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O Caso Stone e a possível mudança de entendimento da CVM sobre o impedimento de voto em casos de conflito de interesses

O recente caso Stone reacendeu o debate acerca do impedimento de voto em caso de conflito de interesses e suas correntes doutrinárias. Estaríamos diante uma 5ª alteração no entendimento da CVM? É o que o presente artigo pretende analisar.

28/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

Recentemente, o midiático caso da aquisição da Linx pela Stone trouxe à tona diversos novos debates no cenário do direito societário brasileiro, como por exemplo, a discussão acerca da legalidade da break up fee firmada entre as partes.

Outro importantíssimo tema advindo desse evento, foi a possibilidade do voto de acionistas, que supostamente estariam atuando em conflito de interesses com a Companhia, reacendendo o debate entre os que entendem pela prevalência do conflito formal e aqueles que entendem que a aplicação do conflito substancial deveria regrar a possibilidade de voto.

Apesar de a maior parte da doutrina, pelas razões que a seguir serão apresentas, entender  que o legislador brasileiro privilegiou o regime de conflito substancial, este assunto está longe de ser pacificado. Prova dessa falta de harmonia é que, nos últimos 20 (vinte) anos, a CVM já mudou de posicionamento quatro vezes.

Nesse diapasão, as manifestações de voto dos Diretores e do Presidente da autarquia no caso Stone demonstram a possibilidade de uma quinta mudança no posicionamento da CVM, que se mantinha constante desde o julgamento do caso Tractebel. A manifestação de voto mais emblemática passa a ser a do Diretor Alexandre Rangel, ao argumentar que: “Não vislumbro amparo legal para impedir previamente o exercício do direito de voto de acionista em conflito de interesses, com base no art. 115, §1°, in fine, da lei 6.404/76. A meu ver, o regime jurídico previsto na lei do anonimato não autoriza o impedimento formal de voto a priori de acionista na hipótese de conflito de interesses, nos termos do dispositivo supracitado.”

Para uma melhor compreensão do debate e sua relevância, é necessária uma breve introdução a respeito do tema, bem como um sumário do caso Tractebel, o qual firmou o entendimento da CVM nos últimos anos pela aplicação do conflito de interesses formal.

A lei das Sociedades Anônimas, em seu art. 115, é muito clara ao dizer que o voto deve ser exercido com foco no interesse social. Entretanto, também é correto afirmar que o direito concedido ao acionista votante leva em conta não apenas o interesse da sociedade, mas também o seu próprio, sendo ambos perfeitamente conciliáveis¹, desde que tal conduta não provoque danos à sociedade.

Assim, a fim de coibir o uso abusivo do direito de voto, a LSA traz, no parágrafo 1º do artigo 115, quatro hipóteses em que o acionista estaria impedido de votar. São elas: (i) a relativa à apuração do laudo de avaliação de bens com  que concorre para a formação do capital social; (ii) quando há aprovação de  suas contas como administrador; (iii) em caso de benefício particular; e (iv) quando tiver interesse conflitante com o da companhia.

De forma convergente, a maior parte da doutrina entende que, em ocorrendo qualquer das três primeiras hipóteses elencadas acima, implica-se  no impedimento absoluto do exercício do direito de voto do acionista.  Entretanto, a análise da quarta hipótese apresentada é motivo de debates calorosos entre os estudiosos do tema².

Pode-se afirmar, ainda, que há um consenso doutrinário e jurisprudencial de que a lei é clara ao impedir o voto conflitado, seja ele exercido por acionista controlador ou não. A grande divergência, no entanto, fica por conta de qual       seria o momento em que este conflito deve ser analisado.

Neste ponto, a doutrina se divide em duas correntes. A primeira, chamada do conflito formal, a segunda corrente, intitulada do conflito substancial ou material.

2.1 O Conflito de Interesses Formal

Os que advogam pelo conflito formal defendem que a análise deve ser feita ex ante, não importando se o voto será benéfico ou não à companhia. Para esta corrente doutrinária, basta que seja percebida a existência de interesses potencialmente conflitantes para que haja impedimento ao voto.³ 4

Tal entendimento poderia lograr êxito, não fosse a existência do parágrafo 4º do artigo 115 da LSA5. Ao examinar o texto legal, é possível compreender que o legislador optou por conceder um regime especial para a hipótese do conflito de interesse.

Outro argumento utilizado pelo formalista consiste na ideia de que a interpretação do parágrafo 1º do artigo 115 deve ser feita de forma literal. Sustenta, ainda, que em toda a lei não há a figura do “conflito substancial” e, tampouco, a contraposição do “conflito formal”, havendo apenas a proibição ao “interesse conflitante" 6.

De maneira diametralmente oposta, os representantes do regime substancial defendem que a interpretação da lei deve ser feita de forma sistemática 7. Caso todas as normas da lei das Sociedades Anônimas fossem interpretadas de maneira literal, teríamos situações absurdas como, por exemplo, a possibilidade de uma companhia que possui ações em tesouraria exercer o direito de preferência em caso de aumento de capital, já que o parágrafo 4º do artigo 30  apenas retira das ações em tesouraria o direito de voto e de recebimento de dividendo.

2.2 O Conflito de Interesses Substancial

Para além dos argumentos apresentados em contraposição aos defensores do conflito formal, este capítulo apresenta outros fundamentos que comprovam que o atual entendimento da CVM em relação à matéria é passível de críticas construtivas.

Além da alínea “f” do artigo 117 da LSA supramencionado, o artigo 264 da mesma Lei traz um forte indício de que o legislador teve a intenção de definir o conflito de interesse como substancial. Neste dispositivo legal, é dado ao acionista controlador o direito de votar em assembleia de incorporação de controlada. Ora, não haveria nada mais conflituoso do que a situação trazida pelo referido artigo, mas o legislador permitiu que ele votasse8.

Em brilhante análise, o professor Valladão chama a atenção para a tentativa de inclusão de seis novos parágrafos ao artigo 115, conforme pretendeu a lei 10.303/01, que propôs que a análise do conflito de interesses fosse de competência de deliberação da assembleia geral9.

Entretanto, no momento de sancionar a referida Lei, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou os parágrafos supramencionados10. Ao examinar os motivos elencados no veto, compreende-se que, de forma deliberada, afirmou-se que a averiguação da existência do conflito de interesse deveria ser mantida a cargo do judiciário, isto é, a análise sobre a possível existência de um conflito de interesse deve ser realizada após o seu  exercício, de forma ex post.

Um outro ponto trazido pelo veto foi o temor a respeito das consequências que o impedimento do exercício do voto do controlador  poderia causar. Foi justificado que, caso os parágrafos fossem sancionados, as empresas estariam à mercê da vontade dos acionistas minoritários, invertendo a lógica da vontade majoritária que rege as sociedades por ação11.

Ademais, o próprio judiciário já se manifestou no sentido de que o direito ao voto só poderia ser suprimido nos casos em que o conflito de interesses fosse percebido de forma extremamente flagrante. Nos demais casos, poderia o acionista controlador votar, como se observa pelo voto proferido pelo Ministro Relator Aldir Passarinho Junior, no REsp 131.300, julgado em 29/8/2000.12

Ainda sobre o voto acima, é possível notar que o Ministro observa que, em caso de sacrifício dos interesses da empresa, o maior prejudicado seria o próprio acionista controlador.

3. O Caso Tractebel

O caso Tractebel13 marcou a última alteração do Colegiado da CVM no sentido de voltar a adotar a corrente formal como a apropriada para a análise do conflito de interesse.

O caso teve origem na consulta formulada pela Tractebel Energia S.A. para confirmar o seu entendimento de que não haveria impedimento para a acionista controladora da empresa, a GDF Suez, exercer o direito de voto na assembleia que deliberasse sobre a aquisição da totalidade das ações ordinárias de emissão da Suez Energia, pertencentes à GDF Suez.

A área técnica da CVM se manifestou pelo impedimento do exercício do direito de voto da GDF Suez na assembleia, ainda que fosse criado um comitê especial independente para avaliar a transação. O recurso teve como Relator o ex-Diretor Alexsandro Broedel, cujo voto foi acompanhado pelos ex-Diretores Marcos Pinto, Otavio Yazbek e Maria Helena Santana, sendo voto vencido o ex-Diretor Eli Loria.

O Relator defendeu a perspectiva do conflito formal, e destacou que o artigo 115 da Lei das S.A., em seu parágrafo primeiro, é claro em impedir o direito de voto do acionista na situação em que tiver interesse conflitante com o da companhia, e que na sua visão essa é a melhor interpretação do texto quando comparada com a interpretação materialista, que exclui o impedimento a priori e permite o voto.

Seguindo esta linha de raciocínio, o Diretor Relator argumentou que a proibição do voto do controlador reduziria os riscos de causar prejuízos ao acionista minoritário, e discordou da visão materialista de que não há ninguém melhor que o próprio controlador - que possui mais capital investido e corre mais riscos - para decidir o melhor interesse da companhia, sendo essa uma dinâmica natural da empresa.

Nesse sentido, Alexsandro Broedel defendeu que não há contradição à proibição de voto nos termos do § 1º do art. 115, mesmo quando levada em consideração a previsão legal das relações entre grupos societários e sociedades controladoras e coligadas, como foi defendido pela relatoria do Caso Previ 14. Por fim, embora tenha realizado ressalvas sobre a necessidade de flexibilização da corrente formalista, considerando que “o mercado possui a capacidade de, por mecanismos de governança, criar formas de mitigação e até resolver o problema do conflito de interesses” o Diretor Relator aderiu à corrente formalista em seu voto.

Por fim, o ex-Diretor Eli Loria, cujo voto foi vencido, foi o único a defender a corrente materialista do conflito de interesses. O Diretor esclareceu que a lei societária criou uma série de freios e contrapesos visando compor os interesses de acionistas majoritários e minoritários.

Dessa forma, discorreu sobre as hipóteses em que indiscutivelmente o voto do acionista é vedado previamente, como na aprovação do laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social, preservando-se a efetividade do capital social, ou quando a votação se tratar da aprovação de suas próprias contas como administrador, além daquelas deliberações que puderem beneficiar o acionista de modo particular.

4. Caso Stone

Em 13/11/20, o Colegiado da CVM teve a oportunidade de julgar o Processo CVM 19957.005563/2020-75, caso Stone, que tratava de recurso interposto pelos Sócios Fundadores da Linx, em face de entendimento da SEP, que havia deferido pelo impedimento de voto desses na Assembleia que deliberaria sobre a aquisição da Linx pela Stone. A área técnica sustentou que o fato de os Sócios Fundadores terem firmado contratos de não concorrência com a possível adquirente, por meio dos quais receberiam um valor em indenização desta, estariam em condição de conflito de interesses e logo impedidos de votar na Assembleia Geral Extraordinária (“AGE”) convocada para 17/11/20.

No âmbito do Colegiado, com exceção do Diretor Gustavo Gonzalez que se encontrava de férias, todos os Diretores apresentaram sua manifestação de voto.

Seguindo o entendimento que havia sido firmado no caso Tractabel, o ex-Diretor Henrique Machado em sua manifestação de voto, que veio a ser voto vencido, deixou claro seu entendimento que no caso Stone, os Sócios Fundadores deveriam ser impedidos de votar na AGE, pelos interesses destes estarem em conflito com os da Linx.15

Em sentido contrário, o Presidente Marcelo Barbosa, a Diretora Flávia Pelegrino e o Diretor Alexandre Rangel, se manifestaram pela possibilidade de os Sócios Fundadores votarem na AGE. A manifestação do último Diretor já foi demonstrada na introdução deste artigo.

Em relação aos votos do Presidente Marcelo Barbosa e da Diretora Flávia Pelegrino, em ambos é citado que a CVM não possui um entendimento consolidado quando se trata de conflito de interesses16 17, votando assim, pela aplicação do conflito substancial, determinando que este conflito de interesses poderia ser analisado a posteriori.18 19

Apesar de não ter participado do julgado, é importante citar que o ex-Diretor Gustavo Gonzalez foi um dos grandes defensores da adoção do conflito substancial durante todo seu período como Diretor da Autarquia.20

5. Conclusão:

Diante da atual composição do Colegiado da Autarquia e das manifestações de voto expressas no Caso Stone, estaríamos presenciando uma possível 5ª alteração no entendimento da CVM, no sentido de se alinhar à corrente de análise substancial do conflito de interesses? Acreditamos que sim, mas serão necessários novos casos para que seja possível afirmar com total precisão que a CVM passou a adotar o regime do conflito substancial.

___________

1. “O voto é concedido ao sócio para a tutela de seu interesse como sócio; encontra a sua justificação e seu limite na comunhão de interesses, porque — prossegue o mestre italiano — é só no limite de seu interesse como sócio que os acionistas são (até com sacrifício de seu interesse extra-social frente ao interesse social) sujeitos à deliberação da maioria.” (ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 2ª ed. São Paulo: Quórum, 2007. p.226.)

2“A lei das S.A. estabelece, ainda, na parte final do § 1º, que o acionista não pode votar quando tiver interesse conflitante com o da companhia, o que tem gerado discussão doutrinária e na esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários sobre a natureza da proibição, se seria uma proibição absoluta, tal como ocorre nas 3 (três) outras hipóteses, ou se seria necessário analisar o mérito da decisão. Tratando-se de uma proibição absoluta, o conflito de interesses seria formal, verificado ex ante, pela simples posição ocupada pelo acionista e a companhia em determinada relação jurídica; entendendo-se, por outro lado, ser necessário analisar o mérito da deliberação, o conflito seria de natureza substancial.” (EIZIRIK, Nelson. A lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 660.)

3. De forma a defender esta posição, Renato Ventura Ribeiro defende que: “No caso de conflito formal, basta a mera existência de interesse conflitante do acionista com a companhia para que haja a proibição do voto. O acionista está proibido de votar, pois, mesmo que haja benefícios equitativos a ambas as partes, continua a haver conflito e não convergência de interesses. Assim, mesmo não havendo dano à companhia, a deliberação deve ser anulada. (...) A razão parece estar mais próxima da corrente que propugna pelo conflito de interesses formal. A lei é expressa em afirmar a proibição do exercício do voto. Não se pode votar, seja ou não a decisão lesiva à companhia, cuida-se também de exercício abusivo de direito de voto.” (RIBEIRO, Renato Ventura. Incorporação de Companhia Controlada. In: WARDE JR., Walfrido Jorge (coord.). Fusão, Cisão, Incorporação e Temas Correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 377-378.)

4. No mesmo sentido, Modesto Carvalhosa e Norma Parente advogam, respectivamente, que: “Há proibição legal para o acionista que tem conflito formal de interesses com a sociedade de votar em qualquer sentido, nem que seja conforme o interesse social. A lei de 1976 é clara em proibir que o acionista vote, seja nas hipóteses específicas de conflito de interesses que enuncia, seja residualmente, em qualquer momento no qual, sob outras modalidades, configura- se essa situação (CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. 4ª edição. Saraiva, 2009. p. 465.); e “A proibição é cautelar e visa proteger a sociedade e os demais acionistas do eventual dano causado pelo voto conflitado. A simples constatação da existência de posições contrapostas é suficiente para impedir o voto segundo a corrente formalista, não sendo necessário apurar qual interesse prevalecerá, uma vez que a lei já teria dado a solução ao problema, ao estabelecer a proibição cautelar do exercício do direito de voto do acionista conflitado, malogrando com a proibição do voto ex ante o eventual voto contaminado, o texto é claro.” (PARENTE, Norma Jonssen. Mercado de Capitais. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2018. In: Coleção Tratado de Direito empresarial. V. 6. Coordenação Modesto Carvalhosa. p. 401.).

5. Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

§ 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.

6. Assim defendem Parente e Carvalhosa, respectivamente: “Nada pode ser mais claro que a seguinte passagem: o acionista não poderá votar. Dentro da chamada interpretação gramatical, acatando seus limites próprios, não há qualquer margem para a inclusão da distinção ‘divieto x conflito’, pois o legislador deixou claro que a proibição ‘ex ante’ se estendia às hipóteses de interesse conflitante.” (Voto de Norma Parente no âmbito do Inquérito Administrativo CVM nº RJ2020/1153); e “Não existe a propalada diferença entre o chamado conflito formal versus conflito fundamental. Essa falsa questão tem sido invocada para derrogar a proibição de voto no caso de interesse conflitante, que é a quarta tipificação do § 1º do art. 115 da Lei Societária. A norma quando restringe o exercício do voto do acionista interessado, nessa quarta tipificação define-a como “interesse conflitante” para, assim, configurar a impossibilidade jurídica de uma parte formar a vontade da outra. Desse modo, a restrição legal do voto do acionista interessado tem como fundamento o interesse conflitante, encontrável em qualquer relação contratual de natureza unilateral ou bilateral, sendo, portanto, de caráter formal e apriorístico. Posto isso, não existe essa dialética sofismaticamente criada, sem nenhuma base normativa, entre o chamado ‘conflito formal’ vs. ‘conflito fundamental’, a não ser que se traduza essa figura artificialmente criada – “conflito substancial” – como sinônimo de conduta ilícita de que fala o art. 186 do CC.” (CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Comentários à Lei das S.A. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 514-515).

7. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. Vol.161/162. p. 39.

8. Seguindo nessa linha, Valladão afirma que: “Na incorporação de companhia controlada não há duas maiorias. Como em uma incorporação normal, em que a incorporação é deliberada pela maioria dos acionistas da incorporadora (art. 227, § 1º, da LSA) e pela maioria de acionistas da incorporada (art. 227, § 2º). Na incorporação de companhia controlada, a maioria da controladora é que decide a operação por ambas as companhias. E, no entanto, mesmo assim, nesta situação de evidente conflito formal de interesses, a lei permite que a acionista controladora exerça o direito de voto.” (FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. Op.cit. p. 41.).

9. “§ 5º Poderá ser convocada assembléia-geral para deliberar quanto à existência de conflito de interesses e à respectiva solução, por acionistas que representem 10% (dez por cento), no mínimo, do capital social, observado o disposto no parágrafo único, alínea c, parte final, do art. 123.

§ 6º A assembléia a que se refere o § 5º também poderá ser convocada por titulares de ações com direito a voto que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital votante.

§ 7º No curso da assembléia-geral ordinária ou extraordinária, os acionistas a que se refere o § 6º poderão requerer que se delibere sobre a existência de conflito de interesses, não obstante a matéria não constar da ordem do dia.

§ 8º Decairão do direito de convocar a assembléia de que trata o § 5º os acionistas que não o fizerem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data em que tiverem ciência inequívoca do potencial conflito de interesses.

§ 9º Caso a assembléia-geral, por maioria de votos, delibere haver conflito de interesses, deverá especificar as matérias nas quais o acionista em situação de conflito ficará impedido de votar.

§ 10 A assembléia especificada no § 9º poderá delegar, com a concordância das partes, à arbitrágem a solução do conflito.”

10. “A necessidade de se vetar os parágrafos acima transcritos decorre de manifesto conflito com o interesse público, em razão da constatação de que a assembléia para deliberação acerca da existência de conflito de interesses de que tratam os citados dispositivos se afigura inócua em termos de proteção ao acionista minoritário. Com efeito, não há como afastar o voto do acionista controlador no conclave pretendido - sob pena de se atribuir aos minoritários o inédito poder de, indiretamente, vetar qualquer deliberação a partir da alegação de existência de conflito do controlador, e de se desconsiderar o próprio conflito de interesses do minoritário na assembléia especial, o que demonstra a inexistência de efetividade na proposta apresentada.

Em realidade, as regras acima enfocadas trariam, na prática, apenas confusão, podendo, inclusive, servir para supostamente confirmar a inexistência de um conflito cuja presença caberia ao Poder Judiciário avaliar, ou mesmo para motivar um aumento de ações judiciais envolvendo o controvertido tema de que se cuida.” (Mensagem nº 1.213, de 31 de outubro de 2001) (grifou-se)

11. Nesse mesmo sentido entende o professor Valladão, conforme se verifica: “Não pode haver qualquer dúvida, portanto, de que a situação de conflito de interesse é de natureza substancial e não formal – e só pode ser verificada ex post, ou seja, após o voto proferido, e não ex ante. A deliberação somente é anulável se o acionista (controlador ou não!), ao votar, sacrificar o interesse da companhia ao seu próprio interesse, trazendo prejuízo, ainda que potencial, a esta última.” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Op. cit., p. 42.)

12. STJ, 4ª Turma, Recurso Especial  131.300 – RS, Rel: Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 29/8/2000, DJ. em 20/11/2000.

13. Processo Administrativo CVM RJ2009/13179.

14. Processo Sancionador CVM RJ2002/1153.

15. “21. Por fim, ainda que se pudesse afastar a hipótese de benefício particular, restaria caracterizado o potencial conflito entre os interesses da Companhia e os interesses dos recorrentes resultantes dos contratos de non compete e de consultoria, cuja imperatividade da expressão “não poderá votar” do art. 115, §1º, impede a participação dos recorrentes. Verifica-se evidente hipótese de conflito formal de interesse face ao potencial interesse conflitante com a Companhia, consoante entendimento reiterado desta Autarquia desde o Caso Tractebel.

22. Sem a pretensão de renovar uma discussão doutrinária ou jurisprudencial amplamente conhecida, permito-me apenas citar o voto então vencido da i. ex-Diretora Norma Parente nos autos do Processo Administrativo TARJ2012/1153: o abuso do direito (rectius poder) de voto somente pode ser verificado posteriormente, em um controle substancial, visto que este ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido (posto que os direitos são conferidos para serem usados de uma forma que se afeiçoe ao interesse coletivo), ou, o que vem a dar no mesmo, quando o agente exerce sem qualquer interesse legítimo; o conflito de interesses é meramente formal, constatado a priori, considerando o comando impeditivo generalizado contido no parágrafo único do artigo 115 e o sistema preconizado na lei societária.”

16. Voto Presidente Marcelo Barbosa: “5. Não cabe, nesta oportunidade, uma análise mais extensa a respeito de todos os aspectos relacionados ao §1º do art. 115 da lei 6.404/76. Como indicado no Relatório, o histórico de decisões deste Colegiado a respeito dos temas não permite identificar a permanência, por período de tempo relevante, de entendimento majoritário em torno de uma linha de pensamento. Essa falta de estabilidade desautoriza, a meu ver, o entendimento, algumas vezes manifestado em meios de comunicação e mesmo em estudos acadêmicos, de que este Colegiado teria se filiado a qualquer das teses defendidas. Obviamente, houve a formação de maiorias em oportunidades em que foram necessárias deliberações sobre casos concretos. Contudo, o exame mais detido dos precedentes revela a ausência de uma linha que tenha se mantido íntegra por tempo suficiente para que seja considerada um entendimento dominante para fins de registro histórico.”

17. Voto Diretora Flávia Perlingeiro: “5. A primeira é a de que, ao contrário do sustentam os Recorrentes e a Companhia, entendo que não estamos a tratar de conceitos sobre os quais há clareza e entendimento consolidado pelo Colegiado da CVM. Ao contrário, compartilho da visão que se extrai do Relatório de que as questões conceituais abordadas no recurso, além de apresentarem reconhecida complexidade, não encontram solução sedimentada em precedentes da CVM, não obstante se possa extrair, de decisões pretéritas do Colegiado, subsídios para a análise do presente caso, respeitadas suas especificidades.”

18Voto Presidente Marcelo Barbosa: “19. Como já mencionado, os Contratos com Acionistas Fundadores não têm a Companhia como contraparte e não geram obrigações ou ônus para a Linx. Embora seja possível constatar um interesse paralelo dos Recorrentes na aprovação da Operação Stone, em decorrência das contrapartidas fixadas nos referidos contratos, ele não me parece ser suficiente para impedir que os Recorrentes votem na AGE, uma vez que, pelas características das avenças, não há evidente oposição entre os seus interesses e o interesse social. Diante disso, não é possível afirmar, neste momento, que faltaria aos Recorrentes a isenção necessária para votar na AGE em linha com o interesse social. 20. Reforço, contudo, que minha conclusão quanto a eventual conflito de interesses neste caso se restringe à análise consubstanciada no Relatório e considera a ausência de indícios de má-fé ou fraude, por parte dos Recorrentes, no que tange à celebração dos Contratos com Acionistas Fundadores e às negociações envolvendo a Operação Linx. 21. Assim, entendo que, neste momento, não há que se falar em impedimento de voto, sem prejuízo, contudo, da verificação a posteriori quanto a se os Recorrentes, ao exercerem seu direito de voto, teriam privilegiado interesses pessoais em detrimento do interesse social.”

19. Voto Diretora Flávia Perlingeiro: “23. A esse respeito, acompanhando as bem fundamentadas razões da manifestação de voto do Presidente Marcelo Barbosa, concluindo, assim, que não restou demonstrado, neste momento, conflito de interesses apto a gerar impedimento de voto por parte dos Recorrentes em decorrência da celebração dos Contratos com Acionistas Fundadores, sem prejuízo, contudo, da verificação a posteriori quanto à regularidade do exercício do direito de voto pelos Recorrentes, nos termos da lei 6.404/1976, inclusive quanto a se os referidos acionistas, ao exercerem seu direito de voto, teriam privilegiado interesses pessoais em detrimento do interesse social “.

20. Processo Administrativo CVM SEI 19957.005749/2017-29 e Processo Administrativo Sancionador CVM RJ2014/10556.

Ricardo Azevedo
Integrante do time de Societário do Escritório Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados - Membro e Co-Fundador do Núcleo de Estudos em Direito Societário e Mercado de Capitais da PUC-Rio.

Luíza Pereira Muniz Pontes
Colaboradora do Escritório Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide Advogados - Membro do Núcleo de Estudos em Direito Societário e Mercado de Capitais da PUC-Rio

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