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Fungibilidade do recurso especial e recurso extraordinário: A normatização das sequelas da falta de definição de competência

O princípio da fungibilidade recursal (art. 1.032 e 1.033, CPC) trata das sequelas da falta de definição da competência para fins de interpretação conforme à Constituição.

27/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A interpretação conforme a Constituição

O Superior Tribunal de Justiça deve promover a interpretação da lei. O Supremo Tribunal Federal deve tutelar a Constituição. A regra de competências das cortes deveria ser clara, impedindo que advogados interpusessem recursos ao STJ, quando o correto seria para o STF e vice-versa.

No Brasil temos duas cortes supremas: STJ e STF¹. Cada qual tem sua função. Confundir suas competências ocasiona instabilidade jurídica. Um ordenamento jurídico que reconhece as funções das cortes supremas como tribunais de precedentes desenvolve uma teoria adequada dos precedentes objetivando racionalidade, confiabilidade, segurança jurídica, certeza e efetividade, mediante a universalidade, normatividade, vinculatividade e estabilidade horizontal e vertical².

Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional (Art. 1.032, CPC). Por sua vez, se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial (Art. 1.33, CPC). Há uma Zona de Penumbra entre o STJ e o STF4.

Não definir regras de competência para estabelecer critérios aptos a identificar se um acórdão tem bases infraconstitucionais ou constitucionais legitima a interposição equivocada de um recurso quando seria outro. O princípio da fungibilidade previsto nos artigos 1.032 e 1.033 do CPC atua nas sequelas das falta de uma clara delimitação de competência.

A interpretação da norma infraconstitucional conforme a Constituição (técnica de interpretação) cabe ao STJ. Apenas quando ocorrer a formação do precedente no STJ é que se abre a possibilidade de análise de interpretação conforme perante o STF (técnica de controle da constitucionalidade). O STJ dá sentido ao texto utilizando a constituição como um parâmetro. O STF analisa se o sentido atribuído ao texto legal violou a Constituição, ou seja, se o precedente corresponde ao sentido da Constituição.

A interpretação conforme a Constituição passa por duas análises, não simultâneas, e situadas em campos diversos: a primeira, interpreta-se a lei utilizando a Constituição como um parâmetro a ser seguido; a segunda, tutela-se a Constituição. Trata-se, portanto, de duplo filtro interpretativo, um de ordem infraconstitucional e outro constitucional.

A função do STJ é interpretar a lei. A do STF é tutelar a Constituição. A definição do papel das Cortes Supremas no desenvolvimento do direito passa pela delimitação clara da competência do STJ e do STF na interpretação da lei federal conforme à Constituição, eliminando a Zona de Penumbra hoje ainda existente, proporcionando maior racionalidade e eficiência ao Poder Judiciário4.

__________

1. Luiz Guilherme Marinoni, A FUNÇÃO DAS CORTES SUPREMAS E O NOVO CPC (em linha) (Consult. 20.08.2019). Disponível aqui.

2. Hermes Zaneti Jr., O Papel da Jurisprudência do STJ/ coordenação Isabel Gallotti ... (et al), 1ª Ed – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p.178 , CPC

3. Luiz Guilherme Marinoni, Zona de penumbra entre STJ e STF: A função das Cortes Supremas e a delimitação do objeto dos recursos especial e extraordinário – 1ª ed. – São Paulo: Thopson Reuters Brasil, 2019.

4. Marinoni, Luiz Guilherme. A Zona de Penumbra entre o STJ e o STF: A Função das Cortes Supremas e a delimitação do objeto dos recursos especiais e extraordinários.

Guilherme Veiga Chaves
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

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