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A arbitragem não está em risco!

O fato de se ter entendido que o trâmite sob o regime de segredo de justiça não deve ser aplicado automaticamente em toda e qualquer ação judicial em que se discuta um não quer dizer que essa garantia esteja afastada em definitivo.

23/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 2 de março de 2021, a Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo – ao julgar o agravo de instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000 – afastou o segredo de justiça de processo que versava sobre a validade de determinada sentença arbitral, pois entendeu que o art. 189, IV, do CPC é inconstitucional.

Apesar de controverso, este entendimento não chega a ser novidade. Algumas das Varas Empresariais da Comarca de São Paulo já vinham afastando a aplicação automática do segredo de justiça em ações judiciais em que se discute algum aspecto relacionado  arbitragem. Assim, o que se viu foi apenas a confirmação, em sede recursal, de uma tendência que já se despontava em primeiro grau de jurisdição.

Esta recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo não justifica, em hipótese alguma, o alarmismo e dramalhão que se tem visto no meio arbitral.  Este precedente não promove uma devassa pública de tudo o que as partes disseram e discutiram em processos arbitrais, tampouco expõe seus mais íntimos e comprometedores segredos.  Nada disso!

O fato de se ter entendido que o trâmite sob o regime de segredo de justiça não deve ser aplicado automaticamente em toda e qualquer ação judicial em que se discuta um  não quer dizer que essa garantia esteja afastada em definitivo.  De modo algum.  A intimidade ou o interesse social (e.g., segredo de negócio) seguem merecedores de proteção judicial, como de resto sempre mereceram.  O Eminente Desembargador Cesar Ciampolini Neto fez constar de seu voto que apenas o segredo de justiça “com fundamento na aplicação automática do art. 189, IV, do CPC” estaria afastado.   Seguem vigentes os incisos I, II e III do mesmo artigo, em tese perfeitamente aplicáveis a casos semelhantes.

Em outras palavras, se houver motivo que justifique o pedido, a parte pode e deve pleitear que a ação tramite sob o regime do segredo de justiça, de forma a proteger um ou outro documento específico que, excepcional e fundamentadamente, mereça ficar a salvo da curiosidade pública.

A tramitação pública de ações judiciais relacionadas as arbitragens não será uma exclusividade do ordenamento jurídico brasileiro.  Na grande maioria dos países, esse tipo de demanda não desfruta de um sigilo automático e inexpugnável.  É o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra, Austrália, Alemanha, Bélgica, França e Suíça (onde a anonimização - nunca o sigilo - parece ser a regra).

Logo, a decisão do Tribunal de Justiça não trará qualquer prejuízo às arbitragens que se desenvolvem no Brasil, da mesma forma que jamais se ousaria dizer algo semelhante a respeito de Londres, Nova Iorque ou Paris.

A bem da verdade, a confidencialidade do procedimento arbitral – embora seja um de seus atrativos - certamente não é o elemento preponderante ou decisivo para a inclusão de cláusulas compromissórias em acordos, contratos ou estatutos sociais.  Existem outras vantagens e benefícios muito mais relevantes e que sempre foram preservados pelo Poder Judiciário, em todas as suas instâncias.  A arbitragem vale muito mais que sua confidencialidade!

Por esses motivos, a nosso ver, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo está muito longe de justificar qualquer tipo de alarmismo ou sobressalto.  O Brasil - e especificamente o Estado de São Paulo - continuam a despontar como jurisdições extremamente favoráveis à arbitragem.  As varas especializadas da Comarca da Capital seguem como um referência de segurança jurídica e boa técnica processual, predicados que certamente contribuem muito para a escolha de nossa cidade como principal sede de procedimentos arbitrais.  A Arbitragem não está em risco!  Ao contrário, prospera, vicejante, com o apôio e sob a proteção do Tribunal de Justiça bandeirante.

Tonico Monteiro da Silva
Sócio da área de solução de disputas do escritório L.O. Baptista Advogados, possui ampla experiência em matéria de arbitragem e litígios judiciais, com enfoque especial em temas relacionados a Direito da Construção, Seguro e Disputas Comerciais ou Societárias.

Júlio César Costa Ferro
Advogado da área de soluções de disputas do escritório L.O. Baptista Advogados. Mestrando em Direito Comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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