Uma das expressões mais visíveis da dignidade da pessoa humana é o direito à moradia, cuja tutela deve ocorrer não só mediante atividade legislativa típica (edição de normas protetivas, a exemplo da impenhorabilidade do bem de família e do direito real de habitação) mas também através da adequada interpretação das normas jurídicas pelos Juízes e Tribunais, de modo a se evitar que eventual dúvida razoável na aplicação da lei seja resolvida contrariamente ao aludido direito fundamental.
O Superior Tribunal de Justiça, em fevereiro último (REsp 1.873.203/SP), nos ofereceu exemplo interessante de atividade judicial interpretativa com esse viés de valorização da pessoa. O caso julgado tratava de execução proposta contra um aposentado que, tendo figurado como garantidor de contrato de locação celebrado por terceiros, ofereceu o seu próprio e único imóvel residencial em garantia sob a modalidade caução imobiliária.
Discutiu-se no processo se o imóvel caucionado em garantia, qualificado legalmente como bem de família, poderia ser alcançado na execução do crédito de aluguel, algo que já tinha sido admitido por duas instâncias da Justiça de São Paulo. A penhora do bem de família pertencente a fiador de contrato de locação é válida, conforme entendimento pacificado pelas Cortes Superiores, tratando-se de uma das poucas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.
No caso, porém, como a garantia prestada pelo executado não consistia em fiança, mas sim caução imobiliária, entendeu-se – a nosso ver acertadamente – que a penhora não podia prevalecer. Consignou a Relatora, Min. NANCY ANDRIGHI: “De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas”.
Mais do que a regra interpretativa expressamente citada, a decisão certamente levou em conta a natureza social do direito envolvido na discussão, intrinsicamente ligado à dignidade humana tão valorizada pela Constituição da República.
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Fonte: STJ. Disponível aqui.