Migalhas de Peso

O fechamento de varanda por “cortina de vidro”

Os recentes julgados vêm flexibilizando a vedação dos condomínios ao que se refere o fechamento de varanda, tendo em vista, sobretudo, a modernização das estruturas utilizadas, que não modificam mais a fachada do prédio.

24/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Não rara as vezes os condomínios proíbem o fechamento da varanda com a chamada “cortina de vidro” nas unidades imobiliárias, em especial quando a sua convenção tenha sido elaborada há mais de 30 (trinta) anos, isto porque o entendimento entre o fechamento da varanda e a alteração de fachada se alterou com o tempo por diversos fatores.

Com a finalidade de diminuição de custos, alteração de alíquotas tributárias e otimização do espaço útil do terreno, cada vez mais diminuto em grandes centros urbanos, as construtoras incorporaram aos seus projetos extensas varandas em quase todos os seus empreendimentos novos.

Nem sempre foi assim, e as convenções, assembleias ou regulamento interno de construções mais antigas sempre coibiram tal conduta com a proibição do fechamento da varanda. Entre o principal fundamento aplicado os textos editados previam que essa instalação implicava em alteração de fachada e, se guarneciam na legislação civil, em decretos antigos como o 322/76 (no caso do município do Rio de Janeiro) e no Código Civil, hoje com redação dada pelo artigo 1.336 do Código Civil que determina:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

...

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

Entretanto, os atuais julgados vêm flexibilizando tal proibição, entendendo que alteração com vidros transparentes (cortina de vidro) é uma tendencia de aceitação nacional e não importa em modificação de fachada, entre os fundamentos abordados pelas decisões observa-se a demonstração que os materiais utilizados se modernizaram e o fluxo diário de carros, bem como a poluição sonora nas cidades aumentaram desde quando elaborada as convenções mais antigas nas décadas de 70/80, a saber:

Trata-se, pois, de modificação que a par de não alterar, substancialmente, a fachada, porque efetuada com vidros transparentes, denota a tendência de sua generalizada aceitação, pelos condôminos, com a possibilidade de futura revisão da antiga cláusula convencional impeditiva. Ademais, a legalização do fechamento de varandas, pela própria municipalidade, inclusive com a cobrança de “mais valia” (Lei Complementar n.º 99, de 2009), conduz a falta de motivo plausível para o desfazimento da obra em tela, tudo corroborado pelas fotos trazidas aos autos (fls. 34/35 e 160/164). Acresce consignar que a instalação de vidros retráteis ameniza a poluição sonora, assim como protege o apartamento da poluição, mesmo porque à época em que aprovada a convenção, no ano de 1982, não existia o intenso fluxo diário de carros que se verifica nos dias de hoje naquela localidadeI

Em caso análogo, a 14ª Câmara Cível do TJERJ ao julgar, em 2015, a apelação cível 0003518-39.2013.8.19.0001 também entendeu que a convenção de condomínio não podia interferir na instalação das "cortinas de vidro" que não importam em alteração de fachada do edifício, haja vista que não corresponde a fechamento ou envidraçamento definitivos de varanda de chão ao teto, proferindo o seguinte acórdão:

“Trata-se, em verdade, de proteção temporária, transparente e retrátil, que sequer provoca aumento na área do imóvel, possibilitando a redução dos ruídos, da entrada de poeira e detritos trazidos pelo ar, bem como a proteção do vento e demais intempéries. Precedentes desta Corte. Apelação a que se nega provimento.”

Nesse sentido também se posicionou o Superior Tribunal de Justiça em relação, alegando que apenas a não aprovação pela municipalidade local enseja o desfazimento da cortina de vidro retrátil, mesmo com proteção da norma da convenção:

“1. Cuida-se de agravo em recurso especial interposto contra a decisão que não admitiu o apelo extremo, por sua vez manejado em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCEDIMENTO SUMÁRIO. FACHADA. COLOCAÇÃO DE CORTINA DE VIDRO RETRÁTIL, ENSEJANDO FECHAMENTO PARCIAL DA VARANDA. SUPOSTA VIOLAÇÃO A CONVENÇÃO CONDOMINIAL. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO CONJUNTO ARQUITETÔNICO QUE IMPÕE RECONHECER QUE O ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL NÃO FOI VIOLADO. COBRANÇA PELA MUNICIPALIDADE DE MAIS VALIA PELA COLOCAÇÃO DE CORTINA DE VIDRO RETRÁTIL QUE AUTORIZA A RECORRENTE A BUSCAR A REGULARIZAÇÃO DE SUA SITUAÇÃO. DESFAZIMENTO DA OBRA QUE SE JUSTIFICA APENAS SE A RECORRENTE NÃO BUSCAR A REGULARIZAÇÃO JUNTO A MUNICIPALIDADE. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.

Nas razões do seu recurso especial o recorrente alega violação aos arts. 1333 e 1336, III, do Código Civil; 128,165, 458, II, 460, e 535, II, do Código de Processo Civil; e à Súmula 260/STJ. DECIDO. 2. Inicialmente, observa-se que não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. Não se verifica, também, no caso, a alegada vulneração dos artigos165 e 458, II, do Código de Processo Civil, porquanto a Corte local apreou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão. Provimento ao agravo em recurso especial. Publique-se. Intimem-se.”II

Por outro lado, o fechamento que compromete a fachada do prédio ou transforma a varanda em um novo cômodo habitável da unidade, independentemente do disposto em Convenção de Condomínio, vem sendo rechaçada pela jurisprudência local, como no julgado que determinou ao condômino que retirasse todas as esquadrias de vidro temperado que alterou visivelmente a estética da fachada.III

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pacificou o entendimento através da Súmula 384 que: “A instalação de cortina de vidro, ou sistema retrátil de fechamento sem perfis de alumínio, ou semelhante, em material incolor e transparente, executada por profissional devidamente registrado no Conselho Regional de Engenharia  CREA, ou no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – CAU/RJ, não configura obra a depender de licenciamento urbanístico, desde que não implique em transformação da varanda em um novo cômodo habitável da unidade.”IV

Através da Ação Civil PúblicaV movida pelo MPRJ que culminou na edição da lei complementar municipal 184/18, que revogou o parágrafo único do art.1º e o art.3º da LC 145/14, extinguindo a previsão de cobrança de “mais-valia” pelo fechamento de varanda, salvo no caso em que importar em novo cômodo, também fora resolvida em relação ao fisco municipal daquela cidade a não-incidência de contrapartida nos casos de fechamento simples da varanda.

Destarte, percebe-se que o envidraçamento através de cortina de vidro, ainda que vedado pela convenção do condomínio, mas feita com vidros transparentes e sem hastes de alumínio, não descaracterizando a fachada, vem sendo aceito pelos nossos Tribunais. Porém quando as obras realizadas pelo proprietário importarem em fechamento de fachada é importante que seja feita por profissional devidamente registrado no CREA ou CAU, não necessitando de licenciamento urbanístico.

__________________

I Ap. Cível 0177784-10.2010.8.19.0001

II STJ. REsp 047746. Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Data da Publicação: 3/10/11

III Processo 0031077-44.2018.8.19.0001

IV Processo Administrativo 0037429-40.2016.8.19.0000. Julgamento em 21/05/2018 – Relator: Desembargador Maldonado de Carvalho. Votação por maioria.

V Processo 0036473-21.2016.8.19.0001

Pedro Henrique de Almeida Alves
Bacharelado pela UCAM-RJ em 2003. Pós-Graduado em Processo Civil e imobiliário. Possui especialização em Direito de Família e Sucessões. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do IBDFAM.

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