Com o desfecho da “tese do século” pelo Supremo Tribunal Federal, talvez mais incertezas do que convicções tenham restado. Nosso objetivo deste breve artigo buscará identificar o que o STF, no julgamento do RE 574.706/PR recém finalizado, teria definido com exatidão e sob quais pontos ainda pairam incertezas.
Antes, porém, parece reinar precisão de que, com a decisão em questão, o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado na nota fiscal (e não apurado/recolhido) e tal determinação alcança todas as empresas, independente de terem ações judiciais em curso e sendo irrelevante a data dos seus ajuizamentos.
Existe, ainda, outra categoria de contribuintes que foi abrigada favoravelmente pelo STF, qual seja a dos que possuem ações judiciais ou processos administrativos protocolados até 15/3/17, data da sessão em que foi proferido o julgamento de mérito, mesmo que tais processos ainda não tenham transitado em julgado. Para estes, o Supremo garantiu que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins terá efeitos retroativos aos 5 (cinco) anos do ajuizamento ou pedido administrativo.
A dúvida parece haver para as empresas cujas ações judiciais ou processos administrativos foram protocolados após 15 de março de 2017. Podemos, então, separá-las em dois grupos: os que já possuem trânsito em julgado favorável em suas demandas e aqueles com processos em trâmite. Para este último, cremos que o STF foi claro em dizer que a recuperação só pode retroagir a 15/3/17 (e não aos cinco anos anteriores ao protocolo da ação). Todavia, para quem possui trânsito em julgado, embora o STF não tenha se pronunciado expressamente (ressalvada a intervenção do Min. Luís Roberto Barroso nesse sentido), pensamos que o Fisco Federal deve respeitar a coisa julgada - ações ganhas pelos contribuintes e finalizadas – vide art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, sendo manifestamente inconstitucional eventual não homologação das compensações realizadas pela Receita Federal (e indevida a cobrança administrativa de aplicação da multa de ofício). Também não se pode sustentar que a União, por parte da Procuradoria da Fazenda Nacional, se insurja ao cumprimento da sentença ou acerca de valores recebidos mediante o pagamento de precatório federal.
A rigor, qualquer tentativa da Fazenda Nacional em reverter decisões judiciais finalizadas, quando muito, só teria cabimento, entrando com uma nova ação, chamada de rescisória. Todavia, não consentimos com tal possibilidade. Em primeiro lugar, apesar do parágrafo 12 do artigo 525 do CPC/15 apenas vedar a exigência de obrigações já declaradas inconstitucionais pelo STF e pelo fato do parágrafo 13 possibilitar a modulação das suas decisões, em observância à segurança jurídica, certo é que o parágrafo 14 do citado artigo determina ser inexequível uma obrigação quando, anteriormente, o STF já havia declarado sua inconstitucionalidade. Por sua vez, o parágrafo 15 reza que: “Se a decisão [ do STF, em Repercussão Geral ] for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”. Em nosso ver, no caso das decisões já transitadas em julgado (em favor das empresas), mesmo com o julgamento do STF em sentido contrário, declarando a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo que serviu de base para a decisão passada em julgado, deverá ser respeitada a coisa julgada formada anteriormente. Em outras palavras, o parágrafo 15 permite o ajuizamento de ação rescisória justamente para que a tal empresa não recaia o ônus de uma obrigação posteriormente declarada inconstitucional pelo STF, de modo que o intuito do dispositivo é preservar a autoridade das declarações de inconstitucionalidade do STF.
Não bastasse isso, é descabida também a rescisória por força do enunciado da súmula 343 do STF, segundo o qual “Não cabe ação rescisória, por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Sem dúvida, a questão em apreço é (ou sempre foi) controvertida nos Tribunais Pátrios (vide súmulas 68 e 94 do STJ e REsp 1.144.469/PR - DJe de 2/12/16 – que, por maioria, atestou a licitude da inclusão do ICMS na base imponível da Cofins e PIS, sob o regime dos recursos repetitivos). Muito embora o STJ tenha sido revisto tal entendimento pelo REsp 1.119.613/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em DJe 21.11.18), fato é que o tema sempre esteve longe de encontrar pacificação.
Também é de se rechaçar, com veemência, o intento da Administração Tributária Federal em dispensar até a propositura de uma (in)cabível ação rescisória e cobrar administrativamente os valores ganhos pelos contribuintes em ações transitadas em julgado. Tal entendimento deriva do Parecer PGFN 492/11 que, em linhas gerais, resolve que, quando há determinação pela constitucionalidade da lei tributária, o Fisco retoma o direito de cobrar o tributo em relação aos fatos geradores ocorridos daí para frente, sem que, para tanto, necessite ajuizar ação judicial. Não se olvide, porém, que o mesmo Parecer diz que: “por outro lado, com o advento do precedente objetivo e definitivo do STF, quando no sentido da inconstitucionalidade da lei tributária, o contribuinte-autor deixa de estar obrigado ao recolhimento do tributo, em relação aos fatos geradores praticados dali para frente, sem que, para tanto, necessite ajuizar ação judicial”. Desnecessário, com todas as vênias, maiores esforços pra constatar que no caso do RE 574.706/PR houve apenas e tão somente a declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base do Pis/Cofins, sendo que, eventual autorização para exigir o tributo em questão não estaria relacionada à declaração de desconformidade à C.F. mas sim à modulação temporal dos efeitos, para a qual não há previsão de cabimento da ação rescisória, como se verá.
NÃO CABE RESCISÓRIA DE MODULAÇÃO
Não obstante, um outro ponto deveras relevante é de que a modulação dos efeitos temporais, por não representar a discussão, em si, posta ao controle de constitucionalidade, não comportaria ação rescisória. Ou seja, caso a Fazenda Nacional pretenda intentar uma rescisória, o termo inicial de contagem para sua propositura (de dois anos) seria da decisão do STF que julgou o mérito, em março de 2017 (estando, por óbvio, fulminada pela decadência), e não na data da sua modulação. Lembrando que a decisão favorável proferida há mais de quatro anos pelo Supremo foi definitiva no mérito (além de erga omnes) e os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda não possuem efeito suspensivo.
De se registrar que o tema “eficácia da coisa julgada” ainda pende de análise pelo Supremo nos R.E.s 949.297 e 949.297, ambos em repercussão geral, nos quais será definido se é necessária ação rescisória, ou se há quebra automática do trânsito em julgado nos casos em que há mudança de jurisprudência relacionada aos tributos que são pagos de forma continuada.
De todo modo, seguramente é possível afirmar que não cabe ação rescisória com fundamento no artigo 966 do Código de Processo Civil e tal assertiva vem do próprio STF que, em repercussão geral, gerou o tema 136 (RE 590.809, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 230 em 21/11/14), selando pelo seu descabimento quando “o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”.
Dúvidas não parecem restar quanto ao descabimento da rescisória em face da decisão que modula os efeitos. Dito de outro modo, não há como admitir, como cogita a PGFN, o manejo da referida demanda de revisão para uma suposta adequação aos efeitos da modulação que, à época do trânsito em julgado das ações individuais, sequer havia sido objeto de deliberação pelo STF.
CONCLUSÕES
Diante do resultado do julgamento do RE 574.706/PR pelo STF, alguns arremates nos parecem possíveis (com o risco de se antecipar ao acesso à íntegra dos votos e à publicação do acórdão):
- o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado na nota fiscal (e não o apurado/recolhido) e isso vale para todas as empresas, independente de terem ações judiciais em curso ou mesmo da data em que foram protocolizadas;
- para os que entraram com a ação judicial ou realizaram seus pedidos administrativos até 15/3/17, será possível excluir do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins nos 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento ou pedido, mesmo que a discussão não tenha se encerrado;
- aos que protocolaram após 15/3/17 – e que já possuem trânsito em julgado -, pensamos que assiste o mesmo direito de reaver os cinco anos, em homenagem à coisa julgada, que, no presente caso, sequer pode ser mitigada por ação rescisória, haja vista não haver os pressupostos de seu cabimento (contra decisão que modulou efeitos) ou o prazo para sua interposição já ter escoado. Uma decisão do STF que modula efeitos, mas admite a ofensa à coisa julgada, sem sombra de dúvidas, representa uma mácula na segurança jurídica;
- nem se cogita, igualmente, pela possibilidade de cobrança administrativa dos valores (sem a propositura de uma eventual ação rescisória), com base no Parecer PGFN 492/11, pois tal normativa, por si só, que, quando há declaração de inconstitucionalidade da lei tributária (caso em tela), está o contribuinte-autor desobrigado ao recolhimento do tributo dali para frente, “sem que, para tanto, necessite ajuizar ação judicial”;
- restrição, sim, nos parece haver, às empresas que ajuizaram suas ações após 15/03/2017 e que não possuem decisão passada em julgado, de modo que, para estas, o STF teria sido claro em limitar o direito à repetição de indébito, ou seja, poderão excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins somente após a referida data.