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Diálogo competitivo: Para o quê e para quem?

Diante de uma necessidade complexa, na qual não é possível delimitar objetivamente o próprio objeto a ser contratado, a Administração inicia um diálogo com a iniciativa privada.

1/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O diálogo competitivo é a nova modalidade de licitação trazida pela lei 14.133/21, a lei geral de licitações e contratos que substituirá a lei 8.666/93. 
De acordo com a própria definição da lei, o diálogo é uma “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”.
Diante de uma necessidade complexa, na qual não é possível delimitar objetivamente o próprio objeto a ser contratado, a Administração inicia um diálogo com a iniciativa privada. Nessas conversas, entenderá as soluções técnicas aptas a solucionar sua necessidade, e poderá, então, escolher a que se mostrar mais vantajosa – e, a partir daí, iniciar, efetivamente, uma competição entre os interessados em fornecer a solução.
De onde saímos?
Processos de diálogo e negociação para a Administração contratar seus fornecedores já existem há algum tempo na nossa prática de contratações públicas. Mas, para poder fazer isso, tínhamos que “fugir” da lei 8.666/93. 
A partir de uma hipótese de contratação por dispensa – como para casos envolvendo segurança nacional ou inovação tecnológica –, o ente público responsável emitia um “request for proposal – RFP” para potenciais fornecedores apresentarem suas soluções. Após essa etapa, caberia ao ente público escolher, a partir dos critérios definidos no RFP, a mais vantajosa. 

Já tínhamos, pois, um nicho delimitado de contratações que eram celebradas após um diálogo competitivo entre Administração e potenciais fornecedores. Inexistia, contudo, uma regulamentação geral e abstrata para regular esses diálogos; a regulação era casuística, feita para cada processo de contratação.

Outro exemplo de fuga da lei 8.666/93 para a negociação entre a Administração e seus potenciais fornecedores são as encomendas tecnológicas, regulamentadas pelo art. 27, Decreto 9.283/18. Aqui, novamente, estamos diante de dispensa de licitação para a contratação de inovação (art. 24, XXXI, lei 8.666/93), a partir da qual o ente público pode fazer consultas a potenciais interessados, definir a solução a ser encomendada e negociar “a celebração do contrato de encomenda tecnológica, com um ou mais potenciais interessados” (art. 27, § 8º). O que é isso, se não um verdadeiro diálogo competitivo entre potenciais fornecedores e a Administração?

Essas experiências, contudo, eram pontuais, restritas a situações bastante excepcionais.
Logo, é válido dizer que o diálogo competitivo é, sim, uma grande (talvez a grande) novidade da lei 14.133/21.
 
Diálogo para o quê?
O diálogo competitivo pode ser usado para contratar obras, serviços ecompras, inclusive para as modalidades de concessão e PPPs (conforme alterações na legislação de regência desses regimes). 

Restringe-se seu uso, porém, (i) para objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica; (ii) para soluções atualmente indisponíveis no mercado ou que não possam ser suficientemente especificadas; ou (iii) para quando a Administração precisar conhecer meios diversos para solucionar suas necessidades (incluindo também os requisitos ou a própria modelagem jurídica ou econômica apta a viabilizar o fornecimento da solução).

O diálogo e a competição

Na modalidade de diálogo competitivo, o procedimento de licitação divide-se em duas fases: (i) fase do diálogo, na qual a Administração conhecerá as soluções disponíveis e, a partir de conversas e negociações, definirá aquela que lhe é mais vantajosa; seguida da (ii) fase competitiva, na qual as empresas que participaram da fase anterior apresentam suas propostas para a solução escolhida.

A fase do diálogo inicia-se com a instauração de uma comissão de contratação (formada por servidores efetivos, mas que pode ser assessorada por consultores técnicos contratados) e a publicação do edital, que definirá as necessidades da Administração e as condições para a manifestação. A partir daí, ocorrem reuniões com os interessados, que permitirão que a Administração compreenda as especificidades, as vantagens e as desvantagens das soluções oferecidas, e possa, a partir daí, decidir a solução que entende como a mais vantajosa, encerrando-se, com isso, a fase do diálogo.

A fase competitiva inicia-se com a publicação de novo edital, no qual a Administração especificará o objeto (agora, já com indicação de todas as características da solução técnica a ser fornecida, bem como das condições de fornecimento) e os critérios de julgamento da melhor proposta, conforme previsão na Lei. Poderão participar da competição todos os interessados presentes na fase de diálogo.

Desafios
Como toda novidade, a incorporação do diálogo competitivo trará uma série de desafios.

As inovações concentram-se, certamente, na fase do diálogo, sendo que, possivelmente, as dificuldades também estarão centradas nela. Algumas questões:
Na fase competitiva, os principais questionamentos estão relacionados ao processo de participação e escolha da melhor proposta – que refletem alguns desafios já enfrentados em outros processos de licitação competitivos. Por exemplo:
Terminado o diálogo, teremos um desafio final: como formatar o contrato a ser celebrado para o fornecimento da solução escolhida pela proponente vencedora? A lei trouxe o diálogo como uma modalidade de licitação, mas a questão a ser pensada é o quanto não precisaríamos, também, de soluções para as regras contratuais “tradicionais”, tendo em vista a contratação de objetos complexos.
Colocados os desafios, vamos todos garantir que o processo de aprendizado e desenvolvimento institucional ocorra rumo ao bom e consistente uso do diálogo competitivo. Mecanismos de aproximação, diálogo e negociação entre Administração, iniciativa privada e sociedade contribuem para a qualidade e eficiência da gestão pública e devem ser, por isso, incentivados por todos nós, rumo a uma Administração Pública (e a um direito administrativo) mais moderno e reativo às demandas da sociedade.

Marina Fontão Zago
Advogada do Escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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