O presente ensaio pretende fazer algumas ponderações acerca do fracionamento do objeto litigioso com múltiplos pronunciamentos judiciais e as técnicas de aceleração decisional previstas no CPC/15.
A legislação processual prevê duas hipóteses de apreciação do objeto litigioso com maior brevidade: julgamento antecipado total (art. 355, do CPC/15) ou parcial (art. 356, do CPC/15) de mérito.
Contudo, especificamente nos casos de julgamento antecipado (total) de mérito, deve o magistrado, ao entender pela desnecessidade de produção probatória, fundamentar a decisão, evitando eventual discussão quanto ao cerceamento de defesa. No tema, entendeu o STJ:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DE VALORES. PEC. REQUISITOS. RESCISÃO DO CONTRATO. CULPA DA RÉ. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ). 2. Ao magistrado é permitido formar a sua convicção com base em qualquer elemento de prova disponível nos autos, bastando para tanto que indique na decisão os motivos que lhe formaram o convencimento. A intervenção do Superior Tribunal de Justiça quanto a tal valoração encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 3. Não há cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide que, de forma fundamentada, resolve a causa sem a produção da prova requerida pela parte em virtude da suficiência dos documentos dos autos. 4. Na hipótese, rever o entendimento firmado pelo tribunal de origem, de que os documentos juntados não foram suficientes para demonstrar que teria a ré agido com culpa e dado causa à rescisão contratual, implicaria a análise de fatos e provas e de cláusulas contratuais, procedimentos inviáveis em recurso especial em virtude da incidência das Súmulas 5 e 7/STJ. 5. Agravo interno não provido” (AgInt no AREsp 1.287.578 / RJ – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – 3ª T – J. em 8/6/20 - DJe 18/6/20)1.
Outrossim, questão que ganha maior discussão refere-se à análise quanto a possibilidade do desmembramento do objeto litigioso, com a aceleração do pronunciamento meritório em relação ao um dos capítulos discutido na demanda, como consagrado no art. 356, do CPC/15.
Destarte, nos casos de amadurecimento precoce de uma parte do objeto litigioso, se torna necessário fazer algumas indagações: é possível o desmembramento da resolução do mérito, em relação a um dos pedidos, inclusive mitigando o dogma da unicidade do julgamento de mérito? O sistema processual permite a extinção parcial do processo, com resolução de mérito, em relação a alguns capítulos? Essas decisões poderão fazer coisa julgada imediatamente permitindo o cumprimento definitivo parcial? Será possível a entrega efetiva do bem jurídico discutido neste pedido resolvido antecipadamente?
Realmente, pedido incontroverso é pedido reconhecido ou mesmo não impugnado, podendo ocorrer quando, havendo cumulação simples, o réu impugna apenas um, ou parcela deles. De fato, se um dos pedidos resta incontroverso por atitude do réu, deve o magistrado resolvê-lo imediatamente, com isso diminuindo, em relação a este (ou parcela), o pesado ônus decorrente da demora da prestação jurisdicional.
Ademais, se for observado o julgamento antecipado do mérito, é possível concluir que a hipótese do art. 356, I, do CPC/15 trata de antecipação parcial do próprio objeto litigioso, ensejando a formação da coisa julgada e abreviando o início do cumprimento da decisão (que tecnicamente não é sentença).
Ora, se o sistema processual permite, e até estimula, a cumulação de pedidos, o amadurecimento precoce de um deles enseja o desmembramento da tutela definitiva. Esta afirmação serve para se concluir que a sentença, por vezes, é o pronunciamento que encerra no máximo a fase cognitiva do procedimento (art. 203, §1º, do CPC/15); contudo, nos casos de pedidos cumulados, sendo um deles apreciado precocemente – rejeitado ou acatado – tal decisão não se configura sentença, mas sim decisão interlocutória definitiva, sujeitando-se a interposição de agravo de instrumento (art. 1015, II, do CPC/15).
Da mesma forma, o CPC/15 permite a extinção parcial do processo (art. 354, §único), com o desmembramento do objeto litigioso e, se for o caso, irresignação por meio de agravo de instrumento e formação de coisa julgada parcial.
Aliás, os pontos ora apresentados trazem importantes consequências, uma vez que a coisa julgada não ocorrerá apenas em um só momento, o que reflete na fluência do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória e mesmo na possibilidade de execução definitiva (cumprimento da decisão interlocutória) em momentos diferenciados.
Outrossim, há incongruência entre o art. 356, §§2º e 5º2 (que admitem execução provisória deste capítulo do mérito sem caução e, dependendo do caso, podendo ser suspensa em decorrência de pedido de efeito suspensivo no agravo de instrumento) e o art. 1012, do CPC (que consagra a regra do efeito suspensivo legal da apelação). Ora, se um capítulo do mérito for resolvido em interlocutória, a recorribilidade por meio do agravo não possui efeito suspensivo legal, podendo ser requerido ao Relator (art. 1.019, I, do CPC), enquanto que se for decidido o mérito apenas uma única vez, há presunção de efeito suspensivo ex legis da apelação.
Há, neste sentido, claro prestígio à possibilidade de execução definitiva de um capítulo de mérito, ainda estando outros do mesmo processo pendentes de apreciação – provavelmente após a fase instrutória, como forma de alcançar a imediata tutela do direito e, em síntese, evitando dilações processuais indevidas.
Tudo isso demonstra que, nas situações envolvendo resolução parcial de mérito, estar-se-á diante de claro instrumento de prestígio à celeridade e duração razoável do processo, com aceleração decisional e fracionamento do momento do cumprimento do julgado, permitindo, em suma, a imediata satisfação do bem jurídico objeto da referida tutela jurisdicional.
Aliás, não se deve esquecer que, na legislação de 2015, existem duas situações que provocam o desmembramento do processo na etapa denominada julgamento conforme o estado do processo: a) a extinção do processo com ou sem resolução de mérito (art. 354, §único); b) o julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, do CPC). Em ambas, há a possibilidade de fracionamento do objeto litigioso, inclusive com possibilidade de, em decorrência do trânsito em julgado da decisão, formação progressiva de coisa julgada.
Interessante também é destacar que os arts. 485 e 487, do CPC/15, não indicam mais o termo extinção, levando em conta que, em caso de resolução parcial, há continuidade do processo em relação aos capítulos não atingidos pelo desmembramento da tutela jurisdicional.
Respeitando o espaço aqui disponível, são essas as ponderações sobre tão importante tema.
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1 Valei ainda citar o item da Ementa 4 do Acórdão proferido no AgInt nos EDcl no REsp 1.451.163 / PR (1ª Turma – Rel. Min. Sérgio Kukina – J. em 20/04/2020 – DJe 24/04/2020): “Se os elementos constantes dos autos são suficientes à formação da convicção, tal como verificado na hipótese dos autos, é lícito ao juiz conhecer diretamente do pedido, proferindo julgamento antecipado da lide, sem que isso implique cerceamento de defesa”.
2 Duas contradições existem no sistema das interlocutórias de mérito agraváveis que merecem destaque: a) há a indicação de que o cumprimento provisório pode ser sem caução (art. 356, §2º, do CPC/15), inovando em relação às situações jurídicas em que ela pode ser dispensada (art. 521, do CPC/15); b) não há o efeito suspensivo legal, ao contrário do recurso de apelação (art. 1012, do CPC/15). Portanto, é possível afirmar que, se os pedidos cumulados forem julgados em conjunto, a apelação terá efeito suspensivo legal. Por outro lado, se ocorrer o julgamento antecipado parcial, o agravante terá que requerer o efeito suspensivo judicial (art. 1019, I, do CPC/15). Correto está, a meu ver, o Enunciado 49, da Enfam, que consagra: “No julgamento antecipado parcial de mérito, o cumprimento provisório da decisão inicia-se independentemente de caução (art. 356, § 2º, do CPC/2015), sendo aplicável, todavia, a regra do art. 520, IV”. Há a necessidade de unificar o entendimento em relação ao cumprimento provisório da sentença e da decisão parcial – ambas com caução, como prevê o art. 520, IV/15.