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A ineficácia da hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro perante terceiros de boa-fé

O STJ através da Súmula 308 define componente jurídico relevante na relação entre construtoras e seus agentes financeiros no desígnio de proteger os adquirentes.

24/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É sabido que um empreendimento imobiliário desencadeia para as construtoras altos custos de viabilização. A fim de sanar este ponto, em regra as empresas do setor buscam auxílio de agentes financeiros, em grande parte instituições bancárias, para garantir o recurso financeiro necessário. Em troca, a hipoteca de unidades habitacionais do empreendimento é o meio mais usual para garantir o cumprimento da obrigação.

Neste diapasão é importante reforçar o conceito de hipoteca, que, preconizado pelo literato jurídico Flávio Tartuce é “o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática, recaindo sobre bens imóveis (em regra) e não havendo a transmissão da posse da coisa entre as partes.” (TARTUCE, 2021).

Ou seja, a construtora não possuidora de meios próprios para realizar o empreendimento imobiliário, recorre a um financiador, pessoa jurídica ou física, que, por sua vez, tem como garantia unidades habitacionais por intermédio de hipoteca.

Neste contexto, em caso de não cumprimento da obrigação gerada pela construtora, o financiador poderá executar este meio de garantia.

O problema nesta transação está na ausência da baixa da hipoteca ao fim da obra, muitas vezes levando o consumidor a habitar um imóvel com tal problemática gravada junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

Neste sentido, a fim de proteger o consumidor de possível execução da hipoteca, por parte do agente financiador, o Superior Tribunal de Justiça proferiu a Súmula 308 que expõe o seguinte texto:

A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel” (grifo nosso).

Isto é, no caso da falta de repasse dos lucros pela construtora, mesmo que o agente financiador realize a execução da hipoteca, esta não terá efeitos perante o adquirente do imóvel, ou seja, o consumidor.

Importante ressaltar a ineficácia da aplicação de tal súmula em caso de posse ou aquisição pautada em má-fé. A título de exemplo seria o caso do construtor transmitir a unidade a terceiro que, conhecendo da dívida e da hipoteca e mediante algum tipo de vantagem efetivou a operação .

Analisemos também o REsp 1.592.489, onde houve o entendimento de que a “(...) mera existência de compensação como forma de pagamento de parcela significativa do preço de um imóvel não é suficiente para afastar a incidência da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)” (STJ, 2019).

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA E MANDAMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E INTERESSE JURÍDICO DE EMPRESA PÚBLICA. TEORIA DA ASSERÇÃO CARACTERIZADA. 3. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 308/STJ. MITIGAÇÃO DA FORÇA DA HIPOTECA EM FINANCIAMENTO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. APLICAÇÃO. CONTRATO PARA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE CELEBRADO DE BOA-FÉ. VALIDADE NÃO CONTESTADA. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 4. A mitigação da hipoteca firmada em razão de financiamento da obra não pode ser oposta ao adquirente de boa-fé, independentemente da modalidade contratual utilizada para a transferência da propriedade e da modalidade de pagamento do preço do bem ajustado.

5. Não havendo debate nos autos acerca da existência e validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, cuja boa-fé também não é refutada, a mera existência de compensação como forma de pagamento de parcela significativa do preço não é suficiente para afastar a incidência da Súmula n. 308/STJ. (STJ, 2019) (grifo nosso).

Portanto, o agente financiador de empreendimento imobiliário, seja pessoa física ou jurídica, deve atentar-se a súmula 308 do STJ a fim de buscar outros meios para a eventual quitação forçada da obrigação da construtora, caso seja necessário, ou assumirá o risco de inviabilização da execução da hipoteca, caso o consumidor tenha adquirido o bem em boa-fé.

_______________

STJ - REsp 1.592.489 - RS, Relator: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 18/6/19.

Superior Tribunal de Justiça (STJ). Método de pagamento diverso não descaracteriza contrato para fins de aplicação da Súmula 308. 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em 13 de maio de 2021.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário . Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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