Migalhas de Peso

Execução invertida

A Execução Invertida e o dever da União, em decisões judiciais proferidas pelos Juizados Especiais Federais, de efetuar os cálculos para a execução das verbas devidas nas ações em que for condenada.

2/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O código de Processo Civil de 1973 (art. 730), ao tratar da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, disciplinou que incumbia ao credor (exequente) o dever de iniciar o processo de execução com a apresentação do demonstrativo de cálculo e, em momento posterior, após a citação, iniciava-se o prazo para o devedor opor embargos à execução.

Visando à maior celeridade processual, com a publicação da lei 13.105 de 16 de março de 2015 (novo Código de Processo Civil), o procedimento para a execução contra a Fazenda Pública foi alterado, passando a ser adotado o cumprimento de sentença (fase de execução nos autos do processo de conhecimento), sem a necessidade de nova citação da parte devedora, cabendo ao exequente, por força da norma contida no artigo 534 do CPC, o dever de iniciar o cumprimento de sentença, através de petição fundamentada, anexando o demonstrativo atualizado e descriminado do crédito. (GEROMES, 2021, no prelo)

Não há previsão legal determinando que o início da execução deve ocorrer por iniciativa do devedor (executado). Apesar disso, ao longo do tempo foi adotada no judiciário a utilização da execução invertida, invenção jurídica desprovida de previsão legal, “considerando as facilidades decorrentes da especialização do INSS em razão de sua missão institucional, àquele cabe a feitura dos cálculos, reservando-se à Contadoria Jurídica dirimir eventuais divergências”. (PROC. 200871500166988 – Turma Recursal da 4ª Região)

Invertida a execução, caberá à devedora (parte executada) o dever de iniciar a fase de cumprimento de sentença com a apresentação do demonstrativo discriminado a atualização do valor por ela devido. Após a apresentação dos cálculos pela parte executada o exequente será intimado para apresentar concordância ou, se discordar, apresentar as razões da irresignação. (GEROMES, 2021, no prelo)

Não há nada de censurável com relação à prática da execução invertida, desde que o exequente, ao ser intimado, avalie o cálculo apresentado pela parte contrária, e, encontrando equívocos, apresente manifestação com os devidos apontamentos.

A maior preocupação decorre da utilização da execução invertida, por parte do exequente para, aproveitando-se do cálculo apresentado pela autarquia, concordar com o valor apurado. Esta prática tem causado grande prejuízos para diversos segurados que ao longo do tempo receberam quantias inferiores em decorrência da elaboração de cálculos equivocados. (GEROMES, 2021, no prelo)

É correto afirmar que a chamada execução invertida retira do credor o ônus de apresentação dos cálculos que integram o pedido de cumprimento da sentença, também é certo afirmar que não lhe confere paridade de armas. Ainda vítima da hipossuficiência econômica e informacional, o credor previdenciário não terá melhor condição de analisar os cálculos apresentados pelo INSS e eventualmente impugná-los. De todo modo, em face da presunção de legitimidade dos atos administrativos, guarda-se a expectativa de que a conta apresentada pela entidade pública seja elaborada de acordo com o princípio da legalidade e, mais particularmente, com observância aos termos da coisa julgada (SAVARIS, 2016. p. 480).

A autarquia previdenciária, contrária à prática da execução invertida, alegando que a obrigação de apresentar cálculos é da parte exequente, interpôs recurso extraordinário, que foi recebido com agravo (ARE 702.780), contra acórdão proferido pela 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, em que se discute a legitimidade da parte ré (autarquia) para apresentação de cálculos de liquidação do seu próprio débito.

O ARE 702.780 foi substituído para julgamento no Tema 579 (RE 729.884), em que também se discutia a imposição ao INSS, nos processos em que figure como parte ré, do ônus de apresentar cálculo de liquidação de seu próprio débito. Por se tratar de matéria infraconstitucional, o recurso foi inadmitido.

A temática sob análise foi objeto foi objeto de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 219, arguição apresentada pela Presidência da República com vistas a impugnar decisões da lavra dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que determinam que ao Ente Público Federal a obrigação, nos processos que figurem como ré, de liquidar os valores devidos em prol da parte autora.

“Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal considerou legítima a determinação de que, em decisões judiciais proferidas pelos Juizados Especiais Federais, a União efetue os cálculos para a execução das verbas devidas nas ações em que for condenada. Prevaleceu o entendimento do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 219, ministro Marco Aurélio, de que a execução invertida, especialmente no caso de pessoas com poucas condições econômicas, atende aos princípios da simplicidade, da economia processual e da celeridade que regem os Juizados Especiais”.

“A ADPF foi ajuizada pela União para questionar decisões dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro que impõem a ela o dever de apurar ou indicar, nos processos em que figure como ré ou executada, o valor devido à parte autora. Em voto proferido na sessão de 23/6/16, o relator salientou que o dever de colaboração imputado ao Estado, nesses casos, decorre dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da eficiência administrativa”. (Disponível aqui. Acesso em 21 abr. 2021)

Merece destaque, que, mesmo com a apresentação de cálculos através da execução invertida, a pretensão da Fazenda Pública de se ver livre da condenação ao pagamento dos honorários advocatícios deve ser rechaçada, haja vista que o Código de Processo Civil (art. 85, § 1º) prevê a possibilidade de arbitramento de honorários de sucumbência na fase de Cumprimento de Sentença, ainda que não impugnada a execução.

No mesmo sentido segue o entendimento sumulado pela Advocacia Geral da União (Súmula 39) ao dispor que “são devidos honorários advocatícios nas execuções, não embargadas, contra a Fazenda Pública, de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (art. 100, § 3º, da Constituição Federal)”.

Conforme previsto no artigo 85, § 7º, do Código de Processo Civil, só “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”.

__________

GEROMES, Sergio. Cálculo de Liquidação no Cumprimento de Sentença Previdenciária. 2021. No prelo.

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 6ª Edição. Curitiba: Editora Alteridade, 2016. p. 480.

Sergio Geromes
Advogado. Especialista em Direito Previdenciário. Professor. Diretor de Cálculos do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários. Secretário da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB/SP.

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