obrigatoriedade de formalização de contrato de trabalho firmado diretamente entre o aeronauta e o operador da aeronave. 

Entenda o contexto: A Lei do Aeronauta (Lei 13.475, de 28 de agosto de 2017), determina em seu artigo 20 que a função remunerada dos tripulantes a bordo de aeronave deverá, obrigatoriamente, ser formalizada por meio de contrato de trabalho firmado diretamente com o operador da aeronave. 

Ou seja, por mais que o STF, em agosto de 2018 e em junho de 2020, já tenha declarado a constitucionalidade da chamada Lei da Terceirização (Lei 13.429/17), que permite a terceirização de atividades-fim de empresas, a legislação específica do aeronauta proíbe expressamente a contratação de mão de obra terceirizada (art. 20 da Lei 13.475/17). 

A única exceção a essa regra, que permite um tripulante exercer função remunerada a bordo de aeronave de um operador ao qual não esteja diretamente vinculado por contrato de trabalho, somente é aplicável quando o serviço aéreo não constituir atividade-fim do operador (por exemplo uma empresa farmacêutica que possua uma aeronave), e desde que por prazo não superior a 30 (trinta) dias consecutivos, contado da data de início da prestação dos serviços. Ainda, essa forma de contratação não poderá ocorrer por mais de uma vez ao ano e deverá ser formalizada por contrato escrito, sob pena de presunção de vínculo empregatício do tripulante diretamente com o operador da aeronave (art. 20, §s1º e 2º, da Lei 13.475/17). 

Se trata de verdadeira medida de proteção contra a terceirização de pilotos, comissários e mecânicos de voo, inclusive e principalmente na atividade-fim de empresas aéreas, possibilitando a terceirização apenas em pouquíssimas situações, como nos casos de operador aéreo que não tenha a aviação como sua atividade finalística, e por prazo determinado (máximo de 30 dias consecutivos), não sendo possível tal contratação por mais de uma vez no ano. Na prática, tal exceção se aplicaria, por exemplo, para o caso de necessidade de outro piloto que cubra as férias ou um eventual afastamento de um piloto originalmente contratado pelo operador da aeronave. 

Aliás, a preocupação do legislador em proteger a categoria dos aeronautas contra a terceirização e a prestação esporádica de serviços desses profissionais é tão grande que a Reforma Trabalhista, instituída pela Lei 13.467/17, ao estabelecer o novo instituto do "trabalho intermitente" – que permite a prestação de serviços com interrupções, em dias alternados ou apenas por algumas horas na semana –, previu que dentre todas as diversas categorias profissionais existentes no Brasil, a única que expressamente não poderá adotar tal modalidade é a dos aeronautas, tendo em vista as muitas excentricidades da profissão, além de outros fatores que obrigaram tal exclusão. 

Em suma, vemos que antes da edição da recente lei 14.163/21, aeronautas em geral deveriam obrigatoriamente ter um contrato de trabalho firmado com o operador da aeronave, independentemente de quem fosse o operador, não podendo exercer a atividade de forma terceirizada. 

Por sua vez, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986) define que o operador/explorador de aeronave é “o fretador que reservou a condução técnica da aeronave, a direção e a autoridade sobre a tripulação” (art. 123, III). Dessa maneira, podemos considerar que as operações realizadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública os colocam na condição de operador, mesmo nas hipóteses de contratação de aeronaves e/ou tripulação nas operações aéreas. 

Ocorre que a Lei do Aeronauta, ao proibir irrestritamente a terceirização de tripulantes, desconsidera as peculiaridades das operações aéreas conduzidas por órgãos públicos, que nem sempre contam com aeronaves ou servidores habilitados em número suficiente, necessitando contratar empresas privadas, a exemplo do que ocorre nas operações aéreas conduzidas pelos órgãos ambientais, como o Ibama, que realizam inúmeros voos de monitoramento do meio ambiente. 

Diante disso, já em 2020 foi editada Medida Provisória permitindo a contratação de aeronautas sem contrato de trabalho quando o operador da aeronave fosse órgão ou entidade da administração pública (MP 964/20). No entanto, referida MP perdeu sua validade por não ter sido votada a tempo nas duas Casas do Congresso Nacional. 

Reavivado o assunto, a Medida Provisória 1029/21, publicada na edição de 11/2/21 do Diário Oficial da União, voltou a permitir que tripulantes de helicóptero ou avião alugados e/ou fretados por órgãos da administração pública, para exercício de missões institucionais ou de poder de polícia, tenham contrato de trabalho direto com as empresas fornecedoras da aeronave, e não com o governo. 

Só que dessa vez, o texto da Medida Provisória foi apreciado e aprovado tempestivamente tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado. A MP recebeu 16 emendas, sendo 12 delas perante a comissão mista que analisou o texto da medida, e outras quatro emendas no Plenário do Senado. Porém, o relator, senador Zequinha Marinho (PSC-PA), rejeitou todas. Apesar de seu parecer a favor da medida e da relevância da terceirização do setor aéreo, Zequinha entende que o tema merece um debate mais aprofundado, até porque muitas das emendas apresentadas visavam a terceirização total de tripulantes, inclusive na atividade-fim da empresa. 

Dessa forma, o texto aprovado e promulgado como Lei pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional foi o seguinte: 

LEGISLAÇÃO ALTERADA

TEXTO PROMULGADO

 

Altera a Lei nº 13.475, de 28 de agosto de 2017, que dispõe sobre o exercício da profissão de tripulante de aeronave.

 

Faço saber que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA adotou a Medida Provisória nº 1.029, de 2021, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Rodrigo Pacheco, Presidente da Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, combinado com o art. 12 da Resolução nº 1, de 2002-CN, promulgo a seguinte Lei:

Lei nº 13.475, de 28 de agosto de 2017

Art. 1º O art. 20 da Lei nº 13.475, de 28 de agosto de 2017, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

Art. 20. A função remunerada dos tripulantes a bordo de aeronave deverá, obrigatoriamente, ser   formalizada por meio de contrato de trabalho firmado diretamente com o operador da aeronave...

"Art. 20. ...............................................

 

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica quando o operador da aeronave for órgão ou entidade da administração pública, no exercício de missões institucionais ou de poder de polícia." (NR)

 

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Portanto, é certo que a Lei do Aeronauta sofreu sua primeira flexibilização legal, permitindo que aeronautas exerçam função remunerada a bordo de aeronave sem contrato de trabalho firmado com o operador, apenas quando o operador da aeronave for órgão ou entidade da administração pública no exercício de missões institucionais ou de poder de polícia. 

Como o tema é de extrema relevância, e aparentemente bastante controvertido, havendo quem defenda a impossibilidade de terceirização da mão de obra especializada do aeronauta diante de eventual precarização do trabalho, certamente haverá novas discussões no âmbito legislativo e, provavelmente, no Judiciário sobre o tema.

Carlos Barbosa
Mestrando em Direito do Trabalho. Especialista em Direito Aeronáutico e Direito Internacional. Diretor Jurídico do IPSP. Sócio do escritório Cerdeira Rocha Vendite e Barbosa Advogados.

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