A lei 11.340/06, mais conhecida como lei Maria da Penha, criou uma série de dispositivos com o arcabouço de proteger a mulher em situação de violência doméstica e familiar, dentro do contexto de suas vulnerabilidades.
Uma das mais importantes disposições é a aplicação, pelo juiz, de medidas protetivas de urgência, tanto as que obrigam o agressor, quanto as que protegem a ofendida, quando verificada a existência de indícios da prática de violência doméstica.
Nesse contexto, vê-se que a medida protetiva de afastamento físico entre agressor, vítima e testemunhas (LMP, art. 22, incisos II e III da lei Maria da Penha), com fixação de limite mínimo de distância, possui grande aplicabilidade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher espalhados pelo país. Tal medida visa evitar, pelo distanciamento obrigatório do indivíduo autor da violência, que a mulher continue sendo alvo das empreitadas violadoras de sua integridade física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual.
Entretanto, mesmo com tal obrigatoriedade, muitos dos agressores continuavam insistindo na aproximação e tentativa de contato com estas mulheres. Por esse motivo, a lei 13.641/18 inseriu na lei Maria da Penha o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, criando o artigo 24-A e estabelecendo que o descumprimento da decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas em lei é punível com pena de detenção de três meses a dois anos.
Ainda assim, mostrou-se como de difícil fiscalização o cumprimento da ordem de afastamento. Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) passaram a apoiar a utilização do monitoramento eletrônico de agressores.¹
A utilização da tornozeleira eletrônica como política pública de segurança no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher estimulada pelo CNJ e pelo Fonavid possui três principais fundamentos: (i) a garantia do cumprimento da determinação judicial, tendo em vista a precisão do funcionamento do sistema de fiscalização; (ii) é menor o gasto do Estado com o monitoramento do que com o agressor, caso o mesmo seja preso pelo descumprimento da medida; e (iii) possibilita a redução da superlotação do sistema carcerário.
A instrução pelo uso do monitoramento eletrônico foi ainda mais fomentada no cenário da pandemia do covid-19. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça publicou Orientação Técnica sobre a monitoração eletrônica de pessoas no âmbito de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus, a partir da Recomendação CNJ 62/20.
Seguindo esta tendência, em abril deste ano, o estado do Rio de Janeiro promulgou a lei 9.245/21, a qual dispõe sobre o monitoramento de agressores nos casos de violência doméstica. Segundo a lei, o monitoramento deverá ser utilizado enquanto durar a Medida Protetiva e/ou Medida Cautelar e deverá ser realizado por meio de tornozeleiras, braceletes ou chips, conforme a disponibilização da Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Para avaliar o cabimento da fiscalização por monitoramento eletrônico, o julgador deve levar em consideração o caso específico, analisando o grau de periculosidade do ofensor, seus antecedentes criminais e se o mesmo é reincidente na prática de violência doméstica e familiar.
A medida mostra-se extremamente oportuna, uma vez que, segundo os dados do Governo do Estado do Rio de Janeiro, quanto à avaliação do Programa da Patrulha Maria da Penha, no primeiro bimestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano passado, o número de atendimentos realizados pelas equipes do projeto em todo o estado registrou um aumento de 98,7%. Foram ao todo 8.668 em 2021 contra 4.362 em 2020.²
No que se refere especificamente aos descumprimentos de medida protetiva, nos dois primeiros meses de 2021 foram efetuadas 36 prisões, a maioria de indivíduos que se negaram a respeitar as medidas protetivas determinadas pela Justiça.
Nesse contexto, importante destacar que o projeto Patrulha Maria da Penha realiza atendimentos de forma regular e periódica às mulheres que possuem medidas protetivas de urgência deferidas pelo Poder Judiciário, conforme protocolo de intenções firmado com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O levantamento mostra que desde o início do programa, em 5 de agosto de 2019, até 31 de dezembro de 2020, 18.011 mulheres foram atendidas. Desse total, 14.184 mulheres possuíam medida protetiva e foram inseridas no programa, passando, por isso, a receber acompanhamento regular com a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas pelo ofensor.
Com isso, a lei estadual vem para auxiliar este controle quanto ao cumprimento das medidas protetivas, já que é extremamente difícil de se registrar, de qualquer outra forma, se o agressor está cumprindo com a exigência de manter o limite mínimo de distância da vítima, ou deixando de frequentar lugares estipulados pelo juiz.
Apesar da orientação do CNJ e da edição de leis estaduais como esta recentemente aprovada no estado do Rio de Janeiro, ainda não há, em âmbito federal, previsão legal para o monitoramento das medidas que obrigam o ofensor quando da aplicação da lei Maria da Penha.
Note-se, ainda, que a possibilidade de monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão foi inserida no Código de Processo Penal com o advento da lei 12.403/11, devendo ser privilegiada em detrimento da prisão preventiva.
Por esse motivo, mesmo que não subsista norma federal específica prevendo a fiscalização por meio eletrônico no contexto da lei 11.340/06, o juiz poderá aplica-la alternativamente ao artigo 20 da lei Maria da Penha, o qual prevê a possibilidade de prisão preventiva a qualquer momento da instrução penal.
Esta tecnologia já é amplamente utilizada em outros países como, por exemplo, os Estados Unidos, que implementaram programas de monitoramento eletrônico por GPS e estão obtendo um alto índice cumprimento das medidas, segundo estudo da American Society of Criminology.³
Em Portugal, as vítimas também podem contar com o monitoramento, a fim de evitar encontros com o agressor de forma fortuita, desde que haja consentimento com a utilização do dispositivo, nos termos da lei 112/09, o qual estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.
Por fim, ainda que a lei Maria da Penha seja considerada a terceira melhor do mundo no combate à violência contra a mulher4, o Brasil ainda ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios.5 Diante disso, são extremamente necessárias políticas públicas eficazes para enfrentamento à violência doméstica e familiar que possibilitem a fiscalização do cumprimento e respeito a esta lei tão vanguardista6, como demonstra ser o monitoramento eletrônico de ofensores contra os quais vigora obrigação de afastamento da vítima.
____________
1. Disponivel aqui.
2. Disponível aqui.
3. EREZ, E. IBARRA, P., GUR, O. Using GPS in Domestic Violence Cases: Lessons from a Study of Pretrial Programs.
4. Relatório UNIFEM: O Progresso das Mulheres no Mundo (2008-2009): Quem responde às mulheres? Gênero e responsabilização.
5. Mapa da Violência 2015 com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde sobre 83 países.
6. Relatório ONU Mulheres: O Progresso das Mulheres no Mundo (2011-2012): Em busca da justiça.