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O que deve prevalecer: O direito individual do paciente com covid-19 ser tratado em local de grande circulação ou o direito coletivo de não ser infectado?

Pontue-se que não se está defendendo a possibilidade de que seja de alguma forma negado tratamento médico aos portadores do vírus, no entanto, é necessário que os profissionais que estejam realizando o tratamento desses pacientes, procurem um local adequado para realizá-lo.

31/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Segundo a OMS, o conceito de saúde está baseado no completo bem-estar físico, mental e social.  No plano internacional, o Direito à saúde foi insculpido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Diretos Econômicos, Sociais e Culturais. Com efeito, no âmbito constitucional, a Constituição Italiana de 1948, foi a primeira a explicitar o direito à saúde.

Em relação ao Direito Constitucional brasileiro, o Direito à Saúde foi positivado na Constituição Federal de 88, está previsto no art. 6°, caput, e de forma mais detalhada nos artigos 196 e seguintes, como direito fundamental, vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao próprio direito à vida.

Feitas essas considerações, é inegável que o acesso à saúde é direito de todos e dever do Estado, contudo, de forma isolada, a Administração Pública não detém condições suficientes para sua efetivação, em razão do alto custo do sistema de saúde e, especialmente, diante da pandemia da covid-19.

Desse modo, as pessoas que possuem condições de custear seu próprio tratamento de saúde, muitas vezes optam em se deslocar até profissionais que ao longo da pandemia, se especializaram no atendimento da covid-19.

Ocorre que nos grandes centros é muito comum a descentralização dos profissionais da saúde de hospitais ou clínicas de administração complexa, sendo cada vez mais corriqueiro, que centros médicos, clínicas e outros profissionais da saúde se desloquem para locais de grande circulação de pessoas, como prédios comerciais, galerias, shoppings centers, dentre outras.

Diferente do ambiente hospitalar, onde há todos os equipamentos e procedimentos necessários para contenção da propagação do vírus da covid-19, nesses outros locais, embora exista a necessidade de cumprimento de normas sanitárias básicas, editadas a partir da pandemia, evidentemente que não existem equipamentos de proteção individuais e procedimentos complexos e efetivos com vistas a inviabilizar a contaminação pelo vírus.

Nesse contexto, quando os pacientes infectados pelo vírus da covid-19 procuram tratamento nesses locais de grande circulação de pessoas é que surgem as dúvidas e discussões, pois o direito do paciente à saúde é constitucionalmente garantido, no entanto, como ele está infectado e pode transmitir isso para as pessoas que transitam pelos locais, funcionários, dentre outros, é preciso reconhecer que essa coletividade de pessoas também possui o direito de não serem infectadas.

A partir da situação acima mencionada, surge a necessidade de se ponderar sobre os direitos envolvidos, situação que caberá ao administrador do shopping center, ao síndico do condomínio e, em última análise, ao Poder Judiciário.

Com efeito, parece que melhor atende o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, a defesa do direito da coletividade de não ser contaminada, mesmo porque, o paciente infectado pode obter tratamento em local especializado, daí porque, esse direito deve ser o que merece tutela.

Como já mencionado acima, o direito à saúde é reconhecido como o completo bem-estar, situação que está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana e o direito à felicidade, enfim, são direitos que não podem ser gozados exclusivamente por um indivíduo em detrimento da coletividade, especialmente pela ideia de que diante da profundidade dos conceitos de bem-estar, a efetivação de ambos deve se dar de maneira coletiva.

Por outro lado, o direito à saúde se apresenta como um direito social, que simultaneamente, possui uma dupla dimensão: defensiva e prestacional. Enquanto direito de defesa, o direito à saúde determina o dever de respeito, em um sentido iminentemente negativo, ou seja, o direito de um indivíduo ou da coletividade de não ter a sua saúde afetada por ninguém, devendo a coletividade preservá-la. Na dimensão prestacional, imputa o dever, em especial ao estado, de executar medidas reais e concretas no sentido de fomento e efetivação da saúde da população, torna o indivíduo, ou a própria coletividade, credores de um direito subjetivo à determinada prestação, normativa ou material.

Essas ponderações acima são a base teórica necessária para se concluir que o paciente infectado pela covid-19 não pode submeter a coletividade a possibilidade de infecção. Pontue-se que não se está defendendo a possibilidade de que seja de alguma forma negado tratamento médico aos portadores do vírus, no entanto, é necessário que os profissionais que estejam realizando o tratamento desses pacientes, procurem um local adequado para realizá-lo.

Mesmo porque, não é crível que seja ele consultado ou receba outros tratamentos em um espaço dentro de um shopping center, em meio a uma gama de pessoas que circulam em busca de serviços, produtos e entretenimento, ou ainda, em um condomínio comercial, onde as mais variadas pessoas circulam em busca da fruição de bens e serviços, tratando-se ambos os locais, de grande circulação de pessoas e de altíssimo risco de contágio.

Ademais, é preciso se ter a devida noção dos reflexos jurídicos da contaminação, decorrentes das responsabilidades civis, trabalhistas e criminais relacionadas ao contágio da covid-19, que já foi reconhecida como doença ocupacional pelo judiciário, sua propagação de forma dolosa pode gerar responsabilização civil e também ser considerada crime, conforme preceitua o art. 131 do Código Penal.

Nesse contexto, é preciso que o direito à saúde na espécie, seja encarado do ponto de vista defensivo, para que seja garantido às pessoas que circulam nos shoppings centers e condomínios comerciais, que a sua saúde seja resguardada, inclusive em concretização ao princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida e, que os profissionais que estejam atendendo pacientes infectados pelo vírus da covid-19, busquem local adequado para fazê-lo, evitando-se o risco de contágio.

Douglas Oliveira
Mestre e Doutorando em Direito Comercial. Sócio do escritório Oliveira Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados.

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