Migalhas de Peso

A inserção de gastos com a contratação de seguro-garantia e carta-fiança enquanto despesa processual e a possibilidade de ressarcimento ao contratante-vencedor

Utilizada como forma de garantia da execução sem a necessidade do desembolso de valores em pecúnia, a contratação do seguro-garantia envolve dispêndios que, em caso de sucesso do contratante, devem ser restituídos ao vencedor do embate judicial. Entenda melhor.

9/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde o início de 2020, quando a pandemia da covid-19 trouxe consigo a maior crise socioeconômica vista neste século, muitas empresas vêm se deparando com a redução significativa do faturamento, o que fez com que a relação delas perante a dívidas judiciais mudasse também de forma bastante importante.

Anteriormente utilizados como mecanismos de exceção, não só seguro-garantia, como também a carta-fiança, tomaram o espaço do dinheiro como forma de garantia do juízo nos processos de execução sob amparo do art. 835, §2º do CPC ¹, cuja instrução normativa autoriza a substituição da pecúnia por este tipo de modalidade contratual, desde que o instrumento garanta valor não inferior à dívida e com um acréscimo de 30% (trinta por cento).

A título comparativo, tem-se registro de que seguradoras especializadas na oferta de seguros-garantias viram a demanda disparar em até 1300% em relação ao período anterior à pandemia, dada a necessidade de proporcionar aos devedores um fôlego financeiro importante em meio a um cenário tão delicado da economia ².

Aliás, vale destacar que a opção pela contratação de seguro-garantia e/ou carta-fiança como medida acautelatória do juízo possui ampla aderência também por parte do jurisdicionado pátrio, tendo inclusive o Ministro Villas Boas Cuêva, ao ensejo do julgamento do RESP 1.691.748, destacado que tais variantes contratuais conciliam o princípio da máxima eficácia da execução para o credor com o princípio da menor onerosidade para o executado, assegurando assim a proporcionalidade aos meios de satisfação de crédito ³.

Contudo, a utilização destes meios para fins de garantia judicial faz com que o devedor suporte gastos para a contratação junto às seguradoras e instituições bancárias intermediadoras. Quando procedente a dívida, maiores discussões não se fazem necessárias. Mas e quando a execução improcede?

Na hipótese de notabilizar-se o devedor como vencedor da demanda executória, muito se tem discutido acerca da possibilidade de o contratante do seguro-garantia/carta-fiança requerer, em juízo e no bojo dos mesmos autos, a restituição dos gastos para aquisição desta modalidade de garantia judicial.

Em que pese o art. 84 do CPC4 não prever especificamente este modelo de despesa processual, o Superior Tribunal de Justiça tratou de jogar por terra quaisquer questionamentos acerca da inserção dos gastos como reembolsáveis ao julgar o REsp 1.576.994, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze 5.

Com fundamento nos princípios da causalidade e da sucumbência, a Turma Julgadora assentou não se mostrar razoável que, em casos nos quais o credor saia vencido da proposição executória, o ônus de antecipação das despesas processuais (dentre as quais se incluiu os gastos para contratação de seguro-garantia e/ou carta-fiança) permaneça às expensas do devedor, sendo notória a necessidade de retorno ao status quo ante.

E, com o devido respeito a posicionamentos divergentes, não poderia ser diferente. Ora, se uma execução foi indevidamente emparelhada em face de um suposto devedor e, posteriormente, entende-se pela improcedência do pleito executório, é minimamente razoável que o credor-vencido ressarça o devedor-vencedor pelos gastos que teve ao curso do andamento processual para garantia daquela execução.

Ainda com reluzente contribuição, a decisão aclarou que não se pode cogitar que a contratação deste tipo de modalidade acautelatória do juízo se fez por mera escolha do devedor e que, neste sentido, não poderia o credor ser penalizado pelo modo de garantia judicial prestado nos autos.

Além de ser uma alternativa prevista em lei que, de fato, garante a execução judicial e possibilita a apresentação de impugnação sem expor o devedor à temeridade da constrição de seus ativos, a admissão seguro-garantia e/ou carta-fiança permite ao contratante a manutenção de suas finanças, sem que haja influência da saúde financeira do envolvido pelo simples emparelhamento da discussão em juízo.

Assim, considerando-se a plena razoabilidade com a qual foi prolatada, decisões como a referenciada são de extrema importância e tendem a se tornar mais frequentes com a intenção de inibir credores a iniciarem execuções de forma indevida, prestigiando-se o devido processo legal e evitando-se o locupletamento indevido de uma parte em detrimento da outra, principalmente, no período atual de retração de receitas em razão da pandemia ainda em latência mundial.

__________

1. Art. 835, § 2º, do CPC: “Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.”

2. “Pottencial Seguradora registra crescimento exponencial na emissão de apólices do seguro garantia judicial”. Publicado em 30 de julho de 2020. Disponível aqui. Acesso em 17 de maio de 2021.

3. “Seguro-garantia traz mais eficiência e tranquilidade ao processo de execução.” Publicado em 28 de março de 2021. Disponível aqui. Acesso em 14 de maio de 2021.

4. Art. 84 do CPC: “Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha.”

5. REsp 1.576.994/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017. Inteiro teor disponível aqui.

Guilherme Henrique Vieira Calais Rezende
Advogado da equipe de Direito Consumerista do Vilas Boas Lopes e Frattari Advogados.

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