Migalhas de Peso

O projeto do novo CPP não é uma luta competitiva

É preciso manter na legislação brasileira as atuais normas sobre a cadeia de custódia e também é necessário dar importância à atividade de perícia criminal.

28/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Da transição da idade média para a idade moderna o Estado estava se constituindo neste momento. Existia um modo de produção que era o feudalismo. Aquele que tinha a propriedade da terra tinha o poder e fixava as regras e a conduta na região. Porém em um determinado momento esses feudos que era um território muito pequeno, porções de terra detidas pelos senhores feudais, começaram a se reunir em um feudal mais fortes e que foi constituindo o poder centralizador, aquele mais poderosos que os demais.

No século XIV aconteceu a chamada Transição do feudalismo para o capitalismo, como assevera Fernandes:

Mas o fato é que o sistema feudal entrou em profunda crise no século XIV em razão de fatores como a ascensão da burguesia nas cidades medievais, que passaram a ter uma intensa movimentação comercial nesse período; a crise no campo, as revoltas camponesas, a Peste Negra, entre outros. Essa crise forçou tanto os senhores feudais quanto os burgueses que estavam em ascensão a traçarem estratégias de desenvolvimento de suas estruturas econômicas¹.

No Projeto do Novo Código de Processo Penal deixa a entender que está ocorrendo algo parecido com aquela época Feudal. A proteção de interesses corporativos através da busca de domínio da propriedade da prova pericial. Se sentindo ameaçado com a possibilidade de desenvolvimento da perícia oficial em mundo de possibilidades.

Esquecendo que há instrumentos assecuratórios que assegura liberdade individuais porque são instrumentos processuais que visa garantir direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil. Desta forma, o Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes atenta:

Ministro do STF defende preservar a perícia criminal no CPPP: O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta quarta-feira, 19, que é preciso manter na legislação brasileira as atuais normas sobre a cadeia de custódia e que também é necessário dar importância à atividade de perícia criminal.²

As conquistas que surgiram foram por necessidades de se aprimorar o Sistema de Justiça brasileiro e não por mero interesse particular. Como já afirmava o Professor Senhor Mirabete:

A perícia não é um simples meio de prova. E o perito tem a função estatal destinada a fornecer dados instrutórios de ordem técnica e a proceder à verificação e formação do corpo de delito e a perícia é um elemento subsidiário, emanado de um órgão auxiliar da justiça para a valoração da prova ou solução da prova destinada a descoberta da verdade.³

É por isso que o Código de Processo Penal atual preserva ao Perito Oficial sujeitando-os à “disciplina judiciária” (art. 275) e à 4“suspeição dos juízes” (art.280), impedindo ainda que as partes intervenham na sua nomeação (art.276).

Recentemente o STF decidiu por meio de todo o plenário pela necessidade da polícia científica ser autônoma e independente, de forma que possa trabalhar na produção de laudos periciais e exames sem submeter-se a delegados e policiais, como ocorria durante a ditadura. A decisão se deu por maioria, prevalecendo o voto do relator, ministro Dias Toffoli. No 5julgamento ADI 2.616 ajuizada pelo Governo do Paraná em pelo STF.

A necessidade do resguardo da prova pericial é tão importante para sociedade que a manifestação da 1º Conferência Nacional de Segurança Pública – CONSEG, na qual a necessidade de autonomia e valorização das Perícias Criminais constou como a segunda diretriz mais votada;

Neste mesmo diapasão, a importância para os direitos humanos estimulou os órgãos internacionais (ONU e da Anistia Internacional) promoverem as manifestações sobre a necessidade de autonomia dos Órgãos Periciais no Brasil;

Destarte, pela necessidade ser preeminente levou a Plenária do Conselho Nacional de Segurança Pública – CONASP/MJ, em sua décima quinta reunião Ordinária, realizada nos dias 28 e 29 de fevereiro de 2012, no uso de suas atribuições conferidas pelo artigo 11 do Decreto 6.950, de 25 de agosto de 2009:

Fazer as Seguintes Recomendações aos Gestores da Segurança Pública nos níveis Federal e Estadual, ao Ministério da Justiça:

A União, os Estados e o DF promovam efetivamente a autonomia e a modernização dos órgãos periciais de natureza criminal (Institutos de Criminalística, Institutos de Identificação, Laboratórios Forenses e Medicina Legal), por meio de orçamento próprio e financeiro, como forma de incrementar sua estruturação, assegurando a produção isenta e qualificada do laudo pericial, bem como o princípio da ampla defesa e do contraditório, e o respeito aos direitos humanos.6

A evolução não é mais considerada como uma luta competitiva e sim uma complementariedade orientada pelo bem comum.

Vamos deixar a busca pela dominação no passado e vamos deixar o bem comum orientar as correções das atuais falhas no Projeto do novo Código de Processo Penal.

__________

1. FERNANDES, Cláudio. Transição do Feudalismo para o Capitalismo. História do Mundo. Disponível aqui. Acesso em 27 de maio de 2021.

2. LEITÃO, Matheus. Ministro do STF defende preservar a perícia criminal no CPPP. Blog Mateus Leitão. Em 19 de maio de 2021. Disponível aqui. Acesso em 27 de maio de 2021.

3. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14. Ed. Ver. Atualizada até dezembro de 2002. São Paulo: Atlas, 2003.

4. VADE MECUM. Código de Processo Penal acrescido pela lei 13.964 de 24/12/19. Organização Anne Joyce Angher. 30. ed. São Paulo: Rideel, 2020.

5. STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.616 PARANÁ. Disponível aqui. Acesso em 27 de maio de 2021.

6. A Plenária do Conselho Nacional de Segurança Pública – CONASP/MJ. RECOMENDAÇÃO 006, DE 28 DE FEVEREIRO DE 2012. Disponível aqui.

Girlei Veloso Marinho
Mestre em gestão pública, Perito Criminal, Graduado em Direito e Farmácia, pós graduação em Direito constitucional e administrativo, Processo civil, gestão pública, Curso superior de polícia e outras.

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